Peso e contrapeso

Senado analisa projeto que revoga a Lei de Imprensa

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15 de outubro de 2008, 20h27

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado vai analisar o Projeto de Lei que revoga a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67). A proposta foi apresentada no dia 7 de outubro pela senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) por causa da liminar do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu parte da lei.

Segundo a senadora, a decisão do STF trouxe à tona o debate sobre a aplicação da liberdade de expressão. Em setembro deste ano, o Supremo renovou a revogação por mais seis meses ao dar nova liminar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130-7.

Serys lembra que a Lei de Imprensa foi editada na época da Ditadura Militar e, por isso, é preciso de uma norma que regule a liberdade de expressão de forma mais adequada à atual realidade da sociedade brasileira.

Pela proposta da senadora, o direito de resposta dado pela Justiça deve ser publicado três vezes para cada informação publicada. Além disso, o projeto possibilita o aumento do valor da indenização pelo juiz mesmo que a parte não peça.

Na justificativa, Serys explica que essas alterações visam criar mecanismo de peso e contrapeso a uma garantia de informação que, como lembra a senadora, não é absoluta.

“Havendo dolo ou fundada má-fé, mediante prova colhida em instrução processual, a malversação desse fundamental direito de expressão deve merecer severa reprimenda, capaz de reprimir práticas desse jaez”, alerta a senadora.

Serys sustenta, ainda, que a prerrogativa de imprensa livre deve estar associada à responsabilidade dos jornalistas. Por outro lado, a senadora explica que, no âmbito criminal, somente a hipótese de dolo poderá ser reclamada em juízo, a fim de evitar que o jornalista trabalhe com receio de que uma imprudência possa lhe trazer sanções criminais.

Para a Associação Nacional de Jornais (ANJ), o projeto é uma aberração jurídica. “É um aleijão jurídico. Contraria as normas mais básicas do direito”, diz o assessor de comunicação da ANJ, Ricardo Pedreira. O projeto da senadora também foi criticado pela Associação Brasileira de Imprensa, que o classificou como uma “hostilidade à liberdade de informação”; e pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), para quem a proposta “tem o objetivo de engessar o jornalismo”.

Leia a proposta

Projeto de Lei do Senado 357, de 2008

Dispõe sobre a liberdade de expressão e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Todos são livres para expressar, por qualquer meio de comunicação e assegurado o sigilo de fonte, quaisquer informações, idéias, pensamentos, críticas e opiniões, sem espécie alguma de censura prévia no âmbito administrativo, respondendo, todavia, o autor e o órgão de divulgação pelos excessos ou abusos disso decorrentes, vedado o anonimato.

Art. 2º Em caso de condenação judicial ao pagamento de indenização por danos civis em decorrência de abuso da liberdade de expressão, a sentença que reconhecer o dolo na veiculação da matéria publicada poderá, ante as circunstâncias do caso, até decuplicar o valor da indenização, independentemente de pedido nesse sentido.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese de procedência de ação por abuso da liberdade de expressão, a respectiva sentença deverá ser divulgada, às expensas do ofensor, no mesmo veículo de comunicação em que ocorreu o agravo, pelo triplo de vezes da sua ocorrência, podendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos.

Art. 3º A reprodução de material obtido com autorização judicial, mas em segredo de justiça, constitui abuso do direito de informar, sujeitando-se o infrator aos acréscimos em decorrência da existência de dolo, a que se refere o caput do art. 2º, bem como às despesas de publicação da respectiva sentença, no mesmo veículo de comunicação em que se cometeu a ilegalidade, pelo décuplo de vezes de sua ocorrência, podendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos.

Parágrafo único. No caso de veiculação de material obtido sem autorização judicial, os valores da condenação por danos civis serão multiplicados, obrigatoriamente, por cinqüenta, e a sentença publicada por cinqüenta vezes a ocorrência da ilegalidade, às expensas do infrator, podendo o valor correspondente ser liquidado e executado nos próprios autos.

Art. 4º O segredo de justiça imposto aos autos de processo de qualquer natureza não poderá durar mais que dez anos do trânsito em julgado da respectiva decisão.

Art. 5º Os crimes contra a honra praticados no âmbito da imprensa processam-se nos termos do Capítulo III da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, só respondendo o agente pelo crime de calúnia.

Art. 6º Na hipótese dos crimes de injúria e de difamação cometidos no âmbito da imprensa, os agentes só respondem criminalmente caso fique demonstrado que a informação veiculada não atende, a critério fundamentado do juiz, ao interesse público.

Art. 7º A ação de direito de resposta por abuso do exercício da liberdade de expressão deve ser processada e julgada em juízo cível da localidade onde foi veiculada a matéria, do local de sua repercussão, ou no foro do domicilio do autor.

Art. 8º Fica revogada a Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.

JUSTIFICAÇÃO

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu a eficácia de uma série de disposições da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) trouxe à tona o debate em torno da aplicação do preceito constitucional da liberdade de expressão e pensamento.

O autêntico Estado de Direito pressupõe que a liberdade de expressão e pensamento não pode sofrer limitações de ordem política, sob qualquer forma de censura prévia, estando em plena consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o qual, ainda que por liminar, suspendeu a aplicação de uma série de artigos da Lei 5.250/67, de que trata a ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130/D.F., proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), por intermédio do eminente e sempre combativo Deputado Federal Miro Teixeira. Dentre os vários méritos que tem a referida ação, destaca-se a tentativa de aprimorar o ordenamento jurídico, como de igual forma se faz através da proposição que se encaminha.

Por outro lado, a maior atividade fiscalizadora, investigatória e punitiva desenvolvida pelo Estado-juiz nos últimos tempos não pode afastar, em absoluto, garantias constitucionais fincadas, por exemplo, nos princípios da inocência, do contraditório regular e substancial e da individuação/dosimetria da pena.

Mas também não pode servir de obstáculo ao exercício de um direito elevado à garantia fundamental, que é a liberdade de trânsito da informação e expressão do pensamento, qualquer que seja seu matiz ideológico, ou sua forma de manifestação, inadmitida a censura prévia.

Deve ser civil e criminalmente responsabilizado, claro, todo aquele que cometer excesso ou abuso, assim entendido toda e qualquer forma de transgressão aos preceitos de ordem legal ou moral; mesmo porque não existe exercício absoluto de direitos.

Nessa toada, percebe-se que o projeto de lei ora proposto tenta simplificar relações que, segundo eminentes juristas, sequer deveriam ser reguladas por lei. Todavia, não nos parece seja essa a tradição legislativa existente no Brasil, haja vista que se encontram no nosso ordenamento jurídico grande quantidade de leis, algumas das quais “pegam”, outras nem tanto.

Preocupamo-nos, ao elaborarmos a presente matéria, em distinguir bem a situação em que o dano é considerado pela perspectiva da conduta e dos interesses que porventura possam ocorrer pela malversação de tão fundamental e importante liberdade, de forma que estamos propondo que a responsabilidade civil continue a ser subjetiva nesses casos, a despeito da evolução legislativa que se tem observado ultimamente, fazendo-se supor que tal medida iria de encontro aos avanços e a algumas conquistas fundadas na responsabilidade sem culpa. Entretanto, pensamos não ser este o caso, em se tratando de liberdade de imprensa.

Não se discute – e quanto a isso não parece haver dissensão – a respeito do fundamental papel que a imprensa livre exerce no controle da democracia. Referimo-nos ao jornalista que, naquele momento, ante a um fato (de qualquer natureza), se veja no dilema de decidir entre o dever de informar (respaldado pela liberdade de expressão, que, no nosso entender, é mais dos cidadãos que propriamente das empresas de comunicação) e a preservação da integridade imaterial (moral e de imagem) de quem quer que seja. Nesses casos, deve o profissional da comunicação saber dosar a necessidade de apuração e corroboração da informação, mesmo que seja tentando, minimamente, ouvir “o outro lado”, à vista, sempre, da supremacia do interesse público, que, repetimos, parte da regra que tem de ser veiculada toda e qualquer informação de interesse da coletividade.

Nada além, a propósito, do que já se faz nas redações dos grandes jornais deste País, como também do que já consta de seus respectivos manuais.

Queremos dizer que defendemos uma imprensa livre, mas também responsável. Não correspondendo a notícia à verdade e ao interesse público, e causando dano a particular, deverá ser atribuída uma indenização a quem reclamar perante o Judiciário. Por culpa, nos moldes já hoje praticados. A inovação fica por conta do dolo e da má-fé, apuráveis segundo o livre convencimento motivado do magistrado, por ocasião da prolação da sentença e ante as provas constantes dos autos.

Portanto, a intenção do caput do art. 2º deste projeto é criar mecanismo de peso e contrapeso a uma garantia de informação que, por óbvio, não é absoluta, nem nos regimes mais fundamentalistas.

Havendo dolo ou fundada má-fé, constatados, naturalmente, a partir de prova colhida em instrução processual, a malversação desse fundamental direito de expressão deve merecer severa reprimenda, capaz de inibir práticas desse jaez. Desse modo, propomos que o valor da sentença possa ser até decuplicado, a critério do juiz da causa, independentemente de pedido.

Em caso de divulgação de material, reprodução total ou parcial de elementos de prova obtidos com autorização judicial, em processo que tramitou ou tramita em segredo de justiça, a violação do sigilo constitui infração gravíssima. Daí a razão de a condenação dever ser, necessariamente – ou seja, independentemente de critério avaliativo e tão só pela natureza do caso – multiplicado por dez, como também por dez vezes deverá ser publicada a sentença em razão de cada agravo, já considerada aqui a avaliação do juiz em até decuplicar o valor inicialmente formulado.

Outrossim, é natural que, na hipótese mais grave ainda de veiculação de material obtido sem autorização judicial, os valores em referência aumentem para cinqüenta vezes.

O mesmo se diga da publicação integral da decisão judicial (de qualquer esfera) – já salientando que permanece hígido o direito constitucional de resposta (art. 5º, V, CF) – só que, aqui, a quantidade (três vezes) já é apontada como determinada por lei, ao invés de se submeter ao critério do juiz.

A mesma justificativa para aumento dos valores da condenação para o caso de divulgação de material em segredo de justiça ou obtido sem autorização judicial serve para explicar as hipóteses de majoração das vezes de publicação da sentença.

As despesas, por óbvio, correm à conta do ofensor e do órgão responsável pela veiculação.

No âmbito criminal, somente a hipótese da calúnia deverá ser objeto de persecução criminal, não podendo o jornalista trabalhar com o receio de que um deslize, especialmente com base na culpa (imprudência, negligência ou imperícia), possa lhe trazer sanções criminais.

Por tais razões, esperamos contar com o apoio dos ilustres pares para a aprovação dessa matéria.

Sala das Sessões,

Senadora SERYS SLHESSARENKO

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