Poder de decisão

Juízes devem fazer política pública, diz desembargadora

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22 de outubro de 2008, 12h49

Os juízes não são meros funcionários burocráticos dentro do Estado. “A magistratura precisa – e já tarda – ocupar seu lugar político”. A declaração é da desembargadora Cristina Teresa Gaulia, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em palestra na Escola da Magistratura do Rio (Emerj), na semana passada.

Para Gaulia, que é juíza de carreira há 20 anos e há dois é desembargadora, a atividade do juiz é política. Ainda que as decisões sejam seu dever, é possível praticar política pública dentro do que se decide. Segundo a desembargadora, o Supremo Tribunal Federal está dando uma amostra de que o Judiciário é um poder político ao decidir questões importantes, que não deixam de ser políticas.

Um exemplo, mencionado pela desembargadora, de como o juiz pode fazer política pública por meio das decisões são as causas em Varas da Fazenda Pública envolvendo fornecimento de remédio. Cristina Gaulia enumerou algumas determinações possíveis de serem aplicadas pelos juízes, como busca e apreensão em farmácias populares, multas a secretários ligados à saúde e seqüestro de verbas em banco oficial do estado ou município. “Isso é política pública”, constata. Para a desembargadora, esse tipo de atitude pode se estender a vaga em escola ou leito em hospital. “Tudo dentro da lógica do razoável”, observa.

A desembargadora afirmou à revista Consultor Jurídico que a matéria se refere à prova. “Se o Executivo prova no processo que tem cumprido seu papel ou que o que se busca fugiria da lógica do razoável e feriria a reserva do possível, a ação poderá ser julgada improcedente”, explica.

Para Cristina Gaulia, o Judiciário ocupa as lacunas deixadas pelo Poder Executivo. “Nas ações individuais, ele [Judiciário] somente faz atuar uma proposição já existente e garante o direito subjetivo do cidadão a receber o que o Legislativo já preconizou em lei e o Executivo não cumpriu”, constata.

Já em relação às ações coletivas, a desembargadora entende que, se o Ministério Público ou outra entidade legitimada entrar com ação, os juízes tem o dever de determinar que o Executivo faça aquilo que não foi feito.

Questionada sobre a crítica que se faz aos juízes por conta da questão orçamentária dos municípios e estados, Cristina Gaulia afirma que esse é um ponto que reforça as decisões judiciais. “É muito fácil comprovar, com base até na experiência comum – prevista pelo artigo 335, do Código de Processo Civil, que determinada rubrica orçamentária não foi implementada de molde a concretizar a garantia do direito coletivo que está sendo buscado pelo Ministério Público na ação civil pública em questão”.

Tribunal sustentável

A desembargadora Cristina Gaulia também falou sobre sustentabilidade e o modo como os tribunais vêm adotando o conceito de transformar oportunidades o que antes era visto com o risco. Gaulia chamou a atenção para o fato de uma pequena parte do Judiciário, incluindo juízes, desembargadores e servidores, viver em uma “ilha deserta”, sem conhecer as realidades que os cercam.

Para a desembargadora, o Judiciário já tem uma estrutura confortável e com os melhores equipamentos de informática. “Não precisamos tanto de modernização externa. Mas de pensar e relacionar com o mundo”, afirmou.

Gaulia também falou sobre o Código de Ética da Magistratura. Para ela, é desnecessário tal texto já que há o artigo 37, da Constituição Federal. “Precisava de uma decisão do STF afirmando que não pode haver nepotismo?”, questionou. A desembargadora observou que se um juiz ou desembargador permite a contratação de parentes ou amigos desobedece o princípio da impessoalidade. “Jamais vai ter uma equipe plural”, constata. Para Cristina Gaulia, são “raríssimas” as exceções em que se precisa contratar sem concurso público.

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