Economia e corrupção

Poderes têm enorme passivo a resgatar com sociedade brasileira

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22 de setembro de 2008, 18h43

Já tivemos ocasião de refletir sobre os reflexos do pensamento neoliberal no Direito Contemporâneo (GARCIA DE LIMA, Neoliberalismo, Justiça e Governabilidade, Revista de Direito Social, 16/9-17).

O chamado Estado Liberal, paradigma constitucional surgido no século XVIII, teve como pedra angular o princípio da legalidade (SARAIVA, 1983: 8-11). Era calcado na teoria dos três poderes de Montesquieu. Intentava coibir o arbítrio dos governantes e oferecer segurança jurídica aos governados. O Estado legalmente contido é denominado Estado de Direito.

Consolidada a Revolução Industrial, emergiram necessidades sociais expostas pelos sucessivos movimentos socialistas. Demonstravam não bastar ao ser humano o atributo da liberdade. É preciso conferir a ele condições sócio-econômicas dignificantes da pessoa humana.

Diante da crise econômica do primeiro pós-guerra, o Estado teve de assumir papel ativo. Premido pela sociedade, tornou-se agente econômico, instalou indústrias, ampliou serviços, gerou empregos e financiou diversas atividades. Intermediou a porfia entre poder econômico e miséria, assumindo a defesa dos trabalhadores, em face dos patrões, e dos consumidores, em face de empresários.

Desde as Constituições Mexicana, de 1917, e de Weimar, de 1919, os textos constitucionais incorporaram compromissos de desenvolvimento da sociedade e valorização dos indivíduos socialmente inferiorizados. O Estado abandonou o papel não intervencionista e assumiu postura de agente do desenvolvimento e da justiça social (SUNDFELD, 1997: 50-54). É o denominado Estado Social.

Prosseguiu a evolução dos paradigmas até culminar no Estado Democrático de Direito. Superada a fase inicial, paulatinamente o Estado de Direito incorporou instrumentos democráticos e permitiu a participação do povo no exercício do poder. Manteve o projeto inicial de controlar o Estado. Dessarte, o Estado Democrático de Direito é aquele: a) criado e regulado por uma Constituição; b) onde os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento de seus deveres; c) onde o poder político é repartido entre o povo e órgãos estatais independentes e harmônicos, que se controlam uns aos outros; d) onde a lei, produzida pelo Legislativo, é necessariamente observada pelos demais Poderes; e) onde os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos, podem opô-los ao próprio Estado.

Paralelamente a esses paradigmas de organização política do Estado, fala-se também nos direitos de primeira geração (individuais), direitos de segunda geração (coletivos e sociais) e direitos de terceira geração (difusos, compreendendo os direitos ambientais, do consumidor e congêneres).

O historiador britânico Eric Hobsbawm (1995) considerou breve o século XX. Começou somente em 1914, até quando foram mantidas as mesmas características históricas-políticas dominantes no século XIX. Terminou em 1989, com a queda do Muro de Berlim. A partir de então, aceleraram-se mudanças radicais e se constituiu novo estágio na História Contemporânea.

Fala-se em crise da pós-modernidade (MARQUES, 1999: 91). Operam-se mudanças legislativas, políticas e sociais. Os europeus denominam esse momento de “queda, rompimento ou ruptura”. É o fim de uma era e o início de algo novo, ainda não identificado: pós-modernidade. Entraram em crise os ideais da Era Moderna, concretizados na Revolução Francesa. Liberdade, igualdade e fraternidade não se realizaram para todos e nem são hoje considerados realmente realizáveis. Desconfia-se da força e suficiência do Direito para servir de paradigma à organização das sociedades democráticas. Viceja o capitalismo neoliberal, bastante agressivo e com perversos efeitos de exclusão social.

Nos anos 1980, o chamado Welfare State, que combinava democracia liberal na política com dirigismo econômico estatal, cedeu espaço ao novo liberalismo. Foram questionadas as políticas de benefício social até então praticadas. Estados Unidos e Inglaterra, sob os governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, respectivamente, lideraram a implantação de uma nova política econômica. Assentava-se precipuamente nos conceitos liberais: Estado “mínimo”, desregulamentação do trabalho, privatizações, funcionamento do mercado, sem interferência estatal, e cortes nos benefícios sociais.

Norberto Bobbio, grande pensador contemporâneo, sintetizou (1995: 87-89): “por neoliberalismo se entende hoje, principalmente, uma doutrina econômica conseqüente, da qual o liberalismo político é apenas um modo de realização, nem sempre necessário; ou, em outros termos, uma defesa intransigente da liberdade econômica, da qual a liberdade política é apenas um corolário.(…) Na formulação hoje mais corrente, o liberalismo é a doutrina do ‘Estado mínimo’ (o minimal state dos anglo-saxões)”.


No Brasil, Roberto Campos (A Reinvenção do Estado, 1996) foi arauto do resgate do ideário liberal: “a esperança que nos resta é um choque de liberalismo, através de desregulamentação e de privatização. Governo pequeno, impostos baixos, liberdade empresarial, respeito aos direitos de propriedade, fidelidade aos contratos, abertura a capitais estrangeiros, prioridade para a educação básica — eis as características do Estado desejável: o Estado jardineiro”.

Mudando a ideologia dominante, muda a forma de se conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de serviços, mas, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1997: 11-12): “quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre público e privado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, hierarquizada”.

Nos Estados Unidos, a nova ideologia consolidou-se. Curiosamente, na pátria do New Deal, conjunto de reformas econômicas e sociais implantadas pelo presidente Franklin Delano Roosevelt, após a crise de 1929, abrangendo a intervenção do Estado na economia e várias medidas de cunho social, inclusive para a contenção do desemprego.

Em agosto de 1996, o presidente norte-americano Bill Clinton anunciou a reforma da assistência oficial aos pobres, pondo termo à política social implantada com o New Deal. Proclamou o fim do Welfare State, considerando-o “falido”.

Ao lado do triunfo neoliberal, propaga-se a globalização, consistente na “mundialização da economia, mediante a internacionalização dos mercados de insumo, consumo e financeiro, rompendo com as fronteiras geográficas clássicas e limitando crescentemente a execução das políticas cambial, monetária e tributária dos Estados nacionais” (José Eduardo Faria, 1996: 10).

Com invulgar franqueza, John Kenneth Galbraith salientou não ser a globalização um conceito sério. Inventado pelos americanos, dissimula a sua política de entrada econômica nos outros países.

Essa “nova ordem internacional”, uma ordem, sobretudo econômica, mas também política, despreza os valores sociais e humanitários. Significa economia globalizada e desemprego incessantemente gerado (CASTRO, 1996: 134). É “um desígnio de perpetuidade do statu quo de dominação, como parte da estratégia mesma de formulação do futuro em proveito das hegemonias supranacionais já esboçadas no presente” (BONAVIDES, A Globalização Que Interessa, 1996).

A Constituição de 1988, saudada por Ulysses Guimarães como “cidadã”, foi impiedosamente retalhada para assegurar uma controvertida “governabilidade”. Celso Antônio Bandeira de Mello condenou acerbamente o desmantelamento das instituições políticas estabelecidas juridicamente. Processa-se mediante o desfazimento da Constituição da República, democraticamente promulgada, o aniquilamento dos direitos fundamentais, conquistados ao longo mediante embates históricos, e o comprometimento da própria dignidade humana (Jornal do Advogado, OAB-MG, janeiro de 1998): “Imperialismo, hoje, chama-se globalização, queda de fronteiras, destruição da economia nacional, cujo resultado é o agravamento da miséria, em função do bem-estar de um grupo. Não se pode aceitar isso com submissão”.

Alain Touraine proclama já ser hora de eleger como prioridade sair do liberalismo e não entrar nele. Parece não haver mais sistema político capaz de administrar os problemas sociais. De um lado, o Estado se submete aos ditames da economia internacional; de outro, crescem os protestos por alteração de rumos. Amplia-se o vazio, preenchido pelo caos e pela violência. A prioridade é reconstruir o sistema político e abandonar a perigosa idéia de que os mercados podem regular a si mesmos. Essa idéia, do ponto de vista político, é gravemente insatisfatória. O desemprego em massa, a queda do nível de vida, para muitos, e o aumento das desigualdades, não são apenas variáveis econômicas. São, sobretudo, vidas e sofrimentos (Um Equilíbrio Precário, 1998).

O Brasil é um país com notória desigualdade social. Não obstante, no limiar da década 1990, o então presidente Fernando Collor de Melo aderiu incondicionalmente ao modelo neoliberal. Fernando Henrique Cardoso, seu sucessor, consolidou-o em seus dois mandatos. Conseqüentemente, o país teve uma “década perdida”, com estagnação econômica, desemprego e endividamento externo e interno. Estropiado, chegou ao século XXI.


De modo surpreendente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a despeito do discurso vigorosamente contrário do combativo PT, manteve a política econômica calcada na busca do superávit primário. Não obstante o bem sucedido programa social Bolsa Família, permanecem intocados os altos índices de analfabetismo, desemprego e problemas sanitários. Só para exemplificar.

Nessa quadra de insucessos, verificamos que passou a ser cobrado também do Poder Judiciário o compromisso com a dita “governabilidade” do país. É conceito fluido, porque deriva das concepções subjetivas dos governantes de momento.

Contudo, a princípio o juiz deve estar subordinado aos princípios democráticos (AGUIAR JÚNIOR, 1998). Responde, perante a sociedade, pelo exercício da sua função. Esta, como as demais funções do Estado, é meio de realização dos valores fundamentais socialmente consagrados. No Estado democrático, o juiz assume o compromisso de exercer o poder estatal de acordo com os princípios orientadores do ordenamento jurídico, do qual derivou sua investidura no cargo e de onde lhe advém a força da decisão.

O notável Georges Ripert já assinalava haver a regra moral impregnado o mundo jurídico (2002: 24): “É preciso inquietarmo-nos com os sentimentos que fazem agir os assuntos de direito, proteger os que estão de boa-fé, castigar os que agem por malícia, má-fé, perseguir a fraude e mesmo o pensamento fraudulento (…) O dever de não fazer mal injustamente aos outros é o fundamento do princípio da responsabilidade civil; o dever de se não enriquecer à custa dos outros, a fonte da ação do enriquecimento sem causa”.

Estaremos retornando ao gélido dogma pacta sunt servanda? Cláusulas contratuais devem ser cumpridas, mesmo quando propiciem enriquecimento injusto a uma das partes?

Consoante Carlos Alberto Bittar (1991: 25-26), a Constituição de 1988 acompanhou a evolução processada no Direito Privado, tanto ao nível doutrinário, quanto jurisprudencial. Agasalhou soluções adotadas nacional e internacionalmente, inclusive pelos países mais desenvolvidos:

“Na tônica da prevalência dos valores morais, institutos próprios clássicos, doutrinários, ou jurisprudenciais, comandarão a resposta do ordenamento jurídico a lesões havidas nas relações privadas. Figuras como a revisão judicial dos contratos, o desfazimento de contratos face à lesão, o controle administrativo de atividades, serão utilizadas com freqüência, e conceitos como o abuso de direito, a citada lesão e o enriquecimento ilícito ganharão explicitação no novo Código, em defesa de pessoas, de categorias, de consumidores, individual ou coletivamente considerados, dentre inúmeras outras aplicações possíveis. (…)

“O destaque dos elementos sociais impregnará o Direito Privado de conotações próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada em valores reais e atuais, em que a justiça social é o fim último da norma, equilibrando-se mais os diferentes interesses por elas regidos, à luz de uma ação estatal efetiva, inclusive com a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados”.

Miguel Reale, um dos responsáveis pela elaboração do novo Código Civil, sublinhava a diferença entre o Código de 1916, elaborado para um país predominantemente rural, e o Código de 2002, projetado para uma sociedade na qual prevalece o sentido da vida urbana. Passamos do individualismo e do formalismo do primeiro, para o sentido socializante do segundo. Ficamos mais atento às mutações sociais, numa composição eqüitativa de liberdade e igualdade. Além disso, é superado o apego a soluções estritamente jurídicas, reconhecendo-se o papel que na sociedade contemporânea voltam a desempenhar os valores éticos, a fim de que possa haver real concreção jurídica. Socialidade e eticidade condicionam os preceitos do novo Código Civil, atendendo-se às exigências de boa-fé e probidade, em um ordenamento constituído por normas abertas, suscetíveis de permanente atualização. Reale perorou (Sentido do Novo Código Civil, 2002):

“O que importa é verificar que o novo Código Civil vem atender à sociedade brasileira, no tocante às suas aspirações e necessidades essenciais. (…) É indispensável, porém, ajustar os processos hermenêuticos aos parâmetros da nova codificação. (…)Nada seria mais prejudicial do que interpretar o novo Código Civil com a mentalidade formalista e abstrata que predominou na compreensão da codificação por ele substituída”.

Evocamos célebres decisões do Superior Tribunal de Justiça:

“O Código de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas relações jurídicas. Nenhuma decisão judicial pode amparar o enriquecimento sem justa causa. Toda decisão há que ser justa” (Recurso Especial 90.366-MG, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, publicação da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Diário do Judiciário — MG, 13.06.1997).

“Civil. Locação. Aluguel. Revisão. A cláusula ‘pacta sunt servanda’ não é absoluta. Cumpre considerar também a cláusula ‘rebus sic stantibus’. Significativa modificação fática das condições da época do contrato autoriza rever as cláusulas. Busca-se, assim, evitar o seu enriquecimento sem causa” (Recurso Especial 35.506-0-RS, Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 28.03.1994).

“A antiga parêmia – o contrato faz lei entre as partes – hoje, devido ao sentido social da norma jurídica, precisa ser analisada ‘cum granis salis’. O aresto afrontado foi sensível a esse aspecto. Tanto assim, fundamenta: ‘a previsão contratual não tem assim valor absoluto e nem poderes de superar o justo’. ‘Os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade das convenções sofrem limitações impostas pela idéia de ordem pública’. (…) Ou, em outras palavras, dentro da moderna tendência social do direito, aquele que se mostra fraco, ainda que por culpa própria, tem direito de ser protegido (Washington de Barros Monteiro, ‘Curso de Direito Civil’, 4º vol., 16ª ed., págs. 204/205)” (Recurso Especial 35.506-0-RS, Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 28.03.1994).


A atividade do juiz não pode ser discricionária e nem neutra (AGUIAR JÚNIOR, 1998). Deve ser exercida em consideração a regras e princípios, implícitos e explícitos, adotados pelo sistema. A decisão, ainda que inovadora, deve manter coerência com o ordenamento jurídico vigente, para que este não perca sua identidade. O sistema jurídico de um Estado democrático permite liberdade decisória, nas condições acima referidas. Espera do juiz, a quem garante independência institucional e funcional, a utilização dessa liberdade para a realização dos seus valores. Por isso, o magistrado tem responsabilidade social.

Em voto lapidar, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira sublinhou:

“O jurista, salientava Pontes de Miranda em escólio ao Código de 1939 XII/23, ‘há de interpretar as leis com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro’. ‘Para cada causa nova o juiz deve aplicar a lei, ensina Ripert (Les Forces Créatives du Droit, p. 392), considerando que ela é uma norma atual, muito embora saiba que ela muita vez tem longo passado’; ‘deve levar em conta o estado de coisas existentes no momento em que ela deve ser aplicada’, pois somente assim assegura o progresso do Direito, um progresso razoável para uma evolução lenta” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 196-RS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in Revista dos Tribunais, vol. 651, janeiro de 1990, p. 170-173).

De outro ângulo, no mundo contemporâneo – inclusive em nosso país – surgem cada vez maiores tensões entre o Direito e a Economia. Segundo Giorgio Del Vecchio, as considerações meramente econômicas representam apenas um dos aspectos da realidade, a qual, em concreto, é sempre mais alguma coisa do que econômica (1952: 229 e 258): “O direito, como princípio universal de operar, domina, com a moral, todas as ações humanas e, portanto, também as que tendem à satisfação das necessidades e à aquisição dos bens materiais. Domina todos os motivos humanos e, portanto, também os de natureza egoística e utilitária. Numa palavra, o direito domina a Economia”.

O renomado constitucionalista alemão Peter Häberle também é crítico da subordinação do Direito ao mercado (Novos Horizontes e Novos Desafios do Constitucionalismo, revista Direito Público, 13, pp. 113-114):

“A ‘economização de quase todos os domínios da vida, propagando-se largamente, (‘mercado mundial’) é igualmente um desafio. Há de servir de ajuda, aqui, a noção de que os mercados têm um significado apenas instrumental. O homem é a medida de todas as coisas, não o mercado, que não possui um fim em si próprio; o capitalismo tem de ser ‘domado’ (Gräfin Dönhoff), por muito criativo que possa ser o mercado, como ‘procedimento de descoberta’ (F. A. von Hayek).

“A prevenção dos riscos conduz ao perigo de uma teoria da insuficiência do sistema, leva ao renascimento de um pensamento radicado na idéia do estado de exceção, como foi típico e fatídico no período final de Weimar.

“A conservação do ‘Estado Social’, positivado em tantas constituições mais recentes, num tempo economicamente difícil, é mais um desafio, que está para ficar (limites da privatização?)”.

Entretanto, o fenômeno da globalização econômica faz com que os mercados globalizados obstem a capacidade dos governos nacionais de condicionar politicamente o ciclo econômico. É crescente a integração dos sistemas financeiros e econômicos, em escala global. Aumenta a capacidade dos movimentos mundiais de capital de condicionar as posturas internas. Não são apenas as economias nacionais que se inserem nas fronteiras dos estados, pois os estados também estão inseridos nos mercados. O peso determinante dos processos econômicos – em particular os financeiros – transformou os atores econômicos transnacionais em poderosos competidores dos estados nacionais. São transpostas barreiras comerciais e abertos novos mercados. Aos atores políticos reserva-se somente a “tarefa de recriar, em nível global, as tradicionais garantias de segurança jurídica própria do direito privado nacional” (GREBLO, 2005: 30-32).

Nesse contexto, cabe aos magistrados analisar cada caso em suas circunstâncias peculiares. Não podem desprezar o impacto macroeconômico das suas decisões. O economista Armando Castelar, do IPEA, sustentou que abalam o mercado de crédito a ineficiência do Poder Judiciário e as decisões judiciais causadoras de insegurança jurídica (Folha de S.Paulo, 19.02.2003). Igualmente, argumenta Fábio Ulhoa Coelho (Revista da Escola Nacional da Magistratura, 2/ 86):

“A instabilidade do marco institucional manifesta-se por vários modos. Um deles é a jurisprudência desconforme ao texto legal. Se a lei diz ‘x’, mas sua aplicação pelo Judiciário implica ‘não-x’, os investimentos se retraem. O investidor busca outros lugares para empregar seu dinheiro; lugares em que ele tem certeza das regras do jogo e pode calcular o tamanho do risco (que sempre existe em qualquer empreitada econômica). Numa economia globalizada, ele os encontra com facilidade. Tanto o investidor estrangeiro começa a evitar o país com marco institucional instável, como o nacional passa a considerar outros países como alternativa melhor para seus investimentos”.

A magistratura brasileira tem se confrontado com a tensão entre a justiça e a segurança jurídica ou a estabilidade econômica. O ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, refletiu (Impacto das Decisões Judiciais na Concessão de Transportes, Revista ENM, 5, p. 12): “Se nós oferecemos uma justiça caridosa, se nós oferecemos uma justiça paternalista, se nós oferecemos uma justiça surpreendente que se contrapõe à segurança jurídica prometida pela Constituição Federal, evidentemente que isso afasta o capital estrangeiro, como afasta o capital das grandes corporações. É o que sucede com o não-cumprimento de tratados, o não-cumprimento de laudos arbitrais convencionados previamente… Isso, segundo a Corte Especial, aumenta o que se denomina ‘Risco Brasil’”.

Para ilustrar, a tormentosa questão das tarifas de serviços de telefonia tem despertado a atenção dos juristas. Em se tratando de contrato administrativo de concessão, aplica-se a regra da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro:

“O equilíbrio econômico-financeiro ou equação econômico-financeira é a relação que se estabelece, no momento da celebração do contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a contraprestação assegurada pela Administração. Preferimos falar em contraprestação assegurada e não devida pela Administração, porque nem sempre é ela que paga; em determinados contratos, é o usuário do serviço público que paga a prestação por meio de tarifa; é o que ocorre nos contratos de concessão de serviço público” (apud Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, Atlas, 15ª ed., 2003, p. 263, grifos em negrito no original).

O Superior Tribunal de Justiça assentou:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE TELEFONIA. DISCRIMINAÇÃO DE PULSOS EXCEDENTES. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. COBRANÇA DE ‘ASSINATURA BÁSICA MENSAL’. NATUREZA JURÍDICA: TARIFA. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO. EDITAL DE DESESTATIZAÇÃO DAS EMPRESAS FEDERAIS DE TELECOMUNICAÇÕES MC/BNDES N. 01/98 CONTEMPLANDO A PERMISSÃO DA COBRANÇA DA TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA. CONTRATO DE CONCESSÃO QUE AUTORIZA A MESMA EXIGÊNCIA. RESOLUÇÕES N. 42/04 E 85/98, DA ANATEL, ADMITINDO A COBRANÇA. DISPOSIÇÃO NA LEI N. 8.987/95. POLÍTICA TARIFÁRIA. LEI 9.472/97. AUSÊNCIA DE OFENSA A NORMAS E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DA CORTE ADMITINDO O PAGAMENTO DE TARIFA MÍNIMA EM CASOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. LEGALIDADE DA COBRANÇA DE ASSINATURA BÁSICA DE TELEFONIA.

“1. A Corte Especial, na questão de ordem no Ag 845.784/DF, entre partes Brasil Telecom S/A (agravante) e Zenon Luiz Ribeiro (agravado), resolveu, em 18.04.2007, que, em se tratando de ações envolvendo questionamentos sobre a cobrança mensal de ‘assinatura básica residencial’ e de ‘pulsos excedentes’, em serviços de telefonia, por serem preços públicos, a competência para processar e julgar os feitos é da Primeira Seção, independentemente de a Anatel participar ou não da lide.

“2. A Primeira Turma, apreciando a matéria ‘discriminação de pulsos excedentes e ligações de telefone fixo para celular’ no REsp 925.523/MG, em sessão realizada em data de 07/08/2007, à unanimidade, exarou o entendimento de que ‘as empresas que exploram os serviços concedidos de telecomunicações não estavam obrigadas a discriminar todos os pulsos nas contas telefônicas, especialmente os além da franquia, bem como as ligações de telefone fixo para celular, até o dia 01 de janeiro de 2006, quando entrou em vigor o Decreto n. 4.733/2003, art. 7º. A partir dessa data, o detalhamento só se tornou obrigatório quando houvesse pedido do consumidor com custo sob sua responsabilidade’.

“3. A tarifa, valor pago pelo consumidor por serviço público voluntário que lhe é prestado, deve ser fixada por autorização legal.

“4. A prestação de serviço público não-obrigatório por empresa concessionária é remunerada por tarifa.

“5. A remuneração tarifária tem seu fundamento jurídico no art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal, pelo que a política adotada para a sua cobrança depende de lei.

“6. O art. 2º, II, da Lei n. 8.987/95, que regulamenta o art. 175 da CF, ao disciplinar o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, exige que o negócio jurídico bilateral (contrato) a ser firmado entre o poder concedente e a pessoa jurídica concessionária seja, obrigatoriamente, precedido de licitação, na modalidade de concorrência.

“7. Os participantes do procedimento licitatório, por ocasião da apresentação de suas propostas, devem indicar o valor e os tipos das tarifas que irão cobrar dos usuários pelos serviços prestados.

“8. As tarifas fixadas pelos proponentes servem como um dos critérios para a escolha da empresa vencedora do certame, sendo elemento contributivo para se determinar a viabilidade da concessão e estabelecer o que é necessário ao equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento.

“9. O artigo 9º da Lei n. 8.987, de 1995, determina que ‘a tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação …’.

“10. No contrato de concessão firmado entre a concessionária e o poder concedente, há cláusula expressa refletindo o constante no Edital de Licitação, contemplando o direito de a concessionária exigir do usuário o pagamento mensal da tarifa de assinatura básica.

“11. A permissão da cobrança da tarifa mencionada constou nas condições expressas no Edital de Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações (Edital MC/BNDES n. 01/98) para que as empresas interessadas, com base nessa autorização, efetuassem as suas propostas.

“12. As disposições do Edital de Licitação foram, portanto, necessariamente consideradas pelas empresas licitantes na elaboração de suas propostas.

“13. No contrato de concessão firmado entre a concessionária e o poder concedente, há cláusula expressa afirmando que, ‘para manutenção do direito de uso, as prestadoras estão autorizadas a cobrar tarifa de assinatura”, segundo tabela fixada pelo órgão competente. Estabelece, ainda, que a tarifa de assinatura inclui uma franquia de 90 pulsos.

“14. Em face do panorama supra descrito, a cobrança da tarifa de assinatura mensal é legal e contratualmente prevista.

“15. A tarifa mensal de assinatura básica, incluindo o direito do consumidor a uma franquia de 90 pulsos, além de ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade da concessionária manter disponibilizado o serviço de telefonia ao assinante, de modo contínuo e ininterrupto, o que lhe exige dispêndios financeiros para garantir a sua eficiência.

“16. Não há ilegalidade na Resolução n. 85, de 30.12.1998, da Anatel, ao definir: ‘XXI – Tarifa ou Preço de Assinatura – valor de trato sucessivo pago pelo assinante à prestadora, durante toda a prestação do serviço, nos termos do contrato de prestação de serviço, dando-lhe direito à fruição contínua do serviço’.

“17. A Resolução n. 42/05 da Anatel estabelece, ainda, que ‘para manutenção do direito de uso, caso aplicável, as Concessionárias estão autorizadas a cobrar tarifa de assinatura mensal’, segundo tabela fixada.

“18. A cobrança mensal de assinatura básica está amparada pelo art. 93, VII, da Lei nº 9.472, de 16.07.1997, que a autoriza desde que prevista no Edital e no contrato de concessão, como é o caso dos autos.

“19. A obrigação do usuário pagar tarifa mensal pela assinatura do serviço decorre da política tarifária instituída por lei, sendo que a Anatel pode fixá-la, por ser a reguladora do setor, tudo amparado no que consta expressamente no contrato de concessão, com respaldo no art. 103, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.472, de 16.07.1997.

“20. O fato de existir cobrança mensal de assinatura, no serviço de telefonia, sem que chamadas sejam feitas, não constitui abuso proibido pelo Código de Defesa do Consumidor, por, primeiramente, haver amparo legal e, em segundo lugar, tratar-se de serviço que, necessariamente, é disponibilizado, de modo contínuo e ininterrupto, aos usuários.

“21. O conceito de abusividade no Código de Defesa do Consumidor envolve cobrança ilícita, excessiva, possibilitadora de vantagem desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da eqüidade, valores negativos não presentes na situação em exame.

“22. O STJ tem permitido, com relação ao serviço de consumo de água, a cobrança mensal de tarifa mínima, cuja natureza jurídica é a mesma da ora discutida, a qual garante ao assinante o uso de, no máximo, 90 pulsos, sem nenhum acréscimo ao valor mensal. O consumidor só pagará pelos serviços utilizados que ultrapassarem essa quantificação.

“23. Precedentes do STJ garantindo o pagamento de tarifa mínima: Resp 759.362/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 29/06/2006; Resp 416.383/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 23/09/2002; Resp 209.067/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 08/05/2000; Resp 214.758/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 02/05/2000; Resp 150.137/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 27/04/1998, entre outros. Idem do STF: RE 207.609/DF, decisão da relatoria do Ministro Néri da Silveira, DJ 19/05/1999.

“24. Precedentes do STJ sobre tarifa de assinatura básica em serviço de telefonia: MC 10235/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, DJ 01.08.2005; REsp 911.802/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção.

“25. Artigos do Código de Defesa do Consumidor que não são violados com a cobrança mensal da tarifa de assinatura básica nos serviços de telefonia e ao negar pedido do consumidor para a concessionária discriminar as ligações locais.

“26. Recurso especial não-provido por ser legítima e legal a cobrança mensal da tarifa acima identificada e pela impossibilidade da empresa de telefonia, às suas expensas, proceder ao detalhamento das ligações efetuadas” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 979.220-RS, min. José Delgado, DJU 26.11.2007).

Posteriormente, a mais alta Corte infraconstitucional brasileira editou duas súmulas sobre o tema versado:

“É legítima a cobrança de tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa” (enunciado da Súmula 356 do STJ).

“A pedido do assinante, que responderá pelos custos, é obrigatória, a partir de 1º de janeiro de 2006, a discriminação de pulsos excedentes e ligações de telefonia fixa para celular” (enunciado da Súmula 357 do STJ).

Ainda como exemplo, a jurisprudência dos Tribunais superiores pátrios sedimentou a tormentosa matéria dos contratos bancários:

“A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar” (enunciado da Súmula Vinculante 7 do Supremo Tribunal Federal).

“As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional” (enunciado da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal).

“As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura” (enunciado da súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça).

“A limitação dos juros à taxa de 12% ao ano, estabelecida pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), não se aplica às operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, salvo exceções legais” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 164.890-RS, min. César Asfor Rocha, DJU 28.09.1998).

“Direito bancário. Agravo no recurso especial. Contrato de abertura de crédito. Juros remuneratórios. Comissão de permanência. Capitalização dos juros. Descaracterização da mora.

“Não se aplica o limite da taxa de juros remuneratórios aos contratos celebrados com as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, salvo nas hipóteses excepcionadas pela legislação específica e pela jurisprudência. Precedentes.

“Por força do art. 5.º da MP 2.170-36, é possível a capitalização mensal dos juros nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que pactuada nos contratos bancários celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da primeira medida provisória com previsão dessa cláusula (art. 5.º da MP 1.963/2000). Precedentes. ‘Esta Corte já pacificou o entendimento no sentido da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo (Súmula 297/STJ). Precedentes’ (AgRg REsp 630.957/RS e Resp 505.152/RS).

“Igualmente consolidado que, nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, anteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001), ainda que expressamente pactuada, é vedada a capitalização dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei, quais sejam, nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial, inocorrentes, na presente hipótese (art. 4º do Decreto n. 22.626/33 e Súmula nº 121-STF). ‘In casu’, conforme asseverado na contestação, o contrato de abertura de crédito foi firmado em 09 de maio de 1996, o que impossibilita a aplicabilidade do disposto na citada medida provisória. Precedentes (AgRg REsp 702.524/RS e 523.007/RS)” (Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Agravo 511.316-CE, min. Jorge Scartezzini, DJU 21.11.2005).

“A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis” (enunciado da Súmula 30 do Superior Tribunal de Justiça).

“Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato” (enunciado da Súmula 294 do Superior Tribunal de Justiça).

“Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média do mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado” (enunciado da Súmula 296 do Superior Tribunal de Justiça).

“Direito processual civil. Agravo no recurso especial. Ação revisional. Comissão de permanência.Compensação/repetição de indébito. É admitida a incidência da comissão de permanência, após o vencimento do débito, desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, correção monetária, juros moratórios, e/ou multa contratual. Precedentes” (Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial 990.053-RS, minª Nancy Andrighi, DJU 25.02.2008).

Não se perca de vista que a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45/2006) estabeleceu o efeito vinculante das súmulas de decisões do Supremo Tribunal Federal, ao acrescentar o artigo 103-A e parágrafos ao texto da Carta de 1988. Posteriormente, o Congresso Nacional editou a Lei Federal 11.417, de 19 de dezembro de 2006, a qual regulamentou o novo dispositivo constitucional e disciplinou a edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

O culto desembargador paulista José Renato Nalini vislumbra a adoção do instituto como expressa reação do constituinte derivado à aparente insolubilidade do problema das lides repetidas, as quais tomam ao juiz brasileiro tempo precioso, por ele subtraído ao conhecimento de questões novas. Um trabalho repetitivo, artesanal, hoje de cópia digitalizada e contida nos acervos eletrônicos, sem nenhuma criatividade (Súmula Vinculante: Por Que Não?, 2004):

“A rigor, a utilização da súmula liberaria a comunidade jurídica do enfrentamento de questões idênticas e já decididas. A súmula não é ferramenta de libertação do juiz. É tentativa de obviar a necessidade de repetição de processos idênticos e que já mereceram apreciação do Judiciário. Parece contra-senso reiterar pedido já formulado, percorrer todas as instâncias e suas vicissitudes, com a exata pré-ciência de qual será o resultado final.

“As teses sumuladas serão apenas aquelas emblemáticas, originadas de questões quais as tributárias, fiscais ou previdenciárias e de potencialidade multiplicadora de lides. Questões insuscetíveis de interpretação objetiva e próxima ao consenso, quais as criminais e de família, nunca serão objeto de súmula. Há de confiar no discernimento da Suprema Corte, que se utilizará com parcimônia da atribuição sumular.

“Não é todo e qualquer tema que merecerá sumulação. Antes disso, muitos juízes e tribunais já terão se debruçado e se manifestado sobre a questão posta em juízo” (grifei).

Miguel Reale (1980: 141-142) distinguiu os ordenamentos jurídicos de tradição romanística (nações latinas e germânicas) e de tradição anglo-americana (common Law). Os primeiros se caracterizam pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (civil Law) acentuou-se especialmente após a Revolução Francesa, quando a lei passou a ser considerada a única expressão autêntica da Nação, da vontade geral, tal como verificamos na obra de Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social. Ao lado dessa tradição, que exagera e exacerba o elemento legislativo, temos a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos.

Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial. Se, na Inglaterra, há necessidade de saber-se o que é lícito em matéria civil ou comercial, não há um Código de Comércio ou Civil que o diga, através de um ato de manifestação legislativa. O Direito é, ao contrário, coordenado e consolidado em precedentes judiciais, isto é, segundo uma série de decisões baseadas em usos e costumes prévios. Já o Direito em vigor nas Nações latinas e latino-americanas, assim como também na restante Europa continental, funda-se, primordialmente, em enunciados normativos elaborados através de órgãos legislativos próprios. Concluía Reale:

“Seria absurdo pretender saber qual dos dois sistemas é o mais perfeito, visto como não há Direito ideal senão em função da índole e da experiência histórica de cada povo. Se alardearmos as vantagens da certeza legal, podem os adeptos do ‘common law’ invocar a maior fidelidade dos usos e costumes às aspirações imediatas do povo. Na realidade, são expressões culturais diversas que, nos últimos anos, têm sido objeto de influências recíprocas, pois enquanto as normas legais ganham cada vez mais importância no regime do ‘common law’, por sua vez, os precedentes judiciais desempenham papel sempre mais relevante no Direito de tradição romanística” (grifei).

Igualmente, o processualista José Carlos Barbosa Moreira (Revista Forense, 370/53-63) salienta que as diferenças entre os sistemas civil law e common Law tendem a se tornar menos salientes do que já foram. Assistimos à sua progressiva aproximação. A influência recíproca tende a se intensificar na esteira do fenômeno globalização.

O efeito vinculante de decisões de tribunais superiores já fora reconhecido, na prática, pela jurisprudência. O aresto, que cito, aplica-se analogicamente ao caso sob exame:

“O juiz deve negar liminar quando, em lides semelhantes, o STF tem suspendido a eficácia de liminares concedidas. Seria quase uma deslealdade para com a parte o juiz incutir-lhe esperanças infundadas” (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 8.793-PB, min. Humberto Gomes de Barros, DJU 02.03.1998).

Não obstante a torrencial jurisprudência favorável às instituições financeiras, há espaço para realização da justiça nos casos concretos, como revelam arestos abaixo colacionados:

“AÇÃO CAUTELAR – LIMINAR PREVISTA -DEMONSTRAÇÃO DO POSSÍVEL COMPROMETIMENTO DA MEDIDA – CONCESSÃO PARCIAL – DESCONTO EM CONTA CORRENTE DESTINADA A DEPÓSITO DE SALÁRIO – LIMITAÇÃO – – LIMINAR PARA RETIRADA DO NOME DO AGRAVANTE DOS CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO – INADIMPLÊNCIA COMPROVADA – DEPÓSITO DA PARTE INCONTROVERSA DA DÍVIDA OU CAUÇÃO IDÔNEA.- Somente diante da demonstração do ‘fumus boni iuris’ e do ‘periculum in mora’, é que se justifica a concessão da liminar.- Pelo princípio da dignidade da pessoa humana deve-se limitar o desconto de parcela na conta do devedor para a quitação de débitos, a fim de preservar o direito à vida, à alimentação e à saúde. – Pode o credor efetuar o desconto das parcelas em débito, automaticamente, na conta corrente do devedor, até o limite de 30% do que o mesmo aufere” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Agravo 1.0145.07.408829-8/001, desª Cláudia Maia, julg. 06.09.2007).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS – BANCO – RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS – PARCIAL PROVIMENTO. É válido o desconto em conta corrente do devedor, de prestações contratadas. É razoável, outrossim, que tal desconto não exceda a trinta por cento, quando alcança benefício de salário do cliente, lembrando-se o caráter alimentar que reveste a verba em apreço” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Agravo de Instrumento 1.0024.06.987398-2/001, des. Pedro Bernardes, julg. 06.06.2006).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. PARCELAS. DESCONTO. CONTA CORRENTE. SALÁRIO. RAZOABILIDADE. Não obstante a legalidade da cláusula que prevê a cobrança do pagamento por meio de desconto na conta corrente da agravada, mister se faz a limitação do débito ao percentual de 30% da remuneração ali depositada a título de salário, sob pena de se inviabilizar a sobrevivência do devedor, o que atentaria contra o princípio da dignidade da pessoa humana” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Agravo de Instrumento. 2.0000.00.520240-0/000, des. Renato Martins Jacob, julg. 06.10.2005).

Enfim, a tensão entre Direito e Economia torna angustiante o cotidiano do juiz contemporâneo. Deverá enfrentá-la com o sopeso dos interesses individuais e macroeconômicos envolvidos em cada caso. Se for preferível que prevaleça a segurança jurídica sobre interesses dos indivíduos litigantes, assim decidirá. Do contrário, fará prevalecer a justiça sobre os interesses macroeconômicos.

Em síntese, trata-se de julgamento ético. Will Durant discorria sobre Ética (2000: 61-62):

“Todas as concepções morais giram em torno do bem geral. A moralidade começa com associação, interdependência e organização. A vida em sociedade requer a concessão de uma parte da soberania do indivíduo à ordem comum; e a norma de conduta acaba se tornando o bem-estar do grupo. A natureza assim o quer, e o seu julgamento é sempre definitivo; um grupo sobrevive, em concorrência ou conflito com um grupo, segundo sua unidade e seu poder, segundo a capacidade de seus membros de cooperarem para fins comuns. E que melhor cooperação poderia haver do que aquela em que cada qual estivesse fazendo aquilo que melhor sabe fazer? Este é o objetivo da organização que toda sociedade deve perseguir, para que tenha vida”.

Conforme Giovanni Reale (1994: 405), Aristóteles subordinou a ética à política:

“Nessa subordinação da ética à política, incidiu clara e determinadamente a doutrina platônica que amplamente ilustramos, a qual, como sabemos, dava forma paradigmática à concepção tipicamente helênica, que entendia o homem unicamente como cidadão e punha a Cidade completamente acima da família e do homem individual: o indivíduo existia em função da Cidade e não a Cidade em função do indivíduo. Diz expressamente Aristóteles: ‘Se, de fato, idêntico é o bem para o indivíduo e para a cidade, parece mais importante e mais perfeito escolher e defender o bem da cidade,; é certo que o bem é desejável mesmo quando diz respeito só a uma pessoa, porém é mais belo e mais divino quando se refere a um povo e às cidades’”.

É sempre atual a lúcida advertência do saudoso político, filósofo e jurista André Franco Montoro (MARCÍLIO et al, 1997:14):

“Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou em desespero. No campo do direito, da economia, da política, da ciência e da tecnologia, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram resultado desalentador e muitas vezes trágico”.

Por derradeiro, a lastimável realidade brasileira, marcada por corrupção e impunidade, influencia negativamente a estabilidade econômica. O economista norte-americano James Robert apontou a queda do Brasil no ranking de liberdade econômica (revista Veja, 03.09.2008, p. 20): Saiu do que chamamos de ‘moderadamente livre’ para uma economia ‘majoritariamente não livre’. Os dois fatores que empurram o país para baixo são a corrupção e a falta de liberdade financeira (…). As leis brasileiras são pouco receptivas aos investimentos estrangeiros. O país precisa melhorar as leis de investimento, reduzir as restrições à moeda estrangeira e facilitar a vida dos empresários estrangeiros que queiram operar no país.

Com efeito, desde o descobrimento enraizou-se no Brasil o patrimonialismo. Sérgio Buarque de Holanda destacava no clássico Raízes do Brasil (1976: 105-106):

“Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade (…) compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário ‘patrimonial’ do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para que se assegurem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida do Estado burocrático”.

As elites econômicas e políticas se apropriaram do Estado, em detrimento da cidadania. Por cidadão designamos o indivíduo na posse dos seus direitos políticos. Cidadania é a manifestação das prerrogativas políticas que um indivíduo tem no Estado Democrático. Consiste, portanto, na expressão da qualidade de cidadão e no direito de fazer valer as prerrogativas que defluem do regime democrático (BASTOS, 1994: 19-20). Na sábia reflexão de José Murilo de Carvalho (1995: 10-11), cidadania é também a sensação de pertencer a uma comunidade, de participar de valores comuns, de uma história comum e de experiências comuns.

Nos países latino-americanos, o desenvolvimento da cidadania não seguiu o modelo inglês. No Brasil colonial, escravidão e latifúndio não eram sólidos alicerces para a formação de futuros cidadãos. Nem a Independência propiciou a conquista imediata dos direitos de cidadania. A herança colonial fora bastante negativa. O processo de emancipação, bastante suave, não permitiu qualquer mudança radical. Apesar das expectativas, poucas coisas mudaram com a Proclamação da República em 1889. Na Primeira República governaram oligarquias estaduais (CARVALHO, 1995: 10-31).

Em contraponto, Joaquim Nabuco considerava a Inglaterra, ainda no século 19, o “país mais livre do mundo”. Em sua clássica obra Minha Formação (1981:85) elogiou a postura da Câmara dos Comuns de se sintonizar com as oscilações do sentimento público. E muito admirava a autoridade dos juízes britânicos:

“Somente na Inglaterra, pode-se dizer, há juízes (…). Só há um país no mundo em que o juiz é mais forte do que os poderosos: é a Inglaterra. O juiz sobreleva à família real, à aristocracia, ao dinheiro, e, o que é mais que tudo, à imprensa, à opinião. (…) O Marquês de Salsbury e o Duque de Westminster estão certos de que diante do juiz são iguais ao mais humilde de sua criadagem. Esta é a maior impressão de liberdade que fica da Inglaterra. O sentimento de igualdade de direitos, ou de pessoa, na mais extrema desigualdade de fortuna e condição, é o fundo da dignidade anglo-saxônica” (grifei).

Não olvidemos a postura contemporânea da União Européia, ao adotar rígidos critérios institucionais para admissão de países-membros. Ao admitir Romênia e Bulgária em seu seio, a Comissão Européia saudou a “conquista histórica”, mas apontou problemas persistentes, principalmente em termos de luta contra a corrupção e independência do Judiciário, sobre os quais os dois países deverão prestar contas a cada seis meses.

O Brasil, mesmo com a notável evolução social verificada no decorrer do século 20, chegou à Assembléia Constituinte de 1987 com enorme débito histórico a resgatar. O desafio era instituir o controle do Estado pelo povo e assegurar a plena cidadania a todos (PINHEIRO, 1985: 55 e 68).

Em dado momento histórico, contudo, passamos a nos portar como se estivéssemos na Suécia. Verbi gratia, orgulhosamente poderíamos apontar o enunciado da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal:

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Reportar-nos-íamos também à festejada decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual anulou interceptações telefônicas, no curso de investigações feitas pela Polícia Federal contra grupo empresarial do Paraná. O processo já continha sentença de mérito, mas os autos retornaram à Vara Federal de origem para o Ministério Público excluir da denúncia referências às provas colhidas ilicitamente. Tudo porque a lei fixa prazo de quinze dias para as escutas telefônicas, mas as escutas do caso julgado foram prorrogadas, sem justificativa razoável, por mais de dois anos. Conforme o voto do relator, se há normas de opostas inspirações ideológicas, como a Constituição e a lei que autoriza a escuta telefônica, a solução deve ser a favor da liberdade: “inviolável é o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada” (Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus 76.686-PR, relator min. Nilson Naves).

O preclaro ministro Gilmar Ferreira Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, apontou a existência de um “Estado de medo” no Brasil e pregou o controle das escutas telefônicas. Na seqüência, o egrégio Conselho Nacional de Justiça percebeu que os magistrados brasileiros, sobretudo os de primeiro grau, são os infratores que mais amedrontam a sociedade brasileira. Adotaram a ousada prática de autorizar escutas telefônicas. Por isso, o CNJ inusitadamente invadiu a seara jurisdicional e baixou resolução destinada a monitorar as quebras de sigilos de ligações telefônicas em todo o país.

O ministro Mendes também criticou as varas judiciárias especializadas em lavagem de dinheiro, por ele consideradas “redutos parajurídicos” geridos “a seis mãos, por delegados de polícia, procuradores e magistrados”. Aderindo a essa histórica cruzada constitucionalista, advogados pregaram a extinção daquelas varas.

Em dissonância, o juiz federal Sérgio Fernandes obtemperou: “Até ontem, as capas de revistas diziam que o Brasil era o país da impunidade. Agora, falam que o Brasil é um Estado policial. Tenho a sensação de que perdi alguma coisa, de que dormi cinco anos e não vi essa transformação”.

Referir-nos-íamos, ao cabo, à célebre decisão do Tribunal Superior Eleitoral, segundo a qual candidatos que são réus podem disputar as eleições municipais de 2008. Para o culto ministro Eros Grau, “o Poder Judiciário não pode, na ausência de lei complementar, estabelecer critérios de avaliação da vida pregressa de candidatos para o fim de definir situações de inelegibilidade”. Vencido, o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, obtemperou que deve ser estabelecida uma condição para elegibilidade de todos os candidatos, para se exigir. Conforme Britto, o detentor de poder tem garantias como a inviolabilidade material, imunidade processual e foro especial que o submetem a maiores exigências: “A Constituição não exigiria do exercente do cargo um padrão de moralidade que já não fosse a natural continuação de uma vida pregressa também pautada por valores éticos”. Por nove votos a dois, o Supremo Tribunal Federal corroborou esse entendimento e enfatizou a garantia constitucional da presunção da inocência (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144-DF, min. Celso de Mello, julg. 06.08.2008).

Todos os exemplos apontados são paradigmáticos. No entanto, algum cidadão brasileiro, ignaro das garantias constitucionais, poderia formular indagações. Qual a contrapartida para tão firme defesa de garantias individuais? Passaremos a viver em um país muito mais seguro e incorruptível? Vamos ter menos crimes de colarinho branco? O Judiciário será mais eficaz?

Deveras. Criada para coibir a corrupção no país, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal 8.429/1992) tornou-se “símbolo da impunidade”. Apenas cerca de 7% das autoridades processadas por improbidade foram condenadas. Em quinze anos, a maioria das 14 mil ações de improbidade, ajuizadas nos tribunais de todo o pai, ainda não recebeu sentença. Nos crimes do mercado financeiro, o índice de condenação não passa de 5%.

Responsável pelo julgamento das maiores autoridades do país, o Supremo Tribunal Federal instaurou, desde 1968 (ano em que os dados passaram a estar disponíveis), 137 processos criminais contra deputados, senadores, ministros e presidentes da República. Todavia, desde então não condenou um deles sequer. As acusações abrangem desvio de verbas públicas, evasão de divisas e até homicídios. Há processos que tramitaram por mais de uma década, sem conclusão.

O jornal Folha de S.Paulo (Currais do Crime, 01.08.2008, editorial) reportou-se ao domínio de traficantes e milícias como ameaça ao direito dos eleitores do Rio de Janeiro, nas eleições municipais de 2008:

“(Em uma) comunidade carioca, indivíduos armados impediram que jornalistas circulassem livremente, enquanto acompanhavam a passagem de um candidato à prefeitura pelo local. Fotógrafos foram obrigados a apagar as imagens que traziam gravadas em suas câmeras. (…) Cumpre indagar qual o papel dos próprios partidos políticos, que admitem sem o menor problema candidatos com extensa ficha criminal e histórico notório de colaboração com o crime organizado” (Currais do Crime, 01.08.2008, editorial, grifei).

Em suma, não se nega o avanço da democracia brasileira. As instituições republicanas estão se fortalecendo paulatinamente e se destaca o papel do Poder Judiciário na garantia do Estado de Direito. Há prenúncio de grande desenvolvimento econômico nos próximos anos, em decorrência da descoberta de fartas reservas petrolíferas no mar territorial brasileiro. No entanto, a caminhada será longa até atingirmos a plenitude de uma social-democracia. Nesse aspecto, os poderes constituídos, inclusive o Judiciário, têm enorme passivo a resgatar com a sociedade brasileira.

Para concluir este ensaio, recorro à clássica reflexão de Rudolf von Ihering (1980: 94-95), bastante apropriada à realidade brasileira:

“Qualquer norma que se torne injusta aos olhos do povo, qualquer instituição que provoque seu ódio, causa prejuízo ao sentimento de justiça, e por isso mesmo solapa as energias da nação. Representa um pecado contra a idéia do direito, cujas conseqüências acabam por atingir o próprio Estado. (…) Nem mesmo o sentimento de justiça mais vigoroso resiste por muito tempo a um sistema jurídico defeituoso: acaba embotando, definhando, degenerando”.

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