Justiça racional

STJ vai julgar em bloco um terço de seus recursos

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3 de setembro de 2008, 12h23

A aplicação da lei de recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça pode reduzir em um terço o número de processos que a corte tem de julgar por ano. A conta foi feita pelo ministro Cesar Asfor Rocha, que toma posse na Presidência do STJ nesta quarta-feira (3/9). De acordo com o ministro, o STJ julgará este ano 360 mil recursos — 30 mil a mais do que julgou em 2007.

Com a adoção da nova lei (Lei 11.672/08), cerca de 120 mil processos que se baseiam em menos de 20 temas podem deixar de lotar anualmente o tribunal. Só a discussão sobre regras dos contratos bancários pode encerrar quase 50 mil processos de uma vez. O tema foi colocado na pauta da 2ª Seção pelo ministro Ari Pargendler e discute de capitalização de juros a inscrição do devedor em cadastros de restrição ao crédito.

Na 1ª Seção, o julgamento de temas como o pagamento de imposto de renda sobre complementação de aposentadoria por previdência privada e aspectos da cobrança de ICMS e de contribuições deve tirar das prateleiras do tribunal quase 40 mil recursos em uma só tacada.

O novo presidente do STJ disse à revista Consultor Jurídico que a racionalização da pauta provocada pela nova lei pode levar o STJ a uma nova fase em sua história, na qual conseguirá cumprir sua missão constitucional de uniformizar a jurisprudência em âmbito nacional.

A nova regra funciona da seguinte maneira: quando um ministro identifica diversos recursos sobre o mesmo assunto, aplica a lei e determina a suspensão dos processos nos tribunais de segunda instância — o que evita que subam ao STJ. Definido o posicionamento do tribunal, ele é aplicado automaticamente a todos os recursos iguais.

Boa parte do sucesso da nova lei depende de a segunda instância respeitar as decisões proferidas pelo STJ e as aplicar nos processos iguais. De qualquer maneira, os recursos contra decisões que contrariam temas pacificados serão decididos individualmente, o que agiliza seu andamento.

Juiz dos juízes

Cesar Asfor Rocha assume a presidência do STJ nesta quarta, às 15h, aos 60 anos de idade, depois de 16 anos como ministro da corte. O ministro vem do comando de duas corregedorias de administração difícil: a Corregedoria-Geral Eleitoral (de abril de 2006 a abril de 2007) e a Corregedoria Nacional de Justiça (de junho de 2007 a agosto de 2008).

O trabalho em postos de destaque fez com que o novo presidente do STJ deixasse sua marca impressa, como administrador e como juiz, em algumas das principais recentes inovações do Poder Judiciário. À frente da Corregedoria Nacional de Justiça, no CNJ, o ministro mostrou disposição para enfrentar questões tratadas como tabus pelos mais corporativistas.

Uma de suas determinações é a de que o juiz tem de morar na comarca onde atua. O objetivo é acabar com casos de juízes que dão aulas em faculdades que ficam a 500 quilômetros de distância das varas nas quais são titulares – e que não faltam às aulas. A determinação desagradou os juízes TQQ — aqueles que, por morarem fora das comarcas onde atuam, só trabalham às terças, quartas e quintas-feiras. Mas esse não foi o ato que encontrou maior resistência da magistratura.

A mais ousada iniciativa foi incluir no vocabulário jurídico a expressão produtividade. Asfor Rocha idealizou e lançou o Sistema Justiça Aberta (clique aqui para acessar), por meio do qual é possível acompanhar a produção mensal dos juízes estaduais de quase todas as varas do país.

O levantamento mostrou que há, na Justiça Estadual de primeira instância, 9.065 varas. Destas, 7.928 (87,5%) já preenchem regularmente o cadastro com os dados exigidos pelo CNJ. No mês de junho, elas informaram que receberam 1,2 milhão de processos e proferiram 1,1 milhão de sentenças, das quais cabe recurso. E que 1,3 milhão de processos foram definitivamente arquivados.

Os dados mostraram também que há, no país, 16.008 juízes em atividade: 9.808 na Justiça Estadual de primeira instância, 1.401 desembargadores nos Tribunais de Justiça, 136 desembargadores nos Tribunais Regionais Federais, 1.329 juízes federais em primeira instância, 546 juízes do Trabalho em segunda instância e 2.788 em primeira.

O mesmo levantamento foi feito com os cartórios extrajudiciais – são 13.529 no país – e começou a ser feito na semana passada com os Tribunais de Justiça. Em breve, será possível verificar também a produção dos desembargadores. O CNJ deve estender a idéia para os outros ramos da Justiça.

No meio do caminho, o levantamento de dados encontrou forte resistência. Houve titular de cartório extrajudicial que entrou com pedido de Mandado de Segurança contra a exigência dos dados e juiz que ameaçou processar o Conselho Nacional. Mas, hoje, o ministro garante que a maioria dos juízes é entusiasta do sistema. “Havia receio sobre a forma como os dados seriam usados, mas todos já perceberam que é necessário ter essas informações para diagnosticar os males do Judiciário e propor os remédios corretos para combatê-los.”

Limpeza eleitoral

Antes de comandar a Corregedoria do CNJ, Asfor Rocha foi ministro-corregedor no Tribunal Superior Eleitoral. Também conduziu decisões que transformaram as regras do jogo político.

A decisão do Supremo Tribunal Federal que institui a fidelidade partidária pela via judicial, por exemplo, nasceu de um voto do ministro, no começo de 2007. Foi ele quem relatou a Consulta que proibiu o troca-troca de partidos e levou as legendas ao Supremo para pedir de volta o mandato dos infiéis. O STF não devolveu os mandatos, mas determinou que a partir da decisão do TSE só poderia trocar de partido quem tivesse bons motivos para isso.

Foi também com base em um voto seu que, nas eleições de 2006, uma decisão acabou com a farra dos candidatos com contas rejeitadas. Pela Súmula 1 do TSE, bastava aos maus administradores ajuizar um processo contestando a rejeição das contas para garantir o registro de candidatura.

Por seis votos a um, o tribunal reinterpretou sua própria jurisprudência. Desde então, para conseguir o registro, o ex-prefeito ou ex-governador com as contas rejeitadas tem de obter a suspensão da decisão administrativa na Justiça comum ou a Justiça Eleitoral deve reconhecer a idoneidade da ação que contesta a decisão do tribunal de contas.

O TSE mudou a orientação ao julgar o registro de um ex-prefeito, candidato a deputado estadual, que teve as contas rejeitadas em agosto de 2003 e dezembro de 2004, mas só contestou a rejeição um dia antes do fim do prazo legal para requerer o registro da candidatura. Não pôde concorrer.

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