Exclusividade da Justiça

Arbitragem não tem poder para determinar penhora de bem

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23 de setembro de 2008, 0h00

Não se pode exigir que todas as controvérsias de um contrato de compra e venda sejam resolvidas por meio de arbitragem, ainda que o contrato tenha essa previsão. Mesmo porque, em caso de execução de dívida, o árbitro não tem poder para impor contra o devedor penhora ou restrições ao seu patrimônio. A conclusão é da ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Ela determinou a continuidade da execução judicial apresentada pelo grupo da empresa Itochu Internacional Inc. contra a Corol Cooperativa Agroindustrial. A Itochu comprou por US$ 7,5 milhões da Corol o controle acionário da companhia Eximcoop. No contrato assinado pelas empresas, constava, além da cláusula arbitral, uma de ajuste de preço, conforme a auditoria que seria feita. Os auditores avaliaram em US$ 5,2 milhões a Eximcoop.

Novo contrato foi assinado em que a Corol Cooperativa Agroindustrial assumiu o débito de US$ 2,2 e combinou que pagaria em cinco parcelas iguais e anuais. Nenhum pagamento foi feito, o que levou a credora ao processo de execução.

A cooperativa apresentou exceção de pré-executividade pedindo a suspensão da ação sob o argumento de que já corria um procedimento de arbitragem e, portanto, não caberia um processo judicial. Em primeira e segunda instâncias, o pedido foi rejeitado porque se entendeu que a arbitragem iniciada não discutia o valor questionado. O caso foi parar no STJ.

A ministra Nancy Andrighi, em seu voto, afirmou que o sistema legal brasileiro admite vários tipos de títulos executivos “aptos a iniciar um juízo de execução forçada, de satisfação sem prévia cognição” e remeteu ao artigo 585,II, do Código de Processo Civil, que permite que qualquer documento assinado pelo devedor e por duas testemunhas tenha força executiva.

Em relação à cláusula de arbitragem, a ministra afirmou que algumas questões podem se submeter a esse tipo de análise e outras não. “Ademais, não é razoável exigir que o credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter juízo de certeza sobre uma confissão de dívida que, no seu entender, já consta do título executivo.”

Nancy Andrighi observou que “a efetividade dos direitos, princípio que sustenta o Estado Democrático, exige a simplificação das formas, bastando realmente iniciar a execução forçada”.

Por fim, determinou o pagamento de honorários advocatícios em relação à interposição de exceção de pré-executividade pela Corol Cooperativa Agroindustrial. Segundo ela, são devidos os honorários tanto na procedência quanto na improcedência deste pedido. Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a relatora.

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 944.917 — SP (2007/0093096-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: COROL COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL

ADVOGADO: MARCUS VINÍCIUS BOSSA GRASSANO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ITOCHU INTERNATIONAL INC E OUTROS

ADVOGADOS: DÉBORA RIBEIRO FLEISCHMANN E OUTRO(S) CARLOS FELIPE DE AGUIAR NERY E OUTRO(S)

INTERES.:COOPERATIVA DOS AGRICULTORES DA REGIÃO DE ORLÂNDIA CAROL

ADVOGADO: JOSÉ JORGE MARCUSSI E OUTRO(S)

INTERES.: COOPERMOTA COOPERATIVA DOS CAFEICULTORES DA MEDIA SOROCABANA E OUTROS

ADVOGADO:PIERRE MOREAU E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DE TÍTULO QUE CONTÉM CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE AFASTADA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DEVIDA.

— Deve-se admitir que a cláusula compromissória possa conviver com a natureza executiva do título. Não se exige que todas as controvérsias oriundas de um contrato sejam submetidas à solução arbitral. Ademais, não é razoável exigir que o credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter juízo de certeza sobre uma confissão de dívida que, no seu entender, já consta do título executivo. Além disso, é certo que o árbitro não tem poder coercitivo direto, não podendo impor, contra a vontade do devedor, restrições a seu patrimônio, como a penhora, e nem excussão forçada de seus bens.

São devidos honorários tanto na procedência quanto na improcedência da exceção de pré-executividade, desde que nesta última hipótese tenha se formado contraditório sobre a questão levantada.

Recurso Especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 18 de setembro de 2008 (data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de Recurso Especial interposto por Corol Cooperativa Agroindustrial, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em desfavor de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Ação: Itochu Internacional Inc, Itochu Corporation e Itochu Latin America S.A. ajuizaram execução com base em título extrajudicial em face de Corol Cooperativa Agroindustrial e outros, alegando, em síntese, adquiriram das executadas o controle acionário da companhia Eximcoop S.A. por US$7,5 milhões. O contrato contava com cláusula de ajuste de preço, conforme a auditoria que seria realizada. Com o resultado desta auditoria, encontrou-se o preço final de US$ 5,25 milhões. Por isso, as executadas confessaram-se devedoras de US$ 2,23 milhões, quantia a ser paga em 5 parcelas iguais e anuais. Nenhum pagamento foi feito, o que levou as credoras ao processo de execução.

Exceção de pré-exeutividade: A recorrente sustentou que o contrato celebrado entre as partes continha cláusula compromissória e que as próprias exeqüentes iniciaram procedimento de arbitragem.

Decisão: Indeferiu a exceção de pré-executividade, considerando que a arbitragem iniciada não abrange o valor executado. Não haveria, por outro lado, prejudicialidade a recomendar a suspensão da execução.

Acórdão: O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento, mantendo a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição.

Embargos de declaração: Opostos pela recorrente e rejeitados pelo Tribunal de origem.

Recurso Especial: Sustentou haver violação aos arts. 17, 18, 20, 267, VII e 584, VI, do CPC; bem como art. 22 da Lei 9.307/96. Afirmou haver dissídio pretoriano.

Recurso Extraordinário: Interposto pela recorrente a fls. 858 e ss.

Juízo Prévio de Admissibilidade: Apresentadas contra-razões, o Tribunal de origem negou seguimento ao Recurso Especial e ao Recurso Extraordinário. Dei provimento ao agravo para melhor análise da controvérsia.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia a examinar a (i) exeqüibilidade do contrato que contenha cláusula compromissória; (ii) legalidade da condenação em honorários quando a exceção de pré-executividade é afastada.

I. Aplicação da Súmula 284, STF.

Inicialmente destaque-se que a recorrente, além de mencionar especificamente a violação do art. 22 da Lei 9.307/96, faz alusão genérica à violação da Lei 9.307/96. Ocorre que a jurisprudência vem afirmando que é“inadmissível, em sede de especial, a menção genérica ao inteiro teor da lei, sem a particularização dos dispositivos legais ditos violados” (REsp 569.291/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 20.10.2003). Nesse ponto, o Recurso Especial encontra-se deficientemente fundamentado e sua admissibilidade encontra óbice na Súmula 284, STF.

II. A Cláusula Compromissória e a Execução Judicial.

As partes celebraram inicialmente acordo para aquisição do controle da companhia Eximcoop S.A. O preço inicialmente ajustado era de US$7,5 milhões. Não há controvérsia sobre a existência, neste contrato, de cláusula compromissória, que indica a Câmara de Comércio Brasil-Canadá, em São Paulo, para julgar as reivindicações, controvérsias ou divergências relacionadas ao aludido contrato.

Sabe-se, ademais, que as partes celebraram aditivo a este contrato, por meio do qual repactuaram o preço, que passou a ser de US$5,25 milhões. Deste aditivo teria constado a confissão da dívida, no valor da diferença entre o preço inicial e o preço final. É este aditivo que dá ensejo à execução com base em título extrajudicial.

Ocorre que anteriormente à execução, as recorridas se valeram do juízo arbitral para solucionar controvérsia oriunda desta mesma relação jurídica.

A recorrente apresentou exceção de pré-executividade, sustentando que, à luz dos arts. 267, VII, CPC, e art. 22, Lei 9.307/96, o início de uma arbitragem impede a execução do contrato.

O Tribunal de origem afastou a exceção de pré-executividade, considerando que “o pedido deduzido perante o juízo arbitral não abrange o valor executado que é a diferença entre o preço originário da compra de ações, pelas agravadas, com o preço ulteriormente fixado” (fls. 794).

Com efeito, constata-se na arbitragem que as recorridas, alegando uma suposta quebra das garantias prestadas no contrato (após a aquisição teria sido descoberto passivo trabalhista e fiscal não revelado pelas vendedoras), pretendem forçar a recorrente e demais vendedoras a readquirir as ações, pelo preço final de venda, aproximadamente US$5,25 milhões, ou, em pedido sucessivo, ver-se indenizadas dos prejuízos sofridos (fls. 353/398).

Ainda que assim não fosse, deve-se reconhecer que esta questão, a diferença de objeto entre a execução e a arbitragem, diz respeito a fatos soberanamente decididos pelo Tribunal de origem e que, por força da Súmula 7, STJ, não podem ser revistos nesta esfera.

Por outro lado, deve-se observar que o sistema legal brasileiro revela a peculiaridade de admitir uma vasta gama de títulos executivos aptos a iniciar um juízo de execução forçada, de satisfação sem prévia cognição. Os termos do art. 585, II, CPC, permitem que qualquer “documento assinado pelo devedor e por duas testemunhas” tenha força executiva.

Dessa forma, a inclusão de uma cláusula arbitral em documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas pode suscitar dúvidas sobre a permanência do caráter executivo do título.

A solução não aponta, no entanto, para o caráter mutuamente excludente destes institutos. Ao contrário, deve-se admitir que a cláusula compromissória possa conviver com a natureza executiva do título. Em primeiro lugar porque não se exige que todas as controvérsias oriundas de um contrato sejam submetidas à solução arbitral. O que equivale a admitir que algumas questões se sujeitem à arbitragem e outras não. Ademais, não é razoável exigir que o credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter juízo de certeza sobre uma confissão de dívida que, no seu entender, já consta do título executivo. A efetividade dos direitos, princípio que sustenta o Estado Democrático, exige a simplificação das formas, bastando realmente iniciar a execução forçada.

Além disso, é certo que o árbitro não tem poder coercitivo direto, não podendo impor, contra a vontade do devedor, restrições a seu patrimônio, como a penhora, e nem excussão forçada de seus bens. Essa é a interpretação que se extrai dos arts. 22, §4o, e 31, Lei 9.307/96, bem como do art. 475N, IV, CPC (correspondente ao antigo art. 584, VI, CPC), que exigem procedimento judicial para a execução forçada do direito reconhecido na sentença arbitral e para a efetivação de outras medidas semelhantes. O entendimento da doutrina também caminha nesse sentido. Confira-se:

“A convenção de arbitragem, que impede a tutela jurisdicional cognitiva por via judicial (art. 267, inc. VII …), não é impeditiva da execução forçada, porque os árbitros jamais podem ser investidos do poder de executar; existindo um título executivo extrajudicial, é lícito instaurar o processo executivo perante a Justiça estadual apesar da existência da convenção de arbitragem, porque do contrário a eficácia do título seria reduzida a nada” (Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 83).

“Não há, porém, incongruência alguma entre a existência de um título executivo e a possibilidade de arbitragem, mas a correlação entre os temas deve ser bem compreendida: se houver alguma dúvida sobre o título (ou sobre as obrigações ali consignadas), tal crise de certeza deve ser dirimida pela via arbitral; mas se houver inadimplemento, o credor socorrer-se-á desde logo da via judicial, propondo demanda de execução, sem que haja espaço para a arbitragem” (Carlos Alberto Carmona. Considerações sobre a cláusula compromissória e a cláusula de eleição de foro. In Arbitragem: Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, in memoriam. Coord. Carlos Alberto Carmona, Selma Ferreira Lemes e Pedro Batista Martins. São Paulo: Atlas, 2007, p. 33-46) (No mesmo sentido, vide Letícia Barbosa e Silva Abdalla. Execução de titulo extrajudicial. Existência de Cláusula compromissória. Exceção de pré-executividade. In Revista de Arbitragem e Mediação, n. 15, out-dez, 2007, p. 217-224).

Como se não bastassem tais argumentos, vale mencionar que o art. 267, VII, CPC, não se aplica à hipótese, pois rege a extinção do processo de conhecimento. À execução, como se sabe, aplicam-se as causas de extinção previstas no art. 794, CPC. Nesse sentido, anoto que o acórdão mencionado como paradigma, REsp 712.566/RJ, Terceira Turma, minha lavra, DJ 05.09.2005, não se serve como paradigma, pois também diz respeito à extinção de processo de conhecimento e, como procurei ressaltar, a presente disputa diz respeito à eficácia da cláusula de arbitragem sobre título executivo extrajudicial.

II. Violação aos arts. 17, 18 e 20, CPC.

Ao afastar a exceção de pré-executividade, o juízo em primeiro grau de jurisdição condenou a recorrente na obrigação de pagar honorários advocatícios, fixando-os em R$5.000,00.

Quanto à condenação em honorários por oportunidade do julgamento da exceção de pré-executividade, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça recentemente consolidou seu entendimento no seguinte sentido: (i) “extinguindo-se a execução por iniciativa dos devedores, ainda que em decorrência de exceção de pré-executividade, é devida a verba honorária” (REsp 899.703/MS, Terceira Turma, Rel. Min. Gomes de Barros, DJ 15.10.2007; no mesmo sentido, REsp 373.835/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 08.10.2007); (ii) “presente a improcedência da exceção de pré-executividade após a devida impugnação, configura-se a sucumbência sendo, portanto, cabível a condenação em honorários” (EREsp 756.001/RJ, Segunda Seção, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 11.10.2007).

Em síntese, são devidos honorários tanto na procedência quanto na improcedência da exceção de pré-executividade, desde que nesta última hipótese tenha se formado contraditório sobre a questão levantada, tal como ocorreu nestes dos autos.

Assim, mesmo que afastado o argumento da má-fé, trazido aos autos pelo Tribunal da origem, é certo que haveria motivos suficientes para manter a condenação em honorários, na linha da interpretação que a jurisprudência desta Corte dá ao art. 20, CPC, sobretudo porque feita em patamar razoável, sem exageros.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do Recurso Especial.

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