Divisor de águas

Constituição colocou Brasil em vanguarda nas licitações

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29 de setembro de 2008, 12h49

Os brasileiros devem comemorar o significado da Constituição Federal para o cenário das licitações e dos contratos administrativos. A constatação é do professor de Direito Administrativo Jonas Lima, advogado com 15 anos de atuação em licitações e contratos.

Para o advogado, antes de 1988, o Brasil vivia em um atraso, com um histórico de quase 130 anos de legislações esparsas e frágeis, que não conferiam mecanismos de segurança e transparência que hoje podem ser livremente exercidos por licitantes nacionais e estrangeiros e pelos cidadãos.

O verdadeiro acesso às licitações, em um ambiente de maior divulgação e conhecimento pelos empresários e pelos cidadãos, o avanço nas legislações específicas da União, dos estados e dos municípios, tudo isso decorreu de princípios e regras expressas que foram incorporados ao texto constitucional, afirma Jonas Lima.

Leia a entrevista

ConJur — A Constituição Federal de 1988 foi importante para as licitações?

Jonas Lima — Em 1988, a licitação e o contrato administrativo foram inseridos pela primeira vez em um texto constitucional, após um longo período de quase 130 anos de legislações esparsas e frágeis, que não conferiam publicidade, transparência e segurança que hoje se pode exigir dos agentes públicos. Esse marco foi delineado, primeiramente, pela inserção no artigo 37 dos princípios básicos para administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em segundo lugar, com a inserção no inciso XXI do mesmo artigo de regras expressas com diretrizes para as licitações e os contratos.

ConJur — Esses princípios se transformaram em resultados concretos?

Jonas Lima — Hoje em dia, não há licitante e advogado que deixe de invocar nas suas petições, em matéria de licitações e contratos, o princípio da legalidade quando alguma regra de procedimento é quebrada no decorrer de uma disputa licitatória. A impessoalidade e a moralidade também são princípios citados quando licitações são direcionadas para pessoas ou empresas preferidas de determinados agentes públicos. Já a publicidade é bastante utilizada como argumento contra licitações ou atos de licitações não comunicados ou ainda contra a limitação indevida de acesso aos autos de procedimentos e aos contratos. A eficiência tem servido muito para questionar até mesmo os tipos de compras e serviços pretendidos pela administração pública.

ConJur — Na prática, o que mudou com os princípios constitucionais?

Jonas Lima — Além de dar muito mais força às suas petições, as empresas, os cidadãos, o Ministério Público e outras entidades legitimadas têm conseguido, na Justiça, resultados consideráveis contra ilegalidades nas licitações. Os princípios constitucionais pesam muito na visão dos juízes e, com eles, as licitações podem ser analisadas pelo Supremo Tribunal Federal.

ConJur — Quais as regras expressas sobre licitações e contratos na Constituição?

Jonas Lima — A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a estabelecer que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei. Licitar passou a ser uma obrigação com status constitucional, com a ressalva de que os casos excepcionais seriam aqueles previstos em lei, o que aconteceu com o advento da Lei 8.666/93. Assim, ficou mais fácil para os interessados identificar e se insurgir contra as contratações diretas indevidas. Outra regra criada pela Constituição é a igualdade de condições a todos os concorrentes. Isso deu mais força contra abusos nas licitações. Entretanto, não se pode deixar de alertar que, apesar de ser uma regra muito invocada, ela não cabe em toda e qualquer situação, pois a igualdade pressupõe tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Outra regra importante é o estabelecimento de cláusulas com obrigação de pagamento e de manutenção das condições efetivas da proposta. Isso significa mais segurança para o licitante contra uma quebra causada pela conduta da administração. Vale ressaltar ainda a regra que prevê que, na licitação, somente se permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações do contrato. Essa é a regra que, literalmente, salva muitas empresas de situações injustas e ilegais porque está alçando a nível constitucional um parâmetro pelo qual deve haver pertinência entre o objeto, o bem ou serviço, que a administração está licitando e as respectivas exigências, que devem ser apenas as necessárias para sustentação, a execução, do futuro contrato. Essa é considerada a “regra de ouro” para muitos.

ConJur — Esses princípios e regras colocam o Brasil em vanguarda?

Jonas Lima — Hoje em dia, com a segurança e a clareza desses princípios e regras, os licitantes nacionais participam muito mais das licitações, a viligância está maior, as denúncias mais freqüentes. Isso tudo, aliado à transparência que decorre do princípio da publicidade, tem colocado o Brasil na posição de um dos países mais interessantes para os licitantes estrangeiros. São várias as licitações internacionais super atraentes, de milhões de reais, e também licitações menores, até mesmo financiadas por organismos internacionais. Devido à confiança conquistada, esses organismos já aceitam até mesmo a realização de licitações feita aqui via sistemas eletrônicos como o Comprasnet. Também a aplicação do princípio da publicidade, com mais divulgação das licitações e dos contratos via internet tem trazido elogios ao país. Isso tudo é o reconhecimento de que o Brasil é um país avançado no campo das licitações.

ConJur — O senhor pode dar algum exemplo prático desse avanço?

Jonas Lima — O caso de um licitante estrangeiro, que pode ter acesso aos avisos das licitações brasileiras, participar do certame conhecendo as regras e contando com a segurança necessária, inclusive, decorrente de respaldo judicial se algo errado ocorrer na via administrativa. Ademais, a possibilidade de registrar sua proposta e mantê-la em equilíbrio econômico-financeiro, inclusive em dólares ou outra moeda estrangeira, também segundo regras claras. Essa confiança, que decorre também das normas infra-constitucionais, inspiradas nos princípios constitucionais, é muito positiva.

ConJur — Há motivos para comemorar os 20 anos da Constituição?

Jonas Lima — Sim. Ela conferiu a chance para que a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, as empresas públicas e outras entidades pudessem inovar em suas legislações próprias de licitação, adaptadas às suas realidades, mas não destoando dos princípios básicos estabelecidos. Isso fez com que as inovações legislativas trouxessem resultados surpreendentes, como a queda em mais de 60% de preços em muitos procedimentos pela modalidade de pregão, o que coloca o país em destaque mundial e, internamente, também respeita o princípio da economicidade, insculpido no artigo 70 do texto constitucional.

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