Campo minado

Consumidor não pode sofrer com a tirania das seguradoras

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7 de setembro de 2008, 11h57

O Poder Judiciário sempre foi tido como último baluarte para que o indivíduo possa manter sua posição na sociedade e não seja subjugado pela força sombria que emerge do poder econômico das seguradoras, com sua capacidade superior de se articular na luta egoística por seus próprios interesses.

Recentemente, noticiou-se que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão que rejeitou o Recurso Especial 973.725, excluiu a possibilidade de beneficiário de um segurado morto em acidente de veículo, de receber o valor do prêmio do seguro de vida, por entender que a embriaguez do falecido passa a ser agravante no risco do seguro. Com essa decisão, os ministros mantiveram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que excluiu a indenização a um segurado por conta da embriaguez.

Com o devido respeito, referida decisão é prejudicial para os milhares de segurados de boa-fé e seus familiares. Obviamente existe o mínimo de segurados que age com má-fé, mas, no caso, é difícil imaginar que o falecido estivesse de má-fé por ocasião de sua morte no trânsito, ainda que pudesse estar embriagado.

Se antes já eram vítimas da arbitrariedade das seguradoras, qual será a repercussão no modo de atuação das seguradoras após essa decisão? A negativa das seguradoras em assumir sua obrigação, impondo restrições desmedidas para se furtarem ao pagamento de indenizações por morte, coberturas a tratamentos e internações, constitui situação de extrema injustiça.

Com efeito, a relação jurídica inicia-se com a empresa de seguro vendendo seu produto através de contratos de adesão que resguardam o interesse das seguradoras.

Não é raro apreciarmos as belíssimas campanhas publicitárias de seguradoras, inclusive com comerciais de TV em que vinculam sua imagem a de famílias felizes, crianças, idosos e até atletas, numa produção digna de reconhecimento pela qualidade técnica e do sentimentalismo que são capazes de expressar.

Mas, a realidade é bem diferente. O consumidor, independentemente de seu grau de escolaridade, profissão, poder econômico ou cargo que ocupa, vê-se impulsionado, para não dizer obrigado, a contratar algum plano ou seguro, sob pena de ficar sujeito às altíssimas despesas médicas hospitalares ou ao sobrecarregado sistema público de saúde.

A liberdade de negociar cláusulas da apólice de seguro não se faz presente. Essa apólice, arrimada num minucioso estudo jurídico, corporificado em diversas cláusulas e obrigações formadas sob a influência de muitas indenizações negadas, é empurrada goela abaixo do consumidor, agora, segurado, que formaliza sua “aceitação” com sua assinatura, sem qualquer estudo ou possibilidade de negociação.

As seguradoras queixam-se dos custos dos hospitais, das liminares do judiciário etc. Os consumidores ressentem-se do impacto do alto valor das mensalidades do seguro no orçamento doméstico e, principalmente, da vedação a um tratamento ou indenização, cuja frustração só vem a experimentar quando mais precisam. São abandonados ao terem determinado atendimento recusado ou indenização decorrente de seguro de vida negada, cujos beneficiários são deixados a mercê da sorte.

Todavia, da divergência que se extrai dessa relação, consumidor, e seguradoras, parece evidente que a única a explorar o ramo e a engordar significativamente suas contas bancárias vem sendo as seguradoras. Os suntuosos prédios que abrigam essas companhias e os polpudos salários de alguns de seus integrantes, permitem ao menos, suspeitar que é um ramo bastante lucrativo.

Esse enriquecimento desmedido sugere grande injustiça e insegurança na questão, ao se perceber algumas indenizações negadas ante a rigidez dessas empresas, para não dizer frieza, em averiguar os procedimentos solicitados e as indenizações exigidas pelos segurados.

Nesse contexto, é de se considerar que o segurado, ao firmar contrato de adesão, deve ter sua apólice interpretada à luz do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor. Não pode sofrer com a tirania, nem ficar refém da estratégia maquiavélica das seguradoras, muito menos ter seu direito a vida, a saúde e ao sustento de beneficiários regulados cegamente por uma apólice que mais parece um campo minado, destinado a explodir os direitos do consumidor em contraste com os altos lucros das seguradoras.

A esperança para o segurado “inseguro”, é que, ao buscar o Poder Judiciário, possa obter um equilíbrio de forças nessa luta entre a irresponsabilidade da seguradora e a inegável fragilidade do segurado que, frise-se, aderiu ao contrato com boa-fé.

O acórdão mencionado, proferido pela mais alta corte infraconstitucional do país, causa grande comoção nacional e merece ser revisto. A lei seca, a falha comportamental do falecido ou qualquer julgamento moral que possa repelir a embriaguez, podem servir de arrimo ao não pagamento da indenização pelas seguradoras em detrimento de pessoas inocentes que merecem e precisam receber a indenização, sob pena do Poder Judiciário agasalhar interesses escusos estribados em contratos de adesão, portanto unilaterais, em flagrante ofensa ao Código de Defesa do Consumidor.

Advogado em São Paulo

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