Segunda Leitura

Segunda Leitura: Polícia, MP e Judiciário se unem contra pedofilia

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

19 de outubro de 2008, 1h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">O crime de pedofilia não está previsto no Código Penal, mas sim no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e consiste em “apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito, envolvendo criança ou adolescente”. A pena é de dois a seis anos de reclusão e multa. No parágrafo 1º, estão previstas outras condutas criminosas e, no parágrafo 2º, formas qualificadas (por exemplo, o agente cometer o crime, prevalecendo-se do exercício do cargo ou função).

A divulgação de fotografias ou imagens, envolvendo crianças e adolescentes, pode ser feita através de pessoas que mantêm estúdios clandestinos e praticam o comércio ilegal do material. São partícipes do delito não apenas os diretamente envolvidos, mas também quem agencia, facilita ou, de qualquer maneira, intermedeia a participação de criança ou adolescente em tal tipo de produção. Esta é a forma mais simples de cometer o crime de pedofilia.

Todavia, mais sofisticada é a prática via internet. O agente pode valer-se de e-mail, sites de relacionamento pessoal ou de programas que compartilham arquivos. Os sites de relacionamento pessoal consistem em páginas com hábitos, interesses e gostos, a fim de que terceiros possam nela ingressar e, assim, formar um grupo com objetivos comuns. A entrada de terceiros, normalmente, deve ser autorizada pelo dono da comunidade. Este grupo pode ter interesses elevados, mas pode, também, dedicar-se à troca de informações, imagens e outros dados envolvendo pornografia com crianças e adolescentes. Os programas que compartilham arquivos permitem que fotografias, imagens ou vídeos sejam vistos por diferentes usuários em diferentes países.

A pedofilia e outras formas de busca do prazer sexual não são privilégio desta época. O instinto sexual é, por certo, o que há de mais insondável no ser humano e o acompanha desde priscas eras. Na Grécia e na antiga Roma, a tolerância era grande. Adriano, talvez o maior de todos os imperadores romanos, era homossexual e, quando da morte do jovem Antínoo, seu amante, decretou luto em todo o Império (Memórias de Adriano, M. Yourcenar, p. 200). No lado oposto, tal conduta foi severamente reprimida na Idade Média e, até hoje, a pederastia constitui crime em vários países, inclusive no Brasil (Código Penal Militar, art. 235).

A Constituição Federal de 1988 assegura a todos a isonomia no tratamento e a inviolabilidade da vida privada (artigo 5º, I e X). Não há mais espaço para discriminação da orientação sexual. Mas esta liberdade de opção sexual de cada um não vai além da própria pessoa. É por isso que a pedofilia não é e nem pode ser permitida. Ela alcança exatamente aqueles a quem o Estado tem o dever de proteger, ou seja, as crianças e os adolescentes.

A lesão que esta conduta pode vir a causar na vítima nem sequer é conhecida pelos juristas. Os profissionais do Direito sabem bem quais as penas para o crime de lesões corporais (CP, artigo 129). Mas nem de longe avaliam as conseqüências psicológicas sofridas por uma criança que pratique sexo, tendo, ou não, consciência de seus atos. Até porque tudo pode eclodir anos depois.

No Brasil, a prática da pedofilia está em alta. Pesquisa na ConJur registra 217 resultados. Mas o fenômeno é internacional. Na imprensa européia, está que “España golpea una red de pedofilia con 18.000 usuários en Internet (El País, 2.10.2008, p. 32). A reportagem impressiona, ao afirmar que os acusados são de idades diversas, de jovens a aposentados, de profissões totalmente distintas, todos do sexo masculino e que, entre 2003 e 2007, cerca de mil pedófilos foram presos.

No caso brasileiro, a situação se agrava por uma falha legal. O artigo 241 do ECA não prevê como crime a posse, armazenagem e aquisição do material. Disto decorre que, por exemplo, aquele que adquire ou guarda tal tipo de material não comete crime algum, por ausência de previsão legal. No Senado Federal, foi aprovado o PLS 00109/2004, criminalizando tais condutas, ainda sem definição na Câmara dos Deputados, agora com o número PL 1.167/2007.

O crescimento da pedofilia pode ser atribuído a dois fatores: a) permissividade maior e censura moral mais fraca; b) facilidade de divulgação através da internet. Esta nova realidade suscita situações e dúvidas novas, algumas jurídicas (o condenado por pedofilia pode, passados cinco anos e apagada a reincidência, CP, artigo 64, I, adotar uma criança?), outras de rotina (vestir meninas de forma sensual contribui para despertar desejos amortecidos em terceiros?), de fundo psicanalítico (o pedófilo é um doente?), econômico (o comércio ilícito movimenta cifras consideráveis), social (na pobreza extrema a família pode incentivar), tecnológico (filmes podem ser feitos através de desenhos animados com figuras humanas) ou mesmo com outra finalidade (denúncias caluniosas conflitos familiares, vinganças, disputas políticas).

A sociedade civil vem se organizando para combater tal prática, através da ONG SaferNet, que tem o apoio do MP Federal, do Instituto Childhood Brasil e do Comitê Gestor da Internet (vide www.denunciar.org.br)

Em suma, a pedofilia (aqui analisada com foco mais na divulgação) é conduta que exige reprovação clara e inflexível da sociedade, uma Polícia moderna, com autoridades e agentes capacitados na matéria e um Judiciário que avalie os casos que lhe submete o MP com o rigor que a situação merece.

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