Cerveja e chope

Cervejarias são acionadas por danos causados à saúde

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28 de outubro de 2008, 15h48

As cervejarias Ambev, Schincariol e Femsa estão no alvo do Ministério Público Federal, em São José dos Campos, interior de São Paulo. Ele entrou com uma Ação Civil Pública contra as empresas em que pede R$ 2,75 bilhões pelo aumento dos danos causados à saúde pelo consumo de cerveja e chope.

A ação foi ajuizada na Justiça Federal de São José, mas o pedido de indenização abrange os danos causados em todo o Brasil. De acordo com o MPF, a ação é baseada em mais de um ano de apurações feitas por Inquérito Civil Público, pesquisas e textos científicos nacionais e estrangeiros.

É o caso, por exemplo, de pesquisas feitas pela Unifesp, com jovens de 12 a 13 anos de São Bernardo do Campo. O estudo concluiu que a maioria dos adolescentes presta atenção nos comerciais, muitos se identificam com eles e acreditam ser verdade o que diz a publicidade, registra o MPF.

O procurador da República Fernando Lacerda Dias, responsável pela ação, apurou que as três empresas, que respondem por 90% do mercado cervejeiro nacional, investem maciçamente em publicidade (quase R$ 1 bilhão só em 2007) para aumentar a venda de seus produtos e, conseqüentemente, seus lucros.

“Essas ações agressivas de publicidade refletem diretamente no aumento do consumo de álcool pela sociedade e na precocidade do consumo. Os jovens começam a beber cada vez mais e mais cedo”, afirmou Dias.

Segundo a ação, os danos individuais e coletivos relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas (aumento de mortes violentas e de homicídios, de problemas de saúde em geral, de dependência química, de acidentes de trânsito, de problemas profissionais, de violência urbana e doméstica, etc) aumentam em razão do maciço investimento em publicidade. Por isso, a necessidade de indenização, avalia o MPF.

O pedido de indenização foi calculado com base em danos mensuráveis (gastos federais no âmbito do SUS e despesas previdenciárias, em razão de doenças ou lesões diretamente relacionadas com o consumo de álcool) e incomensuráveis, no caso os danos individuais e sociais que não podem ser quantificados.

O MPF também pede, para o cálculo da indenização, que sejam computados os danos que acontecerem enquanto a ação tramitar na Justiça. O procurador quer que as empresas sejam condenadas a investir em prevenção e tratamento dos malefícios decorrentes do consumo de álcool no mesmo valor que injetam em publicidade de cerveja e chope.

“A ACP vem complementar os esforços do MPF em reduzir/minimizar os efeitos maléficos produzidos pelo consumo de bebidas alcoólicas”, disse Dias. Em julho, o MPF em Curitiba ajuizou ação civil pública para restringir a veiculação das propagandas de cerveja e demais bebidas alcoólicas com teor acima de 0,5 grau, nas emissoras de rádio e televisão.

“O objetivo desta ação é demonstrar que o aumento dos danos à saúde pública e individual do consumidor, como decorrência da decisão em investir maciçamente em publicidade, é perfeitamente evitável e diretamente relacionada à conduta das empresas-rés, daí seguindo-se o dever de indenizar”, ressaltou o procurador na ação.

Ainda de acordo com a ação, o SUS gastou — entre 2002 e 2006,aproximadamente R$ 37 milhões com tratamento de dependentes de álcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares, como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSas) . Além disso, outros R$ 4, 3 milhões foram gastos em procedimentos hospitalares de internações relacionadas ao uso de álcool e outras drogas no mesmo período.

Dados do Movimento Propaganda Sem Bebida, liderado pela Unidade de Pesquisa em álcool e drogas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo (Cremesp) mostram que o consumo de álcool é responsável por mais de 10% de doenças e mortes no país, provoca 60% dos acidentes de trânsito e leva 65% dos estudantes de 1ª e 2ª grau à ingestão precoce, entre outros problemas.

MPF exagerou, dizem advogados

O advogado Francisco Fragata Jr, especialista em Direito do Consumidor, disse à revista Consultor Jurídico que a ação é um ato exagerado do MPF. Segundo ele, muitas propagandas são maléficas à saúde. Nem por isso o MPF age dessa forma. Citou como exemplo as propagandas que induzem as pessoas a consumirem lanches gordurosos. “Essas propagandas também não deveriam ser restringidas? Elas não ajudam a levar as pessoas à obesidade?”, questionou.

O especialista disse também que não tem como identificar se essas vítimas, mencionadas pelo MPF, foram prejudicadas pelo consumo de cerveja e chope. Isso porque existem milhares de bebidas, com teor alcoólico muito maior, à disposição do consumidor.

Para ele, é evidente que a propaganda aumenta o consumo, mas atribuir só a publicidade ao alcoolismo é um absurdo.

“A preocupação do MPF é um exagero. Se a situação fosse tão alarmante, a ação partiria de Brasília. Não acredito que a ação vá atingir consumidores de todo o Brasil, como diz o procurador”, afirmou Fragata.

Questionado se a União deveria ser citada na ação, já que os estados são responsáveis por autorizar a comercialização da bebida, o advogado disse que a intenção do MPF é restringir a publicidade, não acabar com a venda do produto. “Comercializar não é crime”.

Fragata também ressaltou que se fosse pela lógica do MPF, seria necessário restringir as propagandas de veículos. Motivo: ela também incentiva a compra. “Logo, se há mais carros nas ruas, as mortes por atropelamento têm de aumentar”, comparou.

De acordo com ele, o estímulo puro e simples da publicidade não é sificiente para concluir a conseqüência direta com o alcoolismo. O advogado ressaltou que na questão não há a teoria do risco.

O tributarista Raul Haidar concorda. Para ele, o pedido de indenização é completamente desnecessário. “É uma bobagem”, disse. Ele explicou que, assim como no caso dos cigarros, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) da bebida é altíssimo e chega a mais de 50% do preço do produto. Isso, segundo ele, para subsidiar os possíveis danos causados à saúde dos consumidores.

Haidar reforçou também que as propagandas não obrigam ninguém a beber. “Ela pode estimular sim o consumo, mas por si só não leva um consumidor ao alcoolismo”, finalizou.

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