Improbidade administrativa

Ação de improbidade administrativa sem provas deve ser rejeitada

Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    é advogado autor do livro 'O Contrato Administrativo'; vice-presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público; membro da International Fiscal Association e conselheiro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social.

17 de outubro de 2008, 16h02

Estas reflexões surgem em decorrência da grave omissão contida no parágrafo 9º, do artigo 17, da Lei 8.429/92, que versa sobre o recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa, por parte do magistrado.

Isso porque, o legislador não foi técnico quando da elaboração da redação do parágrafo 9º, do artigo 17, da Lei 8.429/92, fazendo-a da seguinte forma: “Recebida a petição inicial, será o Réu citado para apresentar contestação.” Em uma leitura mais açodada, poderia o intérprete concluir que o recebimento da petição inicial de uma ação de improbidade não necessita de fundamentação detalhada em relação aos motivos que levaram o magistrado ao seu convencimento, em face da defeituosa (omissão) redação do parágrafo 9º, do citado artigo, da Lei 8.429/92.

Tanto o recebimento, quanto a rejeição da petição inicial por parte do magistrado devem ser extremamente bem analisados e fundamentados, pois implicam na decisão sobre ponto fundamental da lide, após a análise dos fatos narrados e dos elementos probatórios idôneos, que comprovam ou não a prática do ato de improbidade administrativa imputado ao agente público. Em relação à rejeição da ação, o parágrafo 8º, do artigo 17, da Lei 8.429/92 dispõe que: “Recebida a manifestação, o Juiz, no prazo de 30 (trinta) dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, de improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.”

Em decorrência da omissão já apontada na redação do texto do parágrafo 9º, do artigo 17, da Lei sub oculis, deve ser examinado o seu significado perante o ordenamento jurídico, para que se conclua sobre a sua finalidade estabelecida pela lei. Expressões contidas no texto de uma lei, ou até mesmo omissões — como no presente caso —, ainda que à primeira vista pareçam habituais e isentas de quaisquer dificuldades quando de sua aplicação ao caso concreto, devem se integrar ao sentido mais essencial e compreensivo que a redação levada a efeito pelo legislador (texto legal), por certo, quis lhe conferir.

Porquanto, não se apresenta como aceitável, em termos legais e jurídicos, que ao receber a manifestação inicial do agente público que figura no pólo passivo de uma ação de improbidade administrativa (parágrafo 7º, do artigo 17, da Lei 8.429/92), o magistrado somente deva fundamentar a rejeição da ação (parágrafo 8º, do artigo 17, da Lei 8.429/92), deixando de proceder a devida e necessária análise jurídica (fundamentação) quando da sua admissão (parágrafo 9º, do artigo 17, da Lei 8.429/92) e, por conseguinte, determinando a citação dos réus para o oferecimento da contestação.

Faz-se, portanto, absolutamente necessário que o juízo prévio de admissibilidade emitido pelo magistrado quando da admissão da petição inicial seja fundamentado, e não apenas constatado, que, estando em termos a petição inicial seja determinada a citação dos réus.

Tal orientação e conclusão decorre, de igual forma, da disposição contida no artigo 93, IX, da Constituição Federal, que assim estabelece: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;”

Pretendeu o legislador constituinte estabelecer como norma imperativa que todas as decisões judiciais possuam a devida fundamentação ou motivação do respectivo poder competente, conferindo segurança jurídica para todos os cidadãos. Verificando a necessidade da fundamentação das decisões judiciais, assim nos ensina Piero Calamandrei: “A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia da justiça quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado se desorientou.”1

O texto constitucional, portanto, não apenas exige a fundamentação das decisões proferidas pelos membros integrantes do Poder Judiciário, como as declara nulas se desatenderem o respectivo comando. Tal imposição surgiu para que o magistrado, imbuído do poder que lhe foi concedido, explicite previamente as razões de fato e de direito que determinaram seu convencimento de que existe plausibilidade no desenvolvimento de uma ação, não configurando a mesma uma lide temerária.

Portanto, como raciocínio lógico, a fundamentação de uma decisão judicial, prevista inclusive no texto constitucional, deve ser substancial e não apenas formal, sob pena de declarar-se a nulidade absoluta de todos os atos processuais subseqüentes. Segundo Djanira Martins Radamés de Sá, o comando constitucional do artigo 93, IX, da CF, existe para garantir: “(…) a inviolabilidade dos direitos em face do arbítrio, posto que os órgãos jurisdicionais tem de motivar, sob pena de nulidade, o dispositivo contido na sentença.”2


A ausência de fundamentação do despacho/decisão que recebe a ação de improbidade administrativa limita a própria capacidade recursal dos réus, porquanto contra esse ato processual somente pode ser interposto agravo de instrumento para a instância superior, que certamente ficará ceifada de elementos jurídicos para efetuar a reapreciação e revisão da medida jurídica interposta. A evolução da correta e adequada interpretação do artigo 17, parágrafo 9º, da Lei 8.429/962 encontra-se consubstanciada em recente julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça:

“3. A exegese Pós-Positivista, imposta pelo atual estágio da ciência jurídica, impõe na análise da legislação infraconstitucional o crivo da principiologia da Carta Maior, que lhe revela a denominada “vontade constitucional”, cunhada por Konrad Hesse na justificativa da força normativa da Constituição.

4. Nesse segmento, a interpretação do parágrafo 7°, do artigo 17, da Lei 8.429⁄92 não pode se distanciar dos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due process of law, oportunizando ao agente público, acusado da prática de ato ímprobo, o oferecimento de manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias, notadamente porque a inserção do contraditório preambular, inserto no mencionado dispositivo legal, além de proporcionar ao acusado o exercício da ampla defesa e do contraditório, possibilita ao magistrado na fase posterior, cognominada “juízo prévio de admissibilidade da ação”, proceder ao recebimento da petição inicial ou a rejeição da ação civil pública de improbidade (parágrafos 9º e 10, do artigo 17, da Lei 8.429⁄92).

5. Sobre o tema leciona Marino Pazzaglini Filho, litteris: ‘(…)Trata-se, na essência, de um procedimento especial preambular, estabelecendo um juízo prévio ou julgamento preliminar da ação civil de improbidade (petição inicial), e seguida ao recebimento da defesa prévia do requerido, à semelhança do que acontece no procedimento criminal, de rito especial, relativo aos crimes imputados a funcionários públicos que estejam no exercício de suas funções (artigos 513 a 518 do CPP). Dentro desse procedimento, cabe ao juiz, completado este contraditório vestibular, em decisão fundamentada, receber a petição inicial ou rejeitar a ação, se convencido, ou não, da existência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita (parágrafos 8º e 9º). Violar esse regime processual singular é violar a garantia da ampla defesa (artigo 5º, LIV, CF). omissis. Considerando a inicial em devida forma, o magistrado ordenará sua autuação e a notificação do requerido para manifestação por escrito, dentro do prazo de 15 dias, sobre os termos da ação proposta, cuja defesa pode ser instruída com documentos e justificações (parágrafo 7º).

Trata-se, pois, de chamamento inicial do requerido para oferecer defesa prévia contra a ação proposta. A inobservância do disposto no parágrafo 7º do art. 17 da LIA, vale dizer, a falta de notificação do requerido para apresentação de defesa preliminar, antes do recebimento da petição inicial da ação civil de improbidade administrativa, configura nulidade absoluta e insanável do processo, que não se convalida pela não-argüição tempestiva, porque afronta ao princípio fundamental da ampla defesa. Após a fase de apresentação da defesa prévia do requerido ou superado o prazo para o seu oferecimento, vem a fase de ‘juízo prévio da admissibilidade da ação’, ou seja, o juiz, em decisão fundamentada preliminar, recebe a petição inicial ou rejeita a ação civil de improbidade (parágrafos 8º e 9º do artigo 17).(…). 6. Recurso especial provido.”3

O cumprimento correto, de forma jurídica, das disposições contidas nos parágrafos 7º, 8º, 9º e 10º, do artigo 17, da Lei 8.429/92 faz-se imperioso, pois obstaculiza a tramitação indevida de uma nefasta ação de improbidade administrativa, que, uma vez recebida sem fundamento legal, possui o condão, entre outros, de ferir a honra objetiva e subjetiva de um cidadão de bem. Isso porque, como a Lei 8.429/92 não estabeleceu, como deveria ter ocorrido, qual é o conteúdo do núcleo dos tipos de atos de improbidade administrativa, partindo apenas e tão somente de seus tipos, se a ação não for bem analisada, quando do seu recebimento, ela poderá ser utilizada inclusive como “pano de fundo” para “disputas de natureza político-partidária”, como afirmado pelo Ministro João Otávio de Noronha, no julgamento do AgRg na MC 8.089/SC, verbis:

“O Superior Tribunal de Justiça tem admitido o manuseio da medida cautelar, nos termos do artigo 288 do seu Regimento Interno, para conferir efeito suspensivo a recursos desprovidos de tal eficácia. Todavia, trata-se de medida de caráter excepcional, só deferível quando satisfeitos os requisitos dos artigos 798 e 799 do Estatuto Processual Civil, cabendo à parte demonstrar, cabalmente, a caracterização dos pressupostos específicos para sua concessão, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. No caso dos autos, vislumbro, em sede de cognição sumária, a plausibilidade do direito vindicado nos autos, porquanto não me parece razoável que, a pretexto de se imprimir ao feito o rito de maior complexidade, a teor do artigo 292, parágrafo 2º, do CPC, se despreze regramento que visa a assegurar à parte o devido processo legal.


Ademais, se havia dúvidas a respeito do procedimento a ser observado nas ações visando a reparação de danos causados por atos de improbidade administrativa, essas dúvidas refluíram após a edição da MP 2.088⁄2001, que introduziu os parágrafos 6º a 12º ao artigo 17 da Lei 8.429⁄92, suficientemente claros ao assegurar à parte o direito de prestar seus esclarecimentos antes de instaurada a relação jurídica processual. Confira-se: parágrafo 7º “Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias”. Parágrafo 8º “Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.” Parágrafo 9º: “Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.” Parágrafo 10º: “Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento”. O periculum in mora decorre naturalmente da não-observância do procedimento em referência, cuja finalidade outra não é senão a de proporcionar ao agente público acusado de improbidade a mais ampla possibilidade de defesa, tendo em vista a especificidade de suas atribuições, máxime em se tratando de prefeito, circunstância em que acusações da espécie – má-conduta no trato da coisa pública –, não raro, tem como pano de fundo disputas de natureza político-partidária.

Ante o exposto, configurados os pressupostos específicos da ação cautelar, defiro a liminar para atribuir efeito suspensivo ao recurso especial interposto pelo requerente.

Esclareça-se, por fim, que o exame do periculum in mora, tal como promovido no bojo da decisão agravada, longe de centrar-se em questões vinculadas aos interesses exclusivamente pessoais do agravante, procurou divisar os interesses mais nobres da comunidade que o elegeu, a mais prejudicada pela possível desestabilização da máquina administrativa local.”4

Destarte, a inobservância do dever de fundamentar a decisão que recebe a ação de improbidade administrativa viola o princípio do contraditório, além de cercear a defesa do agente público que figura como réu na relação processual, em decorrência de que a instância a quem não possui elementos jurídicos para reavaliá-los, em face da omissão do magistrado singular.

Ora, qual é o objetivo da apresentação de manifestação por escrito do agente público requerido (Parágrafo 7º, do artigo 17, da Lei 8.429/92) em uma ação de improbidade administrativa?

Não resta dúvida que a finalidade da norma é estabelecer uma filtragem das respectivas ações que possuam origem na Lei 8.429/92, para que as mesmas não se configurem temerárias e inócuas, com a banalização da própria probidade que deve se manter intacta, até mesmo quando do exercício da jurisdição. Somente uma ação que possua base e sustentação sólida, instruída com documentos ou justificações que contenham provas suficientes da existência da prática do ato de improbidade administrativa é que deve ser recebida e ter o devido processamento perante o Poder Judiciário.

Porquanto, as ações temerárias ou de cunho político, que servem apenas para caluniar, difamar, injuriar ou até mesmo alijar o agente público de uma merecida ascensão funcional, através de nomeações para cargos de chefia ou cargos políticos, devem ser rejeitadas de plano, através de decisões judiciais fundamentadas. Essa obrigatoriedade de fundamentação da decisão (artigo 93, IX, da CF) quando o juiz rejeita a ação, não se esvai quando ele a admite, pois mesmo não sendo exauriente a sua decisão, através de um prévio juízo de admissibilidade, o autor deve demonstrar, pelo menos em tese, a verossimilhança de suas alegações com a apresentação de provas, que devem instruir a petição inicial.

Pensar de modo diverso seria olvidar o embasamento sólido e seguro que deve prevalecer nas ações de improbidade administrativa, que não podem ser manejadas de forma irresponsável. Sobre o tema afirmamos em obra de nossa autoria:

“A jurisdição é o poder que nasce direcionado para o Estado, para que ele possa fazer valer a regra jurídica, uma vez que, através do Poder Judiciário, é o responsável pela estabilização das relações sociais, do cumprimento obrigatório das leis. Assim, quando o Poder Público, responsável pela jurisdição, alça a condição de autor de ação judicial, ele terá que ter como finalidade a manutenção do postulado ético-jurídico da lealdade processual, onde o processo não poderá ser manipulado para viabilizar o abuso de direito. In casu, o abuso de direito se verifica quando o Poder Público exerce a sua faculdade de acionar agente público, com base na Lei de Improbidade Administrativa, sem que haja um mínimo de indício da prática de um ato devasso.


Para situarem-se no campo da normalidade e da licitude, não basta a parte estar legitimada pela legislação para utilizar-se da via judicial, pois é necessário um mínimo de materialidade de determinado fato ilícito/devasso, sob pena de estar caracterizada a intenção de causar mal a outrem. Ainda mais quando se verifica que a Lei de Improbidade Administrativa causa danos irresgatáveis para os agentes públicos injustamente processados. Mesmo que o agente público seja inocentado a posteriori, ao término da morosa lide, o dano à sua imagem e a moral ficam entranhados no meio social que ele convive, pois a cada dia que passa existe a dor de quem se vê alçado à injusta condição de réu. Por essa razão, a ação de improbidade administrativa deve ser proposta após a inequívoca evidência de que a irregularidade funcional vislumbrada, em tese, constitui ato de devassidão, enquadrável na Lei 8.429/92.”5

O exame eficiente, acurado e profícuo das razões aduzidas na petição inicial, cotejadas com os documentos que a instruem, quando confrontadas com a manifestação inicial apresentada pelo agente público, exigem um prévio juízo de valor técnico/jurídico do magistrado, em proeminência da segurança jurídica que permeia nosso Estado Democrático de Direito.

O instituto da defesa preliminar é previsto, inclusive, no direito processual penal para os funcionários públicos (CPP, artigo 514), quando da prática, em tese, de crimes contra a administração pública, antecedendo ao recebimento da denúncia com a finalidade de possibilitar ao acusado o direito de não sê-lo mais, através do arquivamento de uma irresponsável persecução penal.

A exegese da manifestação preliminar por parte do agente público que é alçado ao pólo passivo da ação de improbidade administrativa, trata-se de um dos corolários do princípio mais amplo do due process of law, no sentido de ser oportunizado ao acusado da prática de ato ímprobo, o oferecimento de uma defesa antecedente, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de 15 dias, consoante disposto no parágrafo 7º, do artigo 17, da Lei 8.429/92.

Obviamente, que havendo mais de um agente público acusado, com patronos diversos, o prazo legal conta-se em dobro, em face ao estabelecido na Lei Adjetiva Civil, utilizada subsidiariamente à Lei 8.429/92. Essa providência legal possui duas finalidades. A primeira é aquela que proporciona ao agente público acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa, ao passo que a segunda consiste, justamente, na apreciação por parte do magistrado, que através de uma cognição inicial, exercita o juízo prévio de admissibilidade da ação.

Em sendo assim, a decisão proferida pelo magistrado, tanto no sentido de rejeitar, quanto no de receber a ação de improbidade administrativa deve ser necessariamente fundamentada e extremamente bem delineada, sob pena de nulidade absoluta do processo.

Da nulidade absoluta e insanável da ação de improbidade administrativa

A nulidade absoluta e insanável do processo ocorre em face da ausência ou da exígua fundamentação da decisão proferida pelo magistrado que admite ou rejeita a ação de improbidade administrativa. Essa conclusão decorre, por óbvio, do disposto no inciso IX, do artigo 93, da CF, em decorrência de que ele comina a penalidade da nulidade para todos os julgamentos e decisões dos Órgãos do Poder Judiciário, que não observem a publicidade e fundamentação que deve necessariamente existir por parte do magistrado ou do colegiado votante.

Não resta dúvida que essa garantia constitucional objetiva resguardar outra, qual seja, o direito de defesa por parte daquele que se vê acusado. Como muito bem averbou a ministra Nancy Andrigui,

“o cânone hermenêutico que exige que a decisão judicial seja fundamentada é aquele que visa possibilitar uma interpretação sólida, segura e coerente de um todo jurídico, onde as partes, mesmo não concordando, tenham a possibilidade de manejar seus recursos, perfazendo a regra da ampla defesa: (…)

A nulidade só alcança decisões ausentes de motivação, não aquelas com fundamentação sucinta, mormente quando possibilita o amplo direito de defesa por parte daquele que se sentiu prejudicado. – O cânone hermenêutico da totalidade faz com que a interpretação da decisão judicial seja feita como um todo em si mesmo coerente, e não a partir de simples frases ou trechos isolados.”

Ademais, a ausência ou a má fundamentação de uma decisão judicial, traz para a parte na ação de improbidade administrativa o grave prejuízo de não ter identificado contra si os elementos objetivos, subjetivos, normativos e jurídicos, que foram levados em consideração pelo magistrado quando da sua admissão no pólo passivo da relação processual.

Não se defende a aplicação do rigor formal do texto constitucional e, sim, o inolvidável dever do magistrado em demonstrar seu convencimento jurídico e fático, mesmo que em sumaria cognito, dos fundamentos que o convenceram da plausibilidade da ação de improbidade administrativa, e portanto, recebendo-a, para que tenha o devido prosseguimento.

Em sendo assim, eivada pela nulidade absoluta e insanável resta a decisão que não está fundamentada, de maneira legal e plausível, demonstrando quais foram os motivos jurídicos que serviram de embasamento para o magistrado legitimar seu prévio juízo de admissibilidade da ação de improbidade administrativa e determinar a posteriori a citação dos réus.

Conclusão

Pelo exposto, concluímos que apesar da redação do parágrafo 9º, do artigo 17, da Lei 8.429/92 ser falha e omissa, em submissão ao disposto pelo inciso IX, do artigo 93, da Constituição Federal, quando o magistrado, em seu prévio juízo de admissibilidade, decide pelo recebimento da ação de improbidade administrativa, deve apresentar uma segura e plausível fundamentação jurídica, para que as partes possam exercitar o seu direito de defesa e tomar conhecimento dos fundamentos legais e jurídicos que levaram o magistrado a proferir tal decisão, e de conseqüência, determinar o prosseguimento da referida ação judicial.

Não havendo a devida, necessária e imperiosa fundamentação da decisão proferida pelo magistrado, que recebe a ação de improbidade administrativa, com a inequívoca demonstração legal e jurídica das razões que o levaram a acatar os fatos narrados na petição inicial da ação de improbidade administrativa e documentos anexados, a conseqüência é a declaração da nulidade absoluta e insanável desse ato processual, a fim de que a parte interessada possa exercitar seu direito de defesa e tomar conhecimento dos fundamentos que ela terá que rebater, quando da interposição do recurso cabível (agravo de instrumento) contra o referido ato processual.

Notas de rodapé:

1—CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os Advogados. 9. ed. São Paulo: Clássica Editora, s./a., p. 78.

2—SÁ, Djanira Martins Radamés de. Teoria Geral do Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 27.

3— STJ. Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, REsp 883.795/SP (2006/0195922-2), 1ª T., DJ de 26 mar. 2008.

4— STJ. Rel. Min. João Otávio de Noronha, voto no AgRg na MC nº 8089/SC, 2ª T., DJ de 30 jun. 2004, p. 280.

5. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa – O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92. 3. ed., revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 891-892.

6 — STJ. Min. Nancy Andrigui, REsp 782901/SP, 3ª T., DJ de 20 jun. 2008.

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    é advogado, autor do livro 'O Contrato Administrativo'; vice-presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público; membro da International Fiscal Association e conselheiro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social.

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