Estado Vigilante

Quem teme polícia forte tem interesse criminoso, diz Corrêa

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29 de setembro de 2008, 17h18

Não existe Estado policialesco no Brasil. As críticas de excessos cometidos pela Polícia Federal são reações à coragem de não colocar ninguém acima da lei. Esse é o ponto de vista de Luiz Fernando Corrêa, que completou um ano como diretor geral da PF. Em entrevista à Folha de S. Paulo publicada nessa segunda-feira (29/9) e assinada pelo jornalista Lucas Ferraz, Corrêa afirma que quem tem medo de uma polícia forte “tem algum interesse criminoso, não importa quem seja ou onde esteja”.

Leia a entrevista

Que momento vive a Polícia Federal, levando-se em consideração todas as críticas à atuação do órgão, os supostos excessos e a alegação, como fez o presidente do STF, Gilmar Mendes, de que há no Brasil um Estado policialesco?

Luiz Fernando Corrêa — Falta uma boa análise da mídia, que está simplesmente reproduzindo essas discussões. Não estamos em um Estado policialesco porque senão não estaríamos discutindo isso. Num Estado policial não há liberdade. É salutar os atos da Polícia, que é profissional, serem questionados no âmbito da legalidade. O que não pode é alguém constatar um crime e atribuí-lo à Polícia. Aí não interessa quem fale, essa pessoa está errada. Temos como discutir os excessos, nossos atos são todos documentados. Não temos medo do controle. Não quero que me joguem no campo da ilegalidade nem que me tragam ilegalidades. Nossa escuta é toda auditável. Pode haver desvio de conduta? Pode, mas deixa rastro. Não nos misturem com quem não trabalha na legalidade. Temos uma Polícia que passou a ser discutida quando passou a prender determinados tipos de pessoas.

Historicamente, a Polícia no Brasil sempre esteve ligada aos estratos mais altos da sociedade.

Corrêa — O bom é que a sociedade está sendo chamada para discutir o que polícia quer. Estamos dispostos a avançar, prender quem quer que seja. Muitas instituições não têm coragem de fazer o que foi feito [prisão temporária do ex-diretor-executivo da PF]. Aqui ninguém está fora do alcance da lei. Agora querem me colocar no campo da bandalheira, querem tentar minar a boa imagem que a PF tem com a sociedade.

Quem quer fazer isso?

Corrêa — Não sei. Só não se interessa por uma Polícia forte quem tem algum interesse criminoso, não interessa quem seja ou onde esteja. Não confundam zelo, responsabilidade, fiscalização, isso temos. Tenho certeza de que quando o ministro Gilmar Mendes fala, está querendo que essa Polícia, dentro da legalidade, tenha o controle e avance cada vez mais. Polícia e Judiciário não têm confronto, somos uma cadeia em que nenhum dos dois cumpre a função se houver desavença. A Polícia não existe fora do âmbito do Judiciário. Se minha prova, por mais perfeita tecnicamente que seja, não tiver com a legalidade perfeita, não tem conseqüência social. Entendemos muito bem em uma cadeia de Justiça criminal, Polícia, MP e juiz. Tentam fazer briga, mas, institucionalmente, essas instituições têm noção de que trabalham juntas. As pessoas fazem suas manifestações institucionalmente ou pessoalmente. Nós só trabalhamos e falamos via relatório.

Há desconfianças. Gilmar Mendes, por exemplo, questionou o laudo da PF que atestou que os equipamentos da Abin não eram capazes de fazer o suposto grampo. Nelson Jobim (Defesa) fez o mesmo.

Corrêa — É um desconhecimento de quem fala. Os repórteres deveriam procurar saber o que é um laudo, que não pode ter uma vírgula a mais do que é solicitado. Ele responde objetivamente. Uma pessoa, quando quer fazer uma análise do laudo, tem de pegar o que foi pedido e o que o perito respondeu.

Desconhecimento das próprias autoridades?

Corrêa — É. Mas o que posso fazer? Estamos no estado da arte em perícia. Não há outro país, Polícia nenhuma, que faça algo em termos periciais que a PF não faça no mesmo nível.

A prisão temporária do ex-número dois da PF, Romero Menezes, deixou muitos na corporação assustados.

Corrêa — Um desconforto para todos.

Falam de uma suposta rixa entre o superintendente do Amapá, Anderson Rui Fontel, e Romero Menezes. Outros dizem que o senhor seria o verdadeiro alvo.

Corrêa — Há tese para tudo. Onde há um grupo, há desavenças. O que ninguém está autorizado a fazer é usar sua função para resolver desavenças pessoais. Se tiver uma boa prova, não interessa se é o diretor-geral, o ministro, vai quem tiver que ir. A questão do Romero tem tese para todo lado.

A Associação dos Delegados da Polícia Federal quer blindar a diretoria da instituição, com a criação de uma espécie de foro privilegiado e regras para pedido de prisão contra diretores. O que o senhor acha?

Corrêa — O país tem que decidir se quer foro privilegiado, e distribui isso a todos que têm papel importante, ou não tem para ninguém e restringe a casos. Não vou emitir parecer, pois é uma matéria a ser discutida pelo Parlamento.

A Operação Satiagraha, por tudo o que ela representou, pode ser considerada um divisor de águas para a PF? O fato de agentes da Abin terem atuado sem ter havido uma comunicação oficial, por exemplo, pode alterar algo em futuras investigações?

Corrêa — É questão de mérito. O que todo mundo fala com desenvoltura, e podem falar, porque são pessoas que estão ou emitindo alguma opinião ou não têm o compromisso que temos. Tudo é objeto de inquérito: um da operação propriamente dita e outro apurando os eventuais desvios de conduta [do delegado Protógenes Queiroz], que podem ser confirmados ou não. No final desse inquérito vamos falar o que aconteceu sob a ótica técnica. Mas o sucesso de uma operação não legitima desvios de conduta.

Mas, por causa disso, será alterada a forma de colaboração da Abin?

Corrêa — As instituições do Estado são complementares, um único serviço público. É recomendável que todos operem em conjunto. Só quero sair do emocionalismo. Colocam tudo em lado opostos. Não podemos desgastar a máquina ou penalizar a instituição em nome de desvios de conduta individuais. Até para manter intacta a estrutura do Estado, porque senão a legislação vem e restringe. O mau uso da regra não pode acabar com ela. Daqui a pouco o Estado fica engessado.

O senhor quer aplicar na PF elementos da gestão empresarial. O que mudará no órgão?

Corrêa — Não temos uma política de gestão. A Polícia se formou recrutando gente para cumprir atividade finalística, foi ganhando corpo, tem de haver gestão dessa massa de trabalho. Historicamente, a Polícia sempre trabalhou de forma reativa. Problemas e demandas vão surgindo e ela vai resolvendo. Isso vai gerando distorções.

Quais distorções?

Corrêa — Aqui se resolvia no improviso, na reação, tivemos ingressos maciços, concentrados em pouco tempo, e depois um longo tempo sem concurso. Em vez de pirâmide, temos um vaso disforme. É importante o indicador pois há outra questão central na nossa administração que é a descentralização.

A centralização foi um problema da gestão Paulo Lacerda?

Corrêa — É um problema. Toda administração centralizada contraria qualquer boa técnica de gestão. Mas ela era conseqüência e necessária. A administração do Paulo Lacerda, quando centralizou, estava em um momento de redesenhar a cúpula da polícia em diretorias. Ele concentrou até para fixar doutrina. É normal que a próxima administração consolide essa etapa e descentralize.

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