Guerra de versões

MP investiga reunião de assessores do STF e advogados de Dantas

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29 de setembro de 2008, 14h35

Um ofício da procuradora Lívia Nascimento Tinoco demonstra que a Procuradoria da República, no Distrito Federal, investiga um suposto jantar entre assessores do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, e advogados do banqueiro Daniel Dantas em um restaurante de Brasília.

Segundo a revista IstoÉ, o documento — ofício número 33/2008, MPF/PRDF/LT — foi assinado pela procuradora no dia 16 de setembro, uma semana antes de ela ter negado à revista que estivesse investigando assessores de Gilmar Mendes. Por causa do foro de prerrogativa de função, um ministro do STF só pode ser processado pelo procurador-geral da República.

Lívia Nascimento Tinoco faz parte do grupo de três procuradores do grupo de controle de atividade policial que investiga o caso do grampo que gravou uma conversa de Gilmar Mendes com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A procuradora disse para a revista que o delegado Protógenes Queiroz, responsável pela Operação Satiagraha, mostrou uma série de fotos que seriam do jantar. Segundo a procuradora, Protógenes disse que as fotos foram feitas com a câmara de um telefone celular. O delegado teria afirmado, ainda, que aquelas fotografias não foram incluídas no inquérito porque não identificara todos os presentes ao jantar, entre eles uma mulher loira.

Lívia Nascimento Tinoco diz que não ficou com as fotos porque investigar a reunião não seria de sua competência. Mas, o oficio prova o contrário. O documento é dirigido ao gerente do restaurante Original Shundi. Nele, a procuradora faz dois pedidos. No primeiro, solicita que seja apresentado o nome completo, o CPF e o endereço atualizado do gerente que trabalhou ali até o início de agosto deste ano.

No segundo, requisita o vídeo do circuito interno do dia 11 de junho de 2008, desde as 18h30 até o fechamento do restaurante. Na semana passada, o disco rígido do computador que administra o sistema de segurança do restaurante foi remetido à procuradora. Segundo a assessoria do STF, não foi o tribunal que pediu para que fosse feita uma apuração sobre o caso.

O jantar teria acontecido no dia 11 de junho. Na oportunidade, os advogados de Dantas já sabiam que seu cliente era investigado pela Polícia Federal. No Grupo Opportunity corria a informação de que a prisão temporária do banqueiro e de seus sócios poderia ser pedida a qualquer momento pelo delegado Protógenes ao juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara da Justiça Federal em São Paulo.

No dia do encontro, os advogados de Dantas entraram com o pedido de Habeas Corpus preventivo no Supremo. O ministro Eros Grau não se pronunciou sobre o HC até o dia 8 de julho quando Dantas foi preso. Como o STF estava em recesso, a questão foi julgada pelo ministro Gilmar Mendes no dia seguinte ao da prisão. O presidente do STF nega que o encontro tenha ocorrido.

A versão apresentada por Protógenes à procuradora demonstra uma tentativa de encobrir a participação de agentes da Abin na Satiagraha em monitoramento ilegal sobre assessores de Gilmar Mendes. A IstoÉ tinha revelado que os arapongas teriam espionado a reunião.

O presidente do STF, que na semana anterior havia recebido da desembargadora Suzana Camargo, do Tribunal Regional Federal 3ª Região (São Paulo), a informação de que tinha escuta no seu gabinete, recorreu ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Procurou saber se estava em poder da Procuradoria a fita gravada pelos agentes da Abin no restaurante e se estava em curso alguma investigação de que ele ou seus assessores fossem alvo.

O procurador negou a existência da fita e também qualquer tipo de investigação. Disse que tinha controle total sob a Procuradoria e que nenhuma apuração envolvendo autoridades era feita sem passar pelo crivo legal do STF. O ministro, então, dirigiu-se ao ex-diretor da Abin Paulo Lacerda, que também negou que agentes da agência estariam a serviço de Protógenes, fato desmentido dias depois pelo próprio Lacerda, na CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas.

Agentes da Abin ouvidos pela revista disseram que Protógenes lhes assegurou que ainda em junho policiais da PF estiveram no restaurante e apreenderam as imagens do circuito interno de tevê para evitar que a participação dos arapongas fosse descoberta. A direção do restaurante negou ter recebido a visita de policiais.

Submundo da operação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está empenhado em por fim à crise deflagrada com os grampos ocorridas durante a Operação Satiagraha. No dia 16 de setembro, Lula promoveu uma discreta homenagem a Gilmar Mendes, informa a IstoÉ. Além de Lula e de Gilmar Mendes, estiveram presentes em um jantar oferecido pelo governo na casa do advogado- geral da União, Antônio Toffoli, os ministros Tarso Genro, da Justiça, Dilma Rousseff, da Casa Civil, e o chefe de gabinete Gilberto Carvalho. Do STF, participaram Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Carlos Menezes Direito.

O empenho do presidente, no entanto, não tem encontrado ressonância entre seus principais auxiliares nas áreas de informação e inteligência. Diretores da PF e da Abin, assim como os ministros Nelson Jobim, da Defesa,e o general Jorge Armando Felix, do Gabinete da Segurança Institucional, continuam protagonizando uma série de contradições que contribuem apenas para dificultar a identificação dos responsáveis pelos grampos.

No dia 17 de setembro, em depoimento à CPI do Grampo, Nelson Jobim recuou. Duas semanas antes, ele confrontou o general Felix e afirmou, na presença do presidente Lula, que a Abin havia comprado junto maletas capazes de fazer escutas ambientais e telefônicas. Diante da CPI, Jobim condenou o fato de a Abin ter participado da Satiagraha e apresentou apenas um manual do equipamento retirado da internet. Feito o recuo, o ministro voltou baterias contra a imprensa.

No dia seguinte, perícia entregue pela PF assegurava que os equipamentos da Abin apenas fazem varreduras, mas não podem ser usados para gravar. Como a discussão era sobre a viabilidade das maletas fazerem escutas ambientes, a CPI entendeu que o laudo não é definitivo. O deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), afirmou que vai remeter os equipamentos da Abin para nova perícia, na Unicamp.

Na Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso, Paulo Lacerda, diretor afastado da Abin, e Luiz Fernando Correa, diretor da PF , voltaram a divulgar versões contraditórias. Lacerda, que início da crise, negava a participação da Abin, recuou de vez. “Dentro da Abin houve a solicitação para que agentes participassem da Satiagraha”, assumiu.

“Se na PF isso não ocorreu, eu lamento”, afirmou minutos depois de Correa dizer ao senador Heráclito Fortes (DEM-PI) que na PF não havia nenhuma informação sobre a participação da Abin na operação. Jorge Felix se fez de desentendido. “Acompanho as operações e não as cooperações”, afirmou. O ex-agente do SNI, aposentado pela Abin, Francisco Ambrósio Nascimento, confirmou que fazia ponte entre o delegado Protógenes Queiroz e os mais de 50 agentes da Abin.

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