Instituto parlamentarista

MPs dão a presidente poder que nem ditador teve, diz Cabral

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18 de outubro de 2008, 0h00

A medida provisória é um instituto que só convive com o sistema parlamentarista de governo. Entrou no texto constitucional por existir à época da Constituinte em 1988, uma tendência para o país adotar o parlamentarismo. Quando os constituintes chegaram ao fim das discussões sobre a Carta e o plenário votou pelo regime presidencialista, o relator da Constituição, o então deputado Bernardo Cabral, pediu para que o instituto da Medida Provisória fosse retirado do texto.

“Disse ao senador Humberto Lucena: retire imediatamente as medidas provisórias, porque senão vão dar ao presidente poder que nenhum ditador civil ou militar teve neste país”, contou Cabral à revista Consultor Jurídico. As MPs foram mantidas. Para Bernardo Cabral, com isso, o presidente acaba usurpando poder do Congresso. “Isso está sendo feito a toda hora”, constata.

O ministro Flávio Bierrenbach, do Superior Tribunal Militar, concorda com Cabral. Bierrenbach sustenta que as medidas provisórias são instrumentos de índole fascista, pois surgiram com a Constituição italiana de Benito Mussolini e foi implantada no Brasil na época da ditadura de Getúlio Vargas, sob o nome de decreto-lei. “A medida provisória é ditatorial, abusiva e deixa o Poder Legislativo sem nenhuma expressão”, afirmou.

Professora de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a advogada Ana Paula de Barcellos também concorda que as MPs fazem sentido em um sistema parlamentarista, em que o chefe de governo depende da confiança do parlamento. “Em um presidencialismo como o brasileiro, elas conferem um poder excessivo ao chefe do Executivo”, afirma.

Bierrenbach lembra que o povo já foi chamado para se pronunciar sobre o sistema de governo. “Em duas oportunidades, o povo brasileiro se manifestou que não quer um país parlamentarista, não quer entregar o país a um Congresso que trabalha só uma vez por semana”, afirmou. Entretanto, explica o ministro a Assembléia Constituinte criou institutos que não são próprios do sistema presidencialista. “Ficou um sistema híbrido com várias inviabilidades”, completa.

Além das medidas provisórias, o ministro cita o fato de os ministros de Estado serem escolhidos dentro de outro poder, essência do sistema parlamentarista e não presidencialista. “O princípio de separação dos Poderes não é respeitado”, explica.

Para Ana Paula de Barcellos, para que o sistema parlamentar obtivesse sucesso no país seria necessária uma série de mudanças nos sistemas eleitoral e partidário e nas relações entre Executivo e Legislativo. “Para que um sistema parlamentar funcione de forma adequada, é preciso uma maioria parlamentar razoavelmente estável e uma minoria parlamentar que controle efetivamente o bloco formado pela maioria parlamentar e o governo. Nenhuma dessas duas coisas ocorre hoje no Brasil”, observa.

A advogada também chama a atenção para a tendência não só no Brasil como em outros países em atribuir mais poder ao Executivo. “A realidade contemporânea muitas vezes exige respostas rápidas para situações urgentes que não podem aguardar o ritmo próprio do Legislativo”, explica, exemplificando a recente crise econômica como uma das situações que demanda respostas rápidas.

“Não há dúvida de que a previsão das medidas provisórias foi institucionalmente ruim. Porém, bem pior tem sido o uso abusivo delas pelo Executivo e a omissão do Congresso na defesa de seu próprio espaço institucional”, completa.

O constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Mello também sustenta que a Constituição de 1988 foi elaborada com a perspectiva de se ter o parlamentarismo. Mas, na última hora, foi aprovado o sistema presidencialista. “As Medidas Provisórias ficaram perdidas.”

O sistema parlamentarista já havia sido aprovado na Comissão de Sistematização. “Pela vaidade de alguns, pela impropriedade de outros e desconhecimento de muitos, o parlamentarismo foi derrubado no plenário”, observa Bernardo Cabral. Para ele, bastava olhar para países que, mesmo dizimados pela Segunda Guerra Mundial, adotaram o parlamentarismo e ascenderam, inclusive, economicamente.

Balanço do relator

Para Bernardo Cabral, apesar das críticas a Constituição permite ao pais percorrer pela via democrática. Liberdade de imprensa, funcionamento dos três Poderes, normalidade com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor e com os oito anos de governo Fernando Henrique são, para Cabral, exemplos de que o Brasil avanço no resgate do Estado Democrático de Direito.

Cabral admite que a Constituição precisa melhorar e que os próprios constituintes originários não descartaram essa hipótese, já que previram a possibilidade de modificar o texto. Entretanto, o relator da Constituinte chama a atenção para as mais de 2,5 mil emendas que tramitam no Congresso, a que dá o nome de “canteiro de obras”. Para ele, com algumas exceções, as emendas aprovadas – foram 62 em 20 anos – não visaram melhorar a CF. “Não se pode querer toda hora mudar o texto constitucional a reboque de interesses meramente circunstanciais”, afirmou, constatando que várias emendas foram feitas para dar uma “satisfação” a setores políticos.

Cabral acredita que a grande chance de melhorar a carta de 1988 foi perdida na revisão de 1993. O texto original já previa que a Constituição deveria por uma revisão cinco anos depois de aprovada. “Perdeu-se a grande oportunidade de melhorar o texto constitucional com a revisão que não foi feita”, afirma o relator.

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