Cuidados de mercado

Crise não pode atropelar concorrência no país

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4 de abril de 2009, 7h43

A crise financeira mundial não chegou ao Brasil como uma ‘marolinha’, como esperava o presidente Lula. Hoje, é motivo de grande preocupação para a economia nacional. Passou também a fazer parte da pauta de discussões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que tem a função de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos que coloquem em risco a livre concorrência no país. Nessa sexta-feira (3/4), o presidente do órgão, Arthur Badin, durante visita à capital paulista, afirmou que a implementação de políticas protecionaistas para lidar com a crise financeira deve ser limitada.

Badin chamou a atenção para que os os princípios do Direito da Concorrência no Brasil não sejam violados a esse pretexto. Ele participou de almoço promovido pelos escritórios Sonia Marques Döbler Advogados e Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados Associados e também pela Câmara Espanhola de Comércio, no restaurante Figueira Rubayat, em São Paulo.

Questionado pela revista Consultor Jurídico como o Brasil deveria se comportar no cenário de crise atual, Arthur Badin afirmou que vale a pena o país olhar para o passado e não cometer os mesmos erros. Para ele, a redução do comércio internacional só faz agravar os efeitos da crise.

Badin lembrou que o país já teve uma experiência como a vivida agora, na época do Plano Cruzado, com o congelamento de preços no mercado feito por “burocratas de plantão”, que definiam preços de produtos como ações e minérios. Esse modelo, de acordo com ele, foi rejeitado no início da década de 90. Quatro anos depois, foi criado o Plano Real. Nesse período, houve a diminuição da intervenção do Estado no Poder Econômico.

O professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, num evento promovido pela Universidade Mackenzie também nessa sexta-feira (3/4) em São Paulo, explicou que o problema da concorrência, às vezes, é gerado pelo próprio Estado, que, na ânsia de adotar medidas anticrise, acaba por ferir a proteção constitucional da livre iniciativa e da livre concorrência. O professor teme que o mesmo acontece  no pacote apresentado pelo governo Lula para incentivar a construção civil no país.

O presidente do Cade comparou o cenário atual com a crise de 1929, a chamada grande depressão  depois da quebra da bolsa de Nova York. Segundo Badin, o cenário atual faz reviver alguns momentos daquela época. Depois da quebra de 29, Roosevelt assumiu a Presidência dos Estados Unidos num clima de muito entusiasmo e esperança por parte dos norteamericanos. O mesmo aconteceu recentemente com a posse do presidente Barack Obama, que assumiu a Presidência do país com a maioria no Congresso, apoio de governadores e muita expectativa do povo norteamericano. Coincidentemente, num quadro de crise.

Badin lembra, no entanto, que Roosevelt aprovou, como primeira medida do seu governo, a Lei Nira (National Industrial Recovery Act), que teve como objetivo promover a recuperação da produção industrial e reduzir o desemprego. A lei permitiu a suspensão das leis antitruste porque a prioridade foi manter os americanos empregados e não manter os princípios da concorrência. Com isso, segundo Badin, a lei estimulou a formação de cartéis, pois diminuíram a concorrência para aumentar o lucro e resolver o problema do desemprego no país.

De acordo com Badin, os Estados Unidos isolaram o seu mercado do mundo, criaram barreiras para as importações e, ao invés de resolver a crise, a postergaram ainda mais. Foi só em 1935 que a Suprema Corte norteamericana declarou a lei inconstitucional. Depois desse período, o país criou uma nova legislação de combate as práticas anticompetitivas. Hoje, junto da Comunidade Europeia, o país é um dos mais desenvolvidos no assunto. 

Novo Cade

Durante o evento em São Paulo, Arthur Badin defendeu a reestruturação do Cade. Ele destacou novamente que o fôlego da instituição depende da aprovação do Projeto de Lei 3.937/04, que aguarda votação no Senado. Se aprovada, a nova lei unificará a Secretaria de Direito Econômico e Secretaria de Acompanhamento Econômico numa única superintendência geral, responsável pela análise prévia — e não mais posterior — de fusões e aquisições e pela investigação de práticas anticompetitivas no mercado.

Badin explicou que essa análise antecipada dos atos de concentração vai afastar qualquer imposição jurídica se as operações não forem aprovadas pelo Cade. Atualmente, as empresas são obrigadas a apresentarem ao Cade os documentos da operação 15 dias depois de concluída. O conselho gasta cerca de seis meses para julgar um ato de concentração. “É como se o casal de noivos fossem pedir a benção dos pais só depois de casados”, comparou Badin. Na prática, as empresas não poderão mais fechar negócio antes de o Cade se posicionar. “Não vai haver mais elasticidade na tramitação do processo administrativo.”

Outro ponto importante no projeto, segundo o presidente do Cade, é o que prevê aumento da estrutura administrativa do conselho, principalmente na parte de recursos humanos. Para cuidar da defesa da concorrência do país, o Cade dispõe só de 16 técnicos para auxiliarem os setes conselheiros em seus gabinetes. De acordo com Badin, cada busca e apreensão durante operação de combate aos cartéis exigem cinco técnicos. Num caso grande, são disponibilizados 12. “O Brasil avançou muito no combate aos cartéis, mas não é possível continuar com essa trajetória sem que o Senado aprove o projeto de lei. A aprovação vai acabar com os gargalos que impede a ascensão do Cade.”

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