Preço da má-fé

Justiça condena autor de recursos sem fundamento

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23 de setembro de 2008, 17h33

O abuso do direito de defesa fez com que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso condenasse o autor dos repetidos recursos a pagar indenização de R$ 50 mil, por danos morais, para a outra parte do processo. De acordo com a decisão da 6ª Câmara Cível, o mau uso do instrumento processual ficou caracterizado diante dos diferentes tipos de recurso apresentados pela defesa do autor, sem que qualquer um deles trouxesse fundamentos plausíveis.

O advogado de defesa apresentou duas exceções de pré-executividade, Agravo de Instrumento contra as decisões que não aceitaram as exceções de pré-executividade, uma petição alegando irregularidade no instrumento de procuração e, ainda, exceção de incompetência do juiz da Comarca de Lucas do Rio Verde.

O desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos, relator do recurso no TJ mato-grossense, em seu voto, explicou que a documentação existente nos autos permite concluir que os recorrentes “agem como que a ‘guardar’ argumentos para ir, durante o processo, lançando-os nos autos, em momentos inoportunos, prejudicando a entrega jurisdicional”.

Travassos lembra que a Emenda Constitucional 45/04, ao acrescentar o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, tornou direito fundamental a duração razoável do processo. Por isso, é dever do Judiciário garantir celeridade e coibir qualquer tipo de conduta que atrase ou atrapalhe a efetividade processual.

“E isto é assim porque a morosidade processual além de causar prejuízo à parte individualmente, afronta também o interesse público, vez que, além de manter sobrecarregado o Poder Judiciário, impede a pacificação dos litígios, finalidade máxima da atividade jurídica”, concluiu o desembargador.

O juiz de primeira instância havia condenado os recorrentes a pagar indenização de R$ 55,4 mil pelo assédio judicial. O relator do processo na 6ª Câmara Cível entendeu razoável a quantia de R$ 50 mil, no que foi seguido pelos demais: desembargador Juracy Persiani e pelo juiz substituto de 2º grau Marcelo Souza de Barros.

Leia a decisão

RAC 89150/2007

EMENTA

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ASSÉDIO PROCESSUAL – INTERPOSIÇÃO REPETIDA DE INCIDENTES PROCESSUAIS INFUNDADOS – FINALIDADE PROCRASTINATÓRIA – EXISTÊNCIA – PENALIDADE DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ EXCLUÍDA DE RECURSOS ANTERIORMENTE INTERPOSTOS – IRRELEVÂNCIA – CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL ADVINDO DO ASSÉDIO PROCESSUAL – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REDUÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Configurado está o assédio processual quando a parte, abusando do seu direito de defesa, interpõe repetidas vezes medidas processuais destituídas de fundamento com o objetivo de tornar a marcha processual mais morosa, causando prejuízo moral à parte que não consegue ter adimplido o seu direito constitucional de receber a tutela jurisdicional de forma célere e precisa.

A exclusão da pena de litigância de má-fé em recursos relacionados à presente questão, anteriormente interpostos, em nada influencia a configuração do assédio processual in casu, posto que só a análise de todos os atos que formam a relação processual permite verificar a conduta da parte e o seu intento procrastinatório.

A quantificação do dano moral pela prática do assédio processual deve observar o número de incidentes praticados com intuito procrastinatório, bem como o tempo despendido na espera processual.

RELATÓRIO

Recursos de Apelação Cível interpostos por Hilário Renato Piccini e Joci Piccini, visando reformar decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Lucas do Rio Verde, que nos autos da Ação Indenizatória nº 42/2006, deixou de conhecer da reconvenção apresentada pelos requeridos, por considerar configurada a preclusão consumativa. No mérito, julgou procedente os pedidos formulados na inicial, condenando os ora recorrentes, solidariamente, ao pagamento da importância de R$ 55.410,90 (cinqüenta e cinco mil, quatrocentos e dez reais e noventa centavos) a título de indenização por danos morais decorrentes de assédio processual. Condenou ainda a sentença de primeiro grau os apelantes no pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de honorários advocatícios, nos termos do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.

Considerou a decisão vergastada (fls. 677/704), que os recorrentes vêm se utilizando dos meios de defesa dispostos pela legislação processual, com intuito meramente protelatório, ocasionando a procrastinação do Processo de Execução nº 508/2004, fazendo surgir assim, o dever de indenizar.

Salientou a decisão recorrida que o valor fixado tem o intuito de compensar o autor pela espera desnecessária em ver satisfeito seu crédito, bem como fazer com que os requeridos se abstenham da prática de atos que procrastinem o regular desenvolvimento do processo.


Em suas razões recursais (fls. 712/739), sustenta o recorrente Hilário Renato Piccini que a decisão vergastada fundamenta-se, basicamente no reconhecimento da litigância de má-fé por parte dos ora recorrentes, nos autos da ação de execução que tramita naquele mesmo juízo. Todavia, explica que tal questão já teria sido discutida neste Tribunal, por ocasião do julgamento de Recursos de Agravo de Instrumento interpostos nos autos da ação executiva, onde a litigância de má-fé teria sido afastada. Assim, alega que a decisão singular teria, na verdade, tornado a analisar questão já decidida pelo Tribunal, e o que seria pior, em sentido contrário, desrespeitando as decisões proferidas por esta instância superior.

Argumenta que o fato de não terem os executados efetuado pagamento imediato, tão logo tenham sido citados, e estarem apresentando defesa, não pode ser tido, em hipótese alguma, como procedimento protelatório, tendo apenas adotado conduta processual legalmente oportunizada.

Pontua que na verdade o que o juízo a quo condena é a busca da revisão de suas decisões por parte do ora Recorrente, como se tal direito não lhe assistisse, acrescentando que a pretensão do recorrido é obter indenização pelo fato de ter se defendido e resistido nos autos da Ação de Execução, o que seria absolutamente inadmissível.

Assevera estar o apelado se utilizando do Poder Judiciário para pleitear indevidamente, observando que não existe qualquer elemento plausível a evidenciar o mau uso do direito de ação e ampla defesa por parte dos executados, ou, ainda, que tivessem estes agido com dolo ou má-fé.

Aduz que a pretensão do recorrido de ser indenizado moralmente, em virtude de alegado assédio processual, é absolutamente descabida e infundada, posto que sequer existiria, in casu, ilicitude ou dano. Ao contrário, argumenta, não teria ocorrido qualquer ofensa ou ato ilícito nos procedimentos legais adotados na ação executiva, não havendo, portanto, que se falar em prejuízo, ou sequer dano moral sofrido e indenizável.

No tocante ao valor atribuído a título de indenização, observa que, em sendo esta mantida, deve ao menos ser reduzida a patamar não superior a 3% (três) por cento sobre o valor da execução.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que, reformando-se a decisão vergastada, sejam julgadas totalmente improcedentes as pretensões aduzidas na inicial.

Juntou os documentos de fls. 740/1.361.

A parte apelante Joci Piccini, por sua vez, também apresentou recurso de Apelação contra a decisão de primeiro grau, estando suas razões recursais juntadas às fls. 1.363/1.389 dos autos, ocasião em que repetiu expressamente todos os argumentos trazidos pelo primeiro recorrente. De igual modo, requer o conhecimento e provimento do recurso, ou a redução da indenização, no mesmo patamar anteriormente mencionado. Trouxe aos autos os documentos de fls. 1.390/2.037.

Devidamente intimada, a parte recorrida trouxe aos autos suas contra-razões às fls. 2.045/2.066, ocasião em que refuta in totum os argumentos expostos nas razões recursais. Requer a manutenção da sentença em todos os seus termos.

Com as contra-razões recursais vieram os documentos de fls. 2.067/2.069.

É o que tinha a relatar.

VOTO

O recurso deve ser parcialmente provido.

A detida análise dos autos e a observância de todos os atos processuais, até aqui praticados, observância esta possibilitada pela farta documentação apresentada pelas partes, culmina na conclusão por este Relator da configuração, in casu, do abuso de direito de defesa capaz de gerar dano à parte adversa, o que a jurisprudência e a mais recente doutrina brasileira vem denominando como assédio processual.

Restou incontroverso nos autos a utilização pelos recorrentes, na ação executiva, até o presente momento, dos seguintes expedientes:

1) Exceções de pré-executividade;

2) Recursos de agravo de instrumento das decisões denegatórias das exceções de pré-executividade;

3) Petição alegando irregularidade no instrumento procuratório;

4) Exceção de Incompetência do juízo de Lucas do Rio Verde.

Pois bem, analisemos tais tópicos a fim de verificar a configuração do ato ilícito.

De início já registro que a petição alegando irregularidade no instrumento procuratório, bem como a argüição de exceção de incompetência, não se prestam à configuração do alegado assédio processual, posto que de fato a irregularidade no instrumento procuratório existia, conforme demonstra o documento de fls. 207. Portanto, de forma alguma trata-se de argüição infundada, tanto que a irregularidade foi sanada com a juntada da procuração de fls. 274.

No que concerne à Exceção de Incompetência apresentada, não consta nos autos a informação de que já teria esta sido julgada. Assim, não compete a esta Turma julgadora, neste momento, analisar a procedência ou não dos seus fundamentos. Desse modo, desconsidero tal argumento para a análise quanto à configuração do assédio processual.


Todavia, quanto à interposição das exceções de pré-executividade pelos executados, muitas considerações devem ser feitas.

Com efeito, houve a interposição, em momentos distintos, de duas exceções de pré-executividade. A primeira, ao fundamento de que a obrigação objeto da ação executiva seria de pagar e não de entrega de coisa certa, mesmo constando no título executivo que o pagamento seria efetuado em produto “soja” nele especificado. Diante desse detalhe, qual seja, a expressa menção de que o pagamento se daria pela entrega do produto “soja”, impossível ao magistrado constatar, de pronto, se realmente a obrigação referia-se a entrega de coisa certa ou pagamento em dinheiro, tendo sido, em razão disso, indeferida a exceção.

A segunda exceção de pré-executividade escorou-se no argumento de que a obrigação encontrava-se satisfeita, apresentando como prova de tal fato, documentos inábeis a demonstrar o pagamento, dependendo mais uma vez, a questão, de dilação probatória. Tanto é assim, que um desses documentos ocasionou a ação cautelar incidental de exibição de documentos objeto do Recurso de Apelação Cível nº 89149/07 apensado a estes autos, em razão da existência de dúvida sobre a que título o pagamento nele mencionado teria sido efetuado.

As duas exceções de pré-executividade restaram indeferidas pelo juiz de primeiro grau por tratarem, evidentemente, de questões que dependiam de prova, passíveis de análise em Embargos à Execução. Ambas decisões, aliás, impugnadas perante este Tribunal através dos Recursos de Agravo de Instrumento nºs 29668/2005 e 31747/2005.

As decisões recorridas foram confirmadas pelo Tribunal no que tange ao indeferimento das exceções de pré-executividade, em razão da completa inobservância das matérias que esta deve versar, quais sejam, aquelas que possam ser conhecidas de ofício e que não dependam de dilação probatória e contraditório.

Os acórdãos de tais recursos receberam as seguintes ementas:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE JULGADA IMPROCEDENTE – ALEGAÇÃO DE QUE O PROCEDIMENTO ADOTADO PELO EXEQUENTE NÃO É ADEQUADO PARA A ENTREGA DO DIREITO MATERIAL INVOCADO – NÃO PROCEDÊNCIA – ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – NÃO CONFIGURADO – MULTA ANULADA – RECURSO COM PROVIMENTO PARCIAL.

A utilização da Exceção de Pré-Executividade cinge-se àquelas matérias suscetíveis de serem conhecidas de ofício, que não dependem de dilação probatória e contraditório. O procedimento utilizado pelo exeqüente/agravado é idôneo para atingir o direito material por ele perseguido.

Se não restar configurado nos autos ato atentatório à dignidade da justiça, a multa aplicada pelo juízo singular deve ser anulada.” (TJMT. 3ª T. RAI 29668/2005. Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges. Julgado em 23-8-2005) – destaquei

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE JULGADA IMPROCEDENTE – ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO DA DÍVIDA EXECUTADA NÃO CONFIGURADA – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – IMPROCEDÊNCIA – MULTA ANULADA – RECURSO COM PROVIMENTO PARCIAL.

A alegação de pagamento de dívida executada deve vir acompanhada de documentos hábeis que efetivamente comprovem sua quitação, vale dizer, são aqueles que o juiz pode aferir de plano quanto sua veracidade, autenticidade e direta relação com a obrigação tida por inadimplida.

A utilização da Exceção de Pré-Executividade cinge-se àquelas matérias suscetíveis de serem conhecidas de ofício, que não dependem de dilação probatória e contraditório.

Anula-se multa aplicada por ato atentatório à dignidade da justiça, quando não restar comprovado que a parte se opõe maliciosamente à execução com o propósito protelatório.” (TJMT. 3ª T. RAI 31747/2005. Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, julgado em 06-9-2005) – destaquei

Já é entendimento pacífico perante a doutrina que “através da exceção de pré-executividade poderá o executado alegar qualquer matéria de ordem pública, ligada à admissibilidade da execução, e que poderia – em razão desta sua natureza – ser conhecida de ofício pelo juízo da execução”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol II. 8ª ed. p. 440 e 441).

Assim, por duas oportunidades, utilizaram-se os apelantes de expedientes previstos pela legislação processual sim, mas em manifesta inobservância dos requisitos legalmente previstos e em evidente detrimento ao célere andamento processual, infringindo, portanto, o artigo 14 do Código de Processo Civil e sendo, por isso, alcançados pelos artigos 16, 17 e 600 do mesmo codex legal.

Nesse sentido, observam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:


“17. Incidentes manifestamente infundados: agindo o litigante de forma procrastinatória, provocando incidentes destituídos de fundamentação razoável, será considerado de má-fé. O termo ‘incidente’ deve ser entendido em sentido amplo, significando incidente processual (exceção, impugnação do valor da causa etc.), ação incidente (ADI, reconvenção, incidente de falsidade, embargos do devedor, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos de terceiro, denunciação da lide, chamamento ao processo etc.) e interposição de recursos.

(…)

19. O direito de recorrer é constitucionalmente garantido (CF, 5º, LV). No entanto, o abuso desse direito não pode ser tolerado pelo sistema. Esta é a razão pela qual é correta e constitucional a previsão do CPC 17, VII. Entendíamos que a interposição do recurso manifestamente infundado já se encontrava prevista no CPC 17, VI, conforme comentário a esse dispositivo acima. O recurso é manifestamente infundado quando o recorrente tiver a intenção deliberada de retardar o trânsito em julgado da decisão por espírito procrastinatório. É também manifestamente infundado quando destituído de fundamentação razoável ou apresentado sem as imprescindíveis razões do inconformismo. O recurso é, ainda, manifestamente infundado quando interposto sob fundamento contrário a texto expresso de lei ou a princípio sedimentado da doutrina e da jurisprudência.” (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10 ed, 2007. p. 215) – destaquei

A análise da farta documentação existente nos autos trazida, inclusive, pelos próprios apelantes, permite concluir que estes agem como que a “guardar” argumentos para ir, durante o processo, lançando-os nos autos, em momentos inoportunos, prejudicando a entrega jurisdicional.

Observo ainda que os documentos destinados a demonstrar a quitação do débito, apresentados por ocasião da segunda exceção de pré-executividade ajuizada, em 21-6-2005, datam de 07-5-2004, 15-6-2004 e 18-6-2004 (fls. 286/288). No entanto, a primeira exceção de pré-executividade é datada de 20-12-2004.

Ora, se por ocasião da apresentação da primeira exceção de pré-executividade já existiam provas da quitação do débito, por que estas não foram imediatamente apresentadas quando da sua primeira manifestação nos autos?

Portanto, claro se mostra, a meu ver, o abuso do direito de defesa por parte dos executados/apelantes, na medida em que interpuseram repetidamente, medidas processuais destituídas de fundamento com o evidente objetivo de tornar a marcha processual mais morosa, causando manifesto prejuízo à parte adversa que, “de mãos atadas”, não consegue ter adimplido o seu direito constitucional de receber a tutela jurisdicional célere e precisa, conforme preceitua o artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal, segundo o qual:

“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, ao inserir o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Magna Carta, alçou à condição de direito fundamental a razoável duração do processo, bem como os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, seja no âmbito judicial ou administrativo.

Assim, é dever do Judiciário, garantir essa celeridade, essa efetiva prestação da tutela jurídica, e principalmente coibir todo e qualquer ato atentatório ao princípio constitucional da efetividade processual.

E isto é assim porque a morosidade processual além de causar prejuízo à parte individualmente, afronta também o interesse público, vez que, além de manter sobrecarregado o Poder Judiciário, impede a pacificação dos litígios, finalidade máxima da atividade jurídica.

Como muito bem observou o magistrado de primeiro grau às fls. 688 e 689:

“A tão buscada celeridade na outorga da prestação jurisdicional, garantindo a efetividade do provimento jurisdicional reclamado, depende, e muito, da conduta proba a que deve pautar as partes litigantes, as quais não podem criar mecanismos processuais sem qualquer consistência jurídica, tendo como referência as regras mínimas que norteiam o processo civil brasileiro, com o objetivo de retardar e postergar a atuação do poder judicante em sua atividade constitucional que é a de promover a pacificação social através da resolução dos conflitos emergentes, pelo que o poder judiciário não deve se mostrar complacente com tais atitudes, as quais com certeza atribuem ainda para o descrédito do poder, mas sim reprimi-las de acordo com o sistema jurídico em vigor.”

Assim, como muito bem observa o advogado paulista João Batista Chiachio em interessante artigo denominado Assédio Processual, disponível no endereço eletrônico http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=163&rv=direito (visualizado em 13-8-2008):


“Nesse sentido, louvável se mostra a decisão em comento, uma vez que, fulcrada no caráter pedagógico do dever de indenizar, apresenta novo instrumento destinado a propiciar a efetividade e a celeridade do provimento jurisdicional. De certo, a exemplar sanção aplicada in casu desencoraja tanto a própria parte condenada a reiterar sua conduta, como também todo e qualquer outro indivíduo que venha a litigar em âmbito jurisdicional, dado o receio de prejuízo decorrente de eventual sanção que igualmente lhe fosse imputada. Desestimulado o assédio processual, torna-se possível o regular andamento do feito, e a entrega da prestação jurisdicional de forma rápida, guardada a reserva do possível, em face dos já notoriamente conhecidos problemas estruturais do Poder Judiciário brasileiro.”

Ressalto que o fato da pena referente à litigância de má-fé ter sido excluída por este Tribunal, por ocasião do julgamento dos recursos de agravos de instrumento acima mencionados, em nada altera a configuração do assédio processual neste momento. Isto porque naqueles recursos, cada ato foi analisado isoladamente. De fato, ali, o ato atentatório à justiça não se apresentava.

Aqui, contudo, a situação se mostra diferente na medida em que é possível vislumbrar toda a realidade processual que tem ocorrido na ação executiva e nos feitos a ela relacionados. Ou seja, não cada ato de forma isolada, mas sim juntos na formação de toda a relação processual. E apenas essa visão do todo, da repetição de expedientes infundados, é que permite analisar a conduta da parte e o seu intento procrastinatório.

Em brilhante decisão, que se tornou, inclusive, o paradigma sobre o assunto perante a jurisprudência pátria, a Juíza Federal Mylene Pereira Ramos da 63ª Vara do Trabalho da Seção Judiciária de São Paulo, ao julgar o Processo nº 02784200406302004, estabeleceu que:

“Praticou a ré ‘assédio processual’, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação pro uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimento de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.”

Firme nessas razões, é que constato, também aqui, a configuração da prática do assédio processual pelos ora recorrentes, capaz de ocasionar dano moral à parte que se vê tolhida do seu direito fundamental à célere prestação jurisdicional. Todavia, não na prática de todos os atos processuais mencionados pelo autor e acatados pelo magistrado da instância de piso, mas apenas na interposição, indevida e infundada das duas exceções de pré-executividade e seus conseqüentes recursos de agravos de instrumento.

Dessa forma, estando o ato ilícito do assédio processual plenamente configurado na interposição repetida das duas exceções de pré-executividade, entendo que a verba indenizatória fixada a título de danos morais deva ser reduzida sim, mantendo-se, todavia, o caráter educativo e sancionatório da decisão impugnada.

Assim, considero razoável a importância de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), a título de indenização por danos morais advindos do assédio processual.

Note-se que a redução da verba indenizatória não implica sucumbência recíproca, consoante Súmula 326 do STJ.

Com essas considerações, conheço dos recursos e dou-lhes parcial provimento para reduzir a verba fixada a título de indenização por danos morais, para a soma de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Custas e honorários pelos recorrentes.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEXTA do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS (Relator), DES. JURACY PERSIANI (Revisor) e DR. MARCELO SOUZA DE BARROS (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVERAM, EM PARTE, AMBOS OS RECURSOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

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