Mundo islâmico

No mundo islâmico, muitos conflitos não vão para os tribunais

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1 de setembro de 2008, 15h53

Muitos conflitos que as pessoas do mundo ocidental levariam para os tribunais, nos países do Islã eles chegam a um líder religioso. Com isso, busca-se resolver o conflito sem que haja um perdedor claro. A informação é do professor de antropologia, Paulo Gabriel Hilu Pinto, que ao lado do professor de Direito Internacional Salem Nasser, participou do seminário O Direito e o Islã, na Escola da Magistratura Federal (Emarf), no Rio de Janeiro.

Segundo Paulo Gabriel, o discurso nos países do Islã é o de que os tribunais privilegiam os mais ricos. Ao levar a demanda a um líder, explica, há uma preocupação em manter a honra das pessoas. “Não há interesse em estabelecer a culpa”, afirma.

O professor contou alguns casos. Um exemplo é o de uma viúva que devia dinheiro a um padeiro e não tinha como pagar a dívida. Como ela tinha um filho adolescente, o líder determinou que o rapaz trabalhasse como ajudante do padeiro, recebendo metade do salário. A outra metade serviria para quitar, gradualmente, a dívida.

Outra dívida, dessa vez de três jovens com um comerciante, também foi resolvida com um acordo mediado pelo líder religioso. Os três compraram um caminhão, mas não conseguiram pagar. Assim, o líder estabeleceu que, em vez de devolver o veículo, os três pagariam um quinto da dívida no ato, uma parte dali a seis meses e, por fim, o que restasse do valor depois de seis meses.

Paulo Gabriel falou, ainda, da história de uma mulher que queria muito que o marido instalasse uma antena parabólica em casa. O marido ficou preocupado com o que as duas filhas iam assistir. Para resolver o conflito do casal, o líder lembrou ao marido que a tecnologia é neutra. E, emendou, se a as filhas não são criadas dentro da lei islâmica, que o marido não responsabilizasse a máquina pelas conseqüências.

Fontes da lei

O professor explicou que a Shari´a, lei islâmica, não é a única fonte do Direito nos países do Islã. “A lei é constantemente construída.” Segundo Paulo Gabriel, há uma hierarquia de fontes, em que, primeiro, vem o livro sagrado dos muçulmanos, Alcorão, seguido de tradições organizadas pelo profeta Maomé. Como as fontes textuais não dão conta de resolver todos os conflitos, também há hierarquia de procedimentos na seguinte ordem: uso de analogias, interpretação da lei e, por fim, costumes.

Segundo o professor Salem Nasser, os Estados já não dominam com tanta força a produção do Direito, existindo uma influência mútua entre os países. Há, constata, uma pressão para que exista uma aproximação entre as ordens jurídicas.

Paulo Gabriel explica que há muitas diferenças no modo como cada país aplica suas leis, ainda que o texto básico seja a Shari´a.

Questionado sobre as penas físicas impostas em países como a Arábia Saudita, Paulo Gabriel afirma que a interpretação da lei islâmica, naquele país, passa “ano-luz” dos direitos humanos. Nasser concorda. Segundo o professor, a Arábia está no extremo e resumir o sistema jurídico nos países do Islã ao que acontece lá é o mesmo que resumir o Brasil ao caso da menina de 15 anos presa com homens no Pará. “É resumir em cima do absurdo”, afirma.

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