Patrimônio histórico

A natureza jurídica do tombamento e suas consequências

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5 de setembro de 2008, 12h15

A Constituição Federal de 1988 se mostrou preocupada com a proteção do patrimônio histórico e cultural do país. Para tanto estabeleceu, no parágrafo 1º do artigo 216, de forma exemplificativa, os meios a serem utilizados, dentre eles o tombamento, que vem a ser um conjunto de ações realizadas pelo poder público, com a colaboração da sociedade, com o objetivo de preservar bens materiais e imateriais de valor histórico, cultural, ambiental e arquitetônico, impedindo que venham a ser desvalorizados e, principalmente, destruídos.

O tombamento, ato de intervenção branda do Estado na propriedade privada, tem regramento próprio, qual seja, o Decreto 25 de 30 de novembro de 1937.

O presente artigo não se propõe a tratar da ação de tombamento, seus fins e limitações ao bem. Busca clarear a indagação: o processo de tombamento é ato vinculado ou discricionário do poder público? Há pensamentos dos dois lados.

Do lado da corrente que defende ser vinculado o ato de tombamento está o ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles. Para essa linha de pensamento, depois que o bem for declarado como de valor histórico e cultural pelo órgão técnico competente, não há outra alternativa ao poder público a não ser realizar o tombamento do bem. De certo, quando se qualifica um ato como vinculado, o controle judicial deste é bem mais amplo e irrestrito, vez que a lei prevê a única atuação estatal possível no âmbito concreto.

Os defensores da vinculação da atuação do poder público no ato de tombamento entendem ser possível a declaração do valor cultural de um bem através de Ação Civil Pública, impondo ao proprietário e ao Estado, obrigações necessárias à conservação do bem. É o que diz Marcos Paulo de Souza Miranda (Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro). A Ação Civil Pública seria, para ele, a forma mais eficaz diante da omissão dos Poderes Executivo e Legislativo no dever de preservar o patrimônio histórico brasileiro, acarretando o reconhecimento desse valor pelo Judiciário. Este, por sua vez, teria o poder de impor obrigações de fazer e não-fazer ao proprietário, ao Estado e à vizinhança. Ainda para essa corrente, a ação de tombamento teria caráter meramente declaratório, tendo sido revogado o parágrafo 1º do artigo 1º do decreto 25/37, logo, mesmo os bens não inscritos no Livro do Tombo, mas que apresentem relevância para a cultura brasileira, estarão protegidos.

Por outro lado, corrente crescente na doutrina pátria, aplicada por alguns tribunais e defendida pelas Procuradorias Estaduais e Municipais, defende que a proteção do Estado a determinados bens de valor histórico-cultural está submetido à discricionariedade da administração pública. Seguindo tal afirmação, o simples reconhecimento do valor do bem pelo órgão administrativo competente não obriga o poder público a tombá-lo, devendo este realizar um juízo de mérito, ressaltando que o Poder Judiciário não poderá reavaliar tal ato.

Todavia, impende citar que a discricionariedade da administração é apenas quanto à execução do tombamento, já que falece a ela competência para dizer se um bem pertence ou não ao patrimônio histórico brasileiro.

É imperiosa a avaliação da conveniência e oportunidade do ato de tombamento, vez que a administração deve sempre buscar atingir os interesses da coletividade, que são ilimitados, utilizando recursos públicos, que como bem sabemos, são limitados. Como a administração é a gestora do dinheiro público a ela cabe fazer um planejamento orçamentário para realizar suas despesas, e para tanto elabora a Lei Orçamentária Anual.

Ao caracterizar o ato de tombamento como discricionário, o controle do poder público sobre o ato se torna limitado, podendo versar apenas sobre sua legalidade. Partindo dessa premissa, percebe-se a inconstitucionalidade do tombamento realizado por meio de Ação Civil Pública. Para essa corrente, o Poder Judiciário não pode determinar o tombamento de um bem considerado de valor histórico através de parecer do órgão administrativo competente por ferir o princípio da separação de poderes, além de causar grande impacto no orçamento do ente, que se vê obrigado a suportar tal ônus. Como é sabido, para um determinado ente federal realizar o tombamento de um bem, é necessário incluir na lei orçamentária o valor das eventuais despesas com a indenização do proprietário. Sendo o tombamento realizado pelo Judiciário, haverá um gasto não autorizado de verba pública que, fatalmente, irá acarretar o descumprimento de algum compromisso já previsto no orçamento, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que tornará a administração daquele ente irresponsável, sujeitando o chefe do Poder Executivo às penalidades da Lei de Improbidade Administrativa.

Há ainda outro problema. Caso a administração não tenha recursos suficientes para ressarcir o proprietário, este terá que ingressar em juízo para pleitear sua indenização, aumentando, a já extensa, fila de precatórios judiciais.

Mas, certo é que, não havendo nenhum motivo que impeça o tombamento do bem, ele será realizado. Havendo recusa, esta terá que ser motivada.

Os tribunais brasileiros ainda não se posicionaram definitivamente sobre a matéria, mas, por todo exposto, parece mais sensato, que se adote a segunda corrente, classificando o ato de execução do tombamento realizado pela administração pública como discricionário. Pensar diferente trará mais prejuízos do que benefícios à coletividade.

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