Dados secretos

Conamp contesta sistema de controle de grampos do TJ-RJ

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4 de setembro de 2008, 0h00

A Associação Nacional do Ministério Público (Conamp) está questionando, no Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade do Provimento 6/08 da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro, que criou um cadastro para controle das autorizações de escuta telefônicas emitidas pelos juízes fluminenses. O ministro Eros Grau é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Para a Conamp, a Corregedoria violou o artigo 22 da Constituição Federal. Isso porque, de acordo com a ação, só a União pode legislar sobre matéria de telecomunicações e de natureza penal. “Tal competência, à evidência, não pode ser substituída por provimento da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro. Pode-se dizer, também, que se trata de matéria processual penal, cuja iniciativa legislativa, igualmente compete privativamente à União”, diz a ação.

A entidade também contesta a forma de cadastro dos números que poderão ser grampeados. O provimento determina que os pedidos de escutas telefônicas devem ser encaminhados à seção de distribuição de cada comarca, conferidos por um servidor do departamento, que colocará os dados das solicitações no sistema informatizado, para serem enviadas ao juízo responsável, onde mais um servidor vai checar as informações, para só então os pedidos chegarem às mãos do juiz.

O Ministério Público diz que, por serem dados altamente sigilosos, os pedidos de escutas telefônicas devem ser mantidos no âmbito judicial, não podendo ser vistos ou acessados por pessoas sem envolvimento direto ou indireto nos casos, mesmo que sejam órgãos administrativos do Judiciário, como a Corregedoria. “A lei, em vigor, que regulamenta a exceção da inviolabilidade das comunicações telefônicas, em nenhum de seus artigos, delega, transfere ou deixa margem à interpretação equivocada de que a competência relacionada ao trâmite do processo de interceptação telefônica seria de órgão administrativo”, argumenta a Conamp na ADI.

O artigo 5º da Constituição Federal também está sendo violado, na opinião do MP. O direito à privacidade e à intimidade é desrespeitado, segundo a Conamp, porque a Corregedoria terá acesso a diversos dados e informações judiciais, de caráter estritamente sigiloso.

O cadastro

Em maio, o corregedor do TJ do Rio, desembargador Luiz Zveiter, explicou e mostrou à Consultor Jurídico o sistema de controle de autorizações para interceptações telefônicas. Segundo Zveiter, a medida sigilosa só poderá ser autorizada se o juiz fizer um cadastramento dos dados relativos à interceptação. Um dispositivo no sistema não permite que o juiz avance em sua decisão sem preencher o cadastro e dados relativos à medida cautelar.

O sistema também não permite a interceptação de outros números. Segundo Zveiter, antes, o juiz poderia autorizar o número do investigado e de outros números não especificados. “Quais são os outros? Aqueles que ligassem para ele ou para quem ele, eventualmente, ligasse. Cai todo mundo em uma rede de grampos”, constatou o corregedor.

O desembargador explicou, passo a passo, como o novo procedimento funciona. O pedido chega ao tribunal em dois envelopes lacrados. No setor de distribuição, os envelopes recebem um número e são encaminhados, ainda lacrados, à Vara Criminal competente. O envelope menor vai conter apenas o número do inquérito. Já no envelope maior estarão os dados referentes ao pedido de interceptação. Este envelope será aberto pelo juiz e apenas ele movimentará o sistema.

Da decisão de autorização da escuta até a emissão do documento a ser enviado para a operadora telefônica, o juiz terá de preencher alguns dados. No primeiro passo, ele terá de incluir a data e escolher se vai declinar da competência, aceitar ou negar o pedido da medida cautelar.

Caso o juiz considere que não é competente para julgar o caso, bastará selecionar a opção. Essa é a única entre as três decisões em que o juiz poderá fechar o sistema só com a seleção de declínio de competência. Mas se aceitar ou rejeitar o pedido, algumas informações adicionais terão de ser preenchidas como a íntegra da decisão, um resumo dela, e a data de retorno, ou seja, o dia em que a decisão perderá a validade, caso o pedido seja aceito. Pelas regras atuais, o juiz só pode autorizar a escuta telefônica pelo prazo de 15 dias, podendo prorrogá-la. Mas para fazer isso, terá de entrar novamente no sistema e informar a prorrogação.

Leia a petição

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES, DIGNÍSSIMO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO-CONAMP, entidade de classe de âmbito nacional, com sede no SRTVS, Quadra 701, Centro Empresarial Assis Chateaubriand, Bloco II, salas 634/636, em Brasília, Distrito Federal (docs. 01 e 02), por seu procurador (doc. 03), com fundamento no artigo 103, IX, da Constituição Federal, vem perante esse colendo Supremo Tribunal Federal ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, do Provimento nº 6, de 9 de maio de 2008, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (doc.04), por ofensa ao art. 5º, incisos XII, LIII e LV, da Constituição da República, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.


O TEOR DA NORMA IMPUGNADA

Eis o inteiro teor do Provimento nº 6, de 9 de maio de 2008, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro cuja inconstitucionalidade se quer ver declarada:

“O Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador LUIZ ZVEITER, no uso de suas atribuições legais e, CONSIDERANDO as reportagens de periódicos, recentemente publicadas, que demonstram a existência de mais de 400 (quatrocentos) mil grampos no país, que representam aproximadamente 0,25% das linhas telefônicas em uso no Brasil;

CONSIDERANDO que as reportagens mencionadas apontam para indícios de irregularidades na operacionalização das medidas de interceptação telefônica;

CONSIDERANDO que o art. 5º, XII da Constituição Federal estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e nas formas que a Lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”;

CONSIDERANDO que o art. 1º da Lei nº. 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal, estipula que todo o procedimento previsto no texto legal deverá tramitar sob segredo de justiça;

CONSIDERANDO que foi determinada pela Corregedoria Geral da Justiça a criação de um sistema para o cadastramento das medidas sigilosas, resguardando o segredo de justiça previsto no art. 1º da Lei nº. 9.296/96, nos termos do Ato Executivo Conjunto nº. 32/07 e do Aviso nº. 234/07 da C.G.J., que, dentre outras funções, inclui a de evitar a duplicidade de decisões sobre o objeto de proteção da lei mencionada e a ocorrência de fraudes;

CONSIDERANDO que os relatórios apresentados pela DGTEC indicam que o sistema desenvolvido para o cadastramento das medidas sigilosas não está sendo alimentado de forma devida, ocasionando séria discrepância entre os dados lançados, com evidente prejuízo para garantia constitucionalmente assegurada aos cidadãos;

CONSIDERANDO a necessidade de aprimorar o sistema atualmente em funcionamento, bem como o Aviso nº. 234/07 da C.G.J., de modo a preservar as garantias constitucionalmente asseguradas e o fiel cumprimento dos atos administrativos emanados da administração do Poder Judiciário, sempre resguardando o sigilo das informações;

CONSIDERANDO que foi constatada a ausência de alimentação dos dados das medidas sigilosas no sistema DCP/Projeto Comarca após a edição do Aviso nº. 234/07 da C.G.J., prejudicando todo o controle das mesmas, se mostrando imprescindível a atualização do sistema com a inserção dos dados não lançados.

RESOLVE modificar a rotina de processamento das medidas cautelares de caráter sigiloso em matéria criminal, que passam a ter a seguinte regulamentação:

Art. 1º. Os pedidos de interceptação de comunicação telefônica, telemática ou de informática, formulados em sede de procedimento investigatório, serão encaminhados à Distribuição da respectiva Comarca, em envelope lacrado contendo o pedido e documentos necessários.

§ 1º. Na parte exterior do envelope a que se refere o artigo 1º, será colada uma folha de rosto contendo somente as seguintes informações:

a) “Medida cautelar sigilosa”;

b) Delegacia de origem ou órgão do Ministério Público;

c) Comarca de origem da medida.

§ 2º. É vedada a indicação do nome do requerido, da natureza da medida ou qualquer outra anotação na folha de rosto referida no § 1º.

Art. 2º. Outro envelope menor, também lacrado, contendo em seu interior apenas o número e o ano do procedimento investigatório, deverá ser anexado ao envelope lacrado referido no artigo 1º.

Art. 3º. A Distribuição e o Plantão Judiciário não receberão os envelopes que não estejam devidamente lacrados na forma prevista nos artigos 1º e 2º deste Provimento.

Art. 4º. Recebidos os envelopes e conferidos estarem eles lacrados, o Responsável pela Distribuição e, na sua ausência, o seu substituto, deslacrará o envelope menor e efetuará a distribuição, cadastrando no sistema informatizado apenas o número do procedimento investigatório e a delegacia ou o órgão do Ministério Público de origem.

Art. 5º. A autenticação da distribuição será realizada na folha de rosto do envelope mencionado no artigo 1º, ou seja, no envelope lacrado contendo o pedido e documentos.

Art. 6º. Feita a distribuição através do sistema informatizado, a medida cautelar sigilosa será remetida ao Juízo competente, imediatamente, sem violação do lacre do envelope mencionado no artigo 1º, ou seja, o envelope lacrado contendo o pedido e documentos.

§ 1º. Recebido o envelope lacrado, referido no artigo 1º, pela serventia do Juízo Competente, o Escrivão ou Responsável pelo Expediente deverá imediatamente abrir conclusão no sistema de Distribuição e Controle de Processos – 1ª Instância – DCP – Projeto Comarca – localizando a medida no sistema através dos dados constantes da capa do envelope mencionado no artigo 1º, letras “a”, “b” e “c”, ou seja, “Medida cautelar sigilosa”, “Delegacia de origem ou órgão do Ministério Público”, “Comarca de origem da medida”, sem romper o lacre.


§ 2º. Somente o magistrado ou serventuários por ele autorizados e cadastrados nos termos previstos no artigo 7º, § 2º deste Provimento terão acesso ao sistema DCP para dar andamento a processo qualificado como sigiloso, com exceção do primeiro andamento para a abertura de conclusão, conforme determinado no parágrafo anterior.

§ 3º. As informações referentes à medida cautelar sigilosa não ficarão disponibilizadas para consulta por meio de boleta nos terminais de auto-atendimento, na internet ou nos distribuidores.

Art. 7º. Aberta a conclusão ao Juiz, o envelope lacrado será encaminhado imediatamente ao Magistrado ou aos serventuários autorizados e devidamente por ele cadastrados na DGTEC – Diretoria Geral de Tecnologia de Informação, quando será por um deles deslacrado para autuação da medida.

§ 1º. O magistrado deverá encaminhar por ofício à DGTEC o nome e a matrícula do seu secretário e do funcionário autorizado a movimentar o sistema, na hipótese prevista no presente Provimento.

Art. 8º. Realizada a autuação da medida cautelar sigilosa pelo magistrado ou serventuários por ele autorizados e cadastrados, é obrigatório o preenchimento dos demais dados constantes no sistema DCP, como, por exemplo, tipo de personagem, nome do acusado, dados básicos, documentação, endereços e outros dados disponíveis, bem como quaisquer outras alterações supervenientes.

§ 1º. Qualquer complementação ou alterações de dados no cadastramento da medida cautelar sigilosa junto ao sistema DCP somente poderá ser realizada pelo magistrado ou serventuários por ele autorizados e cadastrados.

§ 2º. As informações atualizadas e completadas pelo magistrado ou serventuários por ele autorizados e cadastrados não ficarão disponíveis para consulta e somente o Juiz e os serventuários autorizados terão acesso aos dados sigilosos.

§ 3º. Verificando o magistrado que não se trata de pedidos de interceptação de comunicação telefônica, telemática ou de informática, nos termos do artigo 1º deverá o mesmo desabilitar o processo como sigiloso no sistema DCP.

Art. 9º. É obrigatório o preenchimento completo da tela “medidas sigilosas” constante no menu do sistema DCP, salvo na hipótese de declínio de competência.

§ 1º. O preenchimento da tela “medidas sigilosas” constante no menu do sistema DCP é obrigatório, devendo o sistema ser alimentado com todos os dados solicitados, inclusive o número telefônico de todos os terminais a serem interceptados.

§ 2º. Deferida ou indeferida a medida cautelar sigilosa o andamento processual no sistema somente será autorizado, após o preenchimento de todos os campos do cadastramento das “medidas sigilosas” no sistema DCP; enquanto não preenchidos todos os campos, o processo não poderá ser movimentado no sistema, e conseqüentemente não será permitida a baixa da conclusão lançada.

Art. 10. As remessas e devoluções dos autos serão realizadas em envelopes lacrados tanto pelo remetente como por seu destinatário, assim como os ofícios e outras peças pertinentes enviados a outros órgãos, vedada a expedição de carta precatória para os fins deste Provimento.

Art. 11. Durante o Plantão Judiciário da Capital ou do Interior as medidas cautelares sigilosas apreciadas, independentemente do seu deferimento, deverão ser encaminhadas pelos servidores do Plantão ao Departamento/Serviço de Distribuição da respectiva Comarca, devidamente lacradas.

§ 1º. As medidas cautelares sigilosas previstas no presente Provimento que forem apreciadas durante o período do Plantão deverão ser lançadas no sistema informatizado, desenvolvido especificamente para tal período, pelo magistrado ou serventuários por ele autorizados e cadastrados, devendo ser resguardado o sigilo das informações lançadas no mesmo.

§ 2º. Na Ata do Plantão Judiciário constará, apenas, a existência da distribuição de “medida cautelar sigilosa”, sem qualquer outra referência e não será arquivado no Plantão Judiciário nenhum ato referente à medida.

Art. 12. Os ofícios expedidos em cumprimento à decisão judicial que defere a medida cautelar sigilosa, somente poderão ser gerados pelo sistema DCP, onde serão inseridos dados exclusivamente colhidos do próprio sistema, ficando vedada a confecção de ofícios em qualquer outra forma ou editor de textos.

§ 1º. Os ofícios gerados no sistema DCP deverão conter, obrigatoriamente, os seguintes dados:

I- Número do ofício gerado exclusivamente no sistema;

II- Número do protocolo;

III- Data da distribuição;

IV- Tipo de ação;

V- Número do inquérito;

VI- Órgão postulante da medida (Delegacia de origem ou Ministério Público);

VII- Número dos telefones que tiveram a interceptação ou quebra de dados deferida;


VIII- Advertência de que o ofício resposta deverá indicar o número do protocolo do processo ou do Plantão Judiciário, sob pena de recusa de seu recebimento pela Distribuição, e

IX- Advertência da regra contida no artigo 10, da Lei nº. 9.296/96.

Art. 13. O magistrado ou serventuários por ele autorizados e cadastrados ficarão responsáveis pela fidelidade dos dados lançados no sistema, que deverão corresponder necessariamente à realidade dos autos, não se permitindo nenhuma omissão ou lançamento parcial dos dados.

Parágrafo único. No prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data da publicação do presente Provimento o magistrado, ou serventuários por ele autorizados e cadastrados, deverá atualizar o sistema, realizando o lançamento de todas as medidas até a data da publicação do presente Provimento e que estejam em vigor, incluindo todos os dados solicitados pelo sistema DCP, inclusive os números dos terminais telefônicos.

Art. 14. A Corregedoria Geral da Justiça exercerá o controle administrativo do cumprimento do presente Provimento.

Art. 15. A não inserção no sistema DCP de quaisquer dos dados exigidos no presente Provimento ensejará responsabilização administrativa.

Art. 16. Este Provimento entra em vigência na data de sua publicação,

revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 09 de maio de 2008.

Desembargador LUIZ ZVEITER

Corregedor-Geral da Justiça”

DA LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO PROPONENTE

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público-CONAMP é uma entidade de classe de âmbito nacional, “integrada pelos membros do Ministério Público da União e dos Estados, ativos e inativos, que tem por objetivo defender as garantias, as prerrogativas, os direitos e interesses, diretos e indiretos, da Instituição e dos seus integrantes, bem como o fortalecimento dos valores do Estado Democrático de Direito”, na clara dicção do artigo 1º do Estatuto, devidamente registrado.

Essa colenda Suprema Corte, já reconheceu, por diversas vezes, a legitimidade ativa da CONAMP, para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, como entidade de classe de âmbito nacional, nos termos do artigo 103, IX, da Constituição da República.

Inquestionável, portanto, a legitimidade ativa da Associação proponente.

DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA

Dentre as finalidades da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público-CONAMP está a de “defender os princípios e garantias institucionais do Ministério Público, sua independência e autonomia funcional, administrativa, financeira e orçamentária, bem como os predicamentos, as funções e os meios previstos para o seu exercício”, claramente posta no artigo 2º, III, do Estatuto.

Ora, a norma impugnada influencia diretamente as atividades investigatórias que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro realiza, como titular da ação penal pública.

É evidente, portanto, a pertinência temática entre os objetivos da Associação proponente desta ação e a norma impugnada.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA IMPUGNADA

A Resolução impugnada, em sua inteireza, contraria o disposto no artigo 5º, inciso XII (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”); inciso LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente); inciso LV (aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes); bem como o artigo 22, inciso IV (Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão), todos da Constituição da República.

O objetivo do Provimento impugnado foi regulamentar, no âmbito da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a rotina de processamento das medidas cautelares de caráter sigiloso em matéria criminal.

Ora, no rol de atribuições da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não há como se enquadrar o objeto do Provimento impugnado, que, ferindo as normas constitucionais apontadas, legislou sobre matéria de competência privativa da União e, ainda, violou diversos direitos e garantia fundamentais.

Ademais, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro (doc. 05), artigo 40, não deixa dúvidas a respeito das funções da Corregedoria. Confira-se:

“Art. 40 – A Corregedoria Geral da Justiça, com funções administrativas de fiscalização e disciplina, será exercida pelo Corregedor-Geral de Justiça”.


(grifos acrescidos)

Consequentemente, o citado Provimento é inconstitucional, tanto formal, como materialmente, como se passa a demonstrar.

DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO PROVIMENTO Nº 6/2008

A inconstitucionalidade formal decorre do fato de o Provimento invadir seara expressamente afeta à lei e na qual a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro não detém o poder de iniciativa.

Nos claros termos do art. 22, inciso IV, da Constituição da República, compete privativamente à União legislar sobre telecomunicações. Tal competência, à evidência, não pode ser substituída por provimento da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro.

Que se trata de matéria concernente a telecomunicações não há dúvida, bastando lembrar que o Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, já fazia menção a interceptações de comunicações telefônicas, para os mesmos fins previstos no art. 5º, XII, da Carta da República.

Pode-se dizer, também, que se trata de matéria processual penal, cuja iniciativa legislativa, igualmente compete privativamente à União. Ainda que o entendimento seja de que se trata de mero procedimento em matéria processual, ainda assim a competência legislativa não seria de órgão administrativo do Poder Judiciário. Inquestionável, portanto, que se trata de matéria relativa a lei e cuja iniciativa legislativa é privativa da União.

Por outro lado, tem-se o artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República, que diz ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” A lei, em vigor, que regulamenta a exceção da inviolabilidade das comunicações telefônicas, a que se refere a norma constitucional transcrita e a Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que, em nenhum de seus artigos, delega, transfere ou deixa margem à interpretação equivocada de que a competência relacionada ao trâmite do processo de interceptação telefônica seria de órgão administrativo. E mais: tal processo, por estar coberto por segredo de justiça, deve ser mantido no âmbito judicial, não podendo ser acessado por outros que não estejam direta e/ou indiretamente envolvidos, ainda que sejam órgãos administrativos do Poder Judiciário.

Sobre este tema, é esclarecedora a lição de Luiz Flávio Gomes :

“A regra no direito processual penal é a publicidade externa e interna do processo (audiências públicas, acesso de qualquer pessoa ao processo, ausência de limites de consulta dos autos, etc.). Quanto ao inquérito, a regra é o segredo externo (CPP, art. 20) e a publicidade interna irrestrita (ampla possibilidade de o Advogado ver o que nele existe). No que concerne à interceptação telefônica, há regime jurídico próprio. Quanto a ela, no seu primeiro momento (colheita de provas), há segredo absoluto frente ao investigado e seu eventual defensor (porque é medida inaudita altera pars (sic)). Mas uma vez obtida a prova, já não se justifica esse segredo absoluto frente ao investigado. Urge o levantamento do sigilo, que deve ser requerido ao juiz competente. Se o investigado deseja impetrar Habeas Corpus, por exemplo, é fundamental o conhecimento da prova obtida com a interceptação telefônica. O sigilo, depois de concluídas as diligências, gravações e transcrições, como diz Antonio Scarance Fernandes, é necessário frente a terceiros (não frente ao investigado e seu defensor). Pensar de modo diferente seria violar a ampla defesa constitucional. De outro lado, mesmo levantado o sigilo frente ao investigado, isso não implica que a autuação apartada possa ser do conhecimento geral. A publicidade é interna (somente os que participam do processo pode ter acesso) e restrita (restrita ao Ministério Público, investigado, “seu” Advogado, Juiz, autoridade policial que executou a medida, etc.).”(grifos acrescidos)

Mais não é preciso dizer para se constatar a evidente inconstitucionalidade formal do Provimento editado pelo Desembargador-Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO PROVIMENTO Nº 6/2008

O Provimento em questão padece, também, de vício material, uma vez que, por força dele, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, órgão administrativo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, terá acesso a diversos dados e informações judiciais, de caráter estritamente sigiloso, o que fere frontalmente o direito à privacidade e à intimidade, cuja proteção é conferida pelo artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, já acima trascrito.

Já em seu artigo 8º, dispõe claramente a respeito de informações de cunho pessoal e sigiloso a que Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro terá acesso, quais sejam “tipo de personagem, nome do acusado, dados básicos, documentação, endereços e outros dados disponíveis, bem como quaisquer outras alterações supervenientes”, e ainda, conforme art. 9º, §1º e art. 13, parágrafo único, haverá acesso ao “número telefônico de todos os terminais a serem interceptados”.


No §2º do art. 9º, verifica-se, ainda, a permissão de acesso à própria decisão judicial que originou o procedimento de interceptação de comunicação telefônica, telemática ou de informática. Confira-se:

“§ 2º. Deferida ou indeferida a medida cautelar sigilosa o andamento processual no sistema somente será autorizado, após o preenchimento de todos os campos do cadastramento das “medidas sigilosas” no sistema DCP; enquanto não preenchidos todos os campos, o processo não poderá ser movimentado no sistema, e conseqüentemente não será permitida a baixa da conclusão lançada.”(grifos acrescidos)

Com efeito, verifica-se claramente que o Provimento nº 6/2008, ao permitir o acesso da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, frise-se, órgão administrativo do Tribunal de Justiça do mesmo Estado, a uma quantidade importante de informações judiciais oriundas de medidas cautelares, protegidas por segredo de justiça (Lei nº 9.296/96, art. 1º, caput) e ensejadoras de interceptações de diversos tipos, é manifestamente inconstitucional, pois vai de encontro ao direito à privacidade dos indivíduos, garantido pelo art. 5º, inc. XII da Carta Magna.

Tem-se, ainda, flagrante a inconstitucionalidade do Provimento nº 6/2008 por afronta ao inciso LIII do art. 5º da Constituição Federal (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”). Tal fato ocorre quando o Provimento estabelece um verdadeiro “processo dentro do processo”, ou seja, permite um julgamento paralelo pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao possibilitar/autorizar, ou não, o andamento processual, via sistema informático.

Como se pode extrair da própria norma impugnada, em seu artigo 14 (“A Corregedoria Geral da Justiça exercerá o controle administrativo do cumprimento do presente Provimento”), a própria Corregedoria admite ser órgão administrativo, mas extrapola sobremaneira as suas atribuições administrativas ao interferir no andamento dos processos judiciais em questão.

Por fim, verifica-se, ainda, afronta ao princípio do processo legal, em sua dimensão subjetiva, previsto no inciso LV do artigo 5º da Carta da República, que se caracteriza pela proteção do indivíduo frente aos possíveis abusos do legislador ao elaborar as leis stricto sensu. No caso em questão, a ofensa se materializa quando o Provimento possibilita à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro o acesso a diversos dados e informações judiciais.

Evoque-se, aqui, orientação do eminente Ministro CELSO DE MELLO, em voto proferido no julgamento da ADIn nº 1158-8/MA, do qual se extrai o seguinte trecho, pertinente à situação em foco:

“Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revela opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da estatal.”

DO PEDIDO

Por todo o exposto, a Associação proponente pede, após colhidas as informações de praxe e dada vista dos autos aos Excelentíssimos Senhores Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, seja julgada procedente esta ação, declarando-se a inconstitucionalidade do Provimento nº 6, de 9 de maio de 2008, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por ofensa ao art. 5º, incisos XII, LIII e LV, da Constituição da República.

Pede deferimento.

Brasília, 21 de agosto de 2008.

ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA

OAB/DF 12.500

VANESSA MOTA DE SOUZA

OAB/DF 8.748/E

ADI 4.135

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