Preço da demora

Multa por atraso à execução no processo trabalhista

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16 de setembro de 2008, 0h00

Cumpre salientar, inicialmente, que quando uma norma jurídica exata é inserida dentro de um contexto já existente, tal norma, a princípio, reproduz uma certa inquietação até que definições concretas acerca da sua aplicabilidade sejam tomadas de maneira serena.

Diz-se isso, porque para se acolher e utilizar uma norma jurídica nova, há de se observar a real intenção do legislador, haja vista a coerência que esta deve guardar com os princípios essenciais do Direito.

Na seara trabalhista, por sua vez, há princípios, como o da irredutibilidade salarial, por exemplo, que são tidos como fundamentais e qualquer norma que tenha a pretensão de os alterar ou incrementar deve ser analisada com muita cautela, sob pena da transformação vir a macular aquilo que já é consagrado.

Esse é o cuidado que se deve ter a cada inserção de uma norma nova no cenário jurídico vivente, como é o caso da aplicação do artigo 475-J[1] do Código Processual Civil na esfera trabalhista, o que, a princípio, o seria por força do artigo 769[2] da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata da utilização do direito processual comum como fonte subsidiária do direito processual do trabalho.

Fala-se em a princípio, porque em sede de execução, na verdade, disciplina o artigo 889[3] da CLT que a fonte subsidiária será a Lei de Execuções Fiscais 6.830/80 e é esta que, em seu artigo primeiro[4], dispõe que as lacunas devem ser preenchidas com o direito processual comum.

Portanto, demonstrado de onde provém a determinação de que as normas processuais do direito processual comum servirão como fonte subsidiária ao processo de execução trabalhista, passa-se, então, a analisar a existência ou não de lacuna no âmbito trabalhista a ensejar a aplicação subsidiária do artigo 475-J do CPC.

Recentemente, o colendo TST, por meio de sua 6ª turma, decidiu, nos autos do recurso de revista 668/2006-005-13-40.6, interposto pelo Banco Sudameris do Brasil S/A, que se everia excluir da condenação a multa de que trata o 475-J do CPC. Como fundamento à decisão, os ministros da turma em referência afirmaram que enquanto o artigo 475-J do CPC tem como penalidade a multa de 10% pelo não pagamento da condenação no prazo de 15 dias, o artigo 880 da CLT prevê a penhora para o caso de não pagamento ou garantia da execução no prazo de 48 horas. Portanto, no entendimento dos ministros da 6ª turma do colendo TST não há, na CLT, qualquer omissão no que tange à estipulação de uma penalidade no caso de não pagamento da condenação.

Contudo, analisando o posicionamento da 6ª turma da Suprema Corte Trabalhista, denota-se que em momento algum levou ela em consideração o fato de que a intenção do legislador, no caso do artigo 475-J do CPC, é ser condescendente com o princípio da celeridade processual, atualmente disciplinado pelo artigo 5º, LXXVIII[5] da Constituição Federal por força da Emenda Constitucional 45/2004, que inseriu o direito à razoável duração do processo no rol das garantias fundamentais.

Assim, volvendo ao que foi disposto no início desse texto, ou seja, fazendo-se a necessária análise das conseqüências da inserção de uma nova norma no contexto jurídico já existente, a fim de que sua aceitação seja pacífica, tem-se que a aplicação do artigo 475-J do CPC no âmbito trabalhista não macula os princípios basilares do direito e nem causa inquietação na estrutura já em vigência, notadamente quando se tem em mente o fato de que tal dispositivo comunga com uma garantia constitucional, tendo esta estrita ligação na esfera laboral em razão da natureza alimentar da verba perseguida.

Quanto à questão da lacuna, o que conclama a utilização subsidiária das normas do direito processual comum no âmbito trabalhista, tem-se que o fato da CLT já disciplinar a penhora como penalidade ao caso de não pagamento do valor em execução, não supre, atualmente, a falta de um meio coercitivo que realmente seja capaz de destravar o grande número de execuções estagnadas. Logo, a disposição contida no artigo 475-J do CPC não pode ser vista como um incremento, mas sim como uma determinação que veio a preencher uma lacuna, já que a penhora, como dito, não é suficiente a fazer com que haja a satisfação plena da tutela jurisdicional prestada.

Àqueles que defendem a não aplicação do artigo 475-J do CPC no campo trabalhista pela já existência de outros meios que julgam capazes de abocanhar o crédito exeqüendo, como é o caso do Bacenjud, há se dizer que mesmo assim ainda há uma quantidade muito grande de execuções não solucionadas e isso ocorre porque após a citação executiva o executado, que na grande maioria dos casos não paga a dívida e nem garante a execução, fica ciente de que o exeqüente está na busca de seus bens, razão pela qual resolve fazer uma distribuição dos mesmos em nome de pessoas estranhas ao processo como forma de não pagar o crédito.

Essa prática, acredita-se, não irá findar totalmente com a aplicação do artigo 475-J do CPC, mas não há dúvidas de que a penalidade constante no mesmo, multa de 10% sobre o valor da condenação no caso de não pagamento do crédito em 15 (quinze) dias, certamente fará com que o executado pense antes de agir com artimanhas.

Por fim, há se dizer, também para aqueles que defendem a não aplicação do artigo 475-J do CPC na Justiça do Trabalho por acreditar na já existência de meios capazes de ensejar a penhora de imediato, o que se viu não ser verdade, que o crédito trabalhista, ao contrário dos créditos provenientes de outras searas, é atualizado com um dos menores índices de correção existentes no Sistema Financeiro Nacional, que é a TR, Taxa Referencial.

Já houve tentativa de substituição desse índice de correção pela Selic — Sistema Especial de Liquidação e Custódia, mas o intento não logrou êxito. Portanto, além de suprir a falta de um método dotado de maior poder coercitivo, servindo como meio de intimidar o executado a agir de modo temeroso ao não cumprimento da obrigação de pagar, a penalidade do artigo 475-J do CPC também pode ser vista como uma forma de compensar financeiramente o exeqüente, já que o índice de correção utilizado pela Justiça do Trabalho não minora o descontentamento gerado pela mora no pagamento.


[1]Artigo

475-J do CPC:

“Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liqüidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”

[2]Artigo 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”

[3]Artigo 889 da CLT: “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.”

[4]Artigo 1º da lei 6.830/80: “A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”

[5]Artigo 5º LXXVIII da CF: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004).

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