Capacidade contributiva

Valor do tributo deve observar situação econômica do herdeiro

Autor

  • Simone de Sá Portella

    é procuradora do Município de Campos dos Goytacazes (RJ). Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC e professora de Direito Constitucional.

7 de outubro de 2008, 0h00

No Recurso Extraordinário 562.045/RS, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, discute-se a aplicação do princípio tributário da progressividade no ITCD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, de competência dos Estados (art. 155, I, da CF).

Na sessão do dia 17 de setembro de 2008, o ministro Eros Grau, em voto-vista, sinalizou em sentido positivo. Argumentou que, o parágrafo 1º, do artigo 145, da Constituição Federal, ao se referir ao princípio da capacidade contributiva, se aplica a todos os impostos. A redação do dispositivo é a seguinte:

“§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Assim, segundo o ministro Eros Grau, independente da natureza do tributo, se real ou pessoal, deve haver considerações acerca da capacidade contributiva.

Impostos de natureza real são os que visam à matéria tributável, sem considerações acerca da pessoa do contribuinte, como se dá nos tributos indiretos, em que a carga tributária é transferida do contribuinte de direito para o contribuinte de fato. Nesse caso, citam-se como exemplos, o IPI e o ICMS.

Os impostos ditos pessoais são instituídos em relação à pessoa do contribuinte. Coincidem com os impostos diretos, que não repercutem. Cite-se o exemplo do Imposto de Renda.

Capacidade contributiva, também chamada capacidade econômica, significa a aplicação no Direito Tributário do princípio constitucional da isonomia, sinalizando justiça na tributação, na medida em que os que mais possuem devem arcar em maior quantidade com os encargos fiscais.

Concordamos com o ministro quando afirma que a capacidade contributiva diz respeito a todos os impostos. No entanto, não é sempre que a progressividade irá revelar a isonomia tributária; há outras manifestações da capacidade econômica, em outros princípios previstos na Constituição.

Assim sendo, existem impostos que se coadunam com o princípio da proporcionalidade, que possui a mesma alíquota, desvinculada do aumento e da diminuição da base de cálculo. E, para os tributos indiretos, se aplica o princípio da seletividade. Em ambas as hipóteses se exclui de plano a progressão.

Foge ao objetivo deste trabalho analisar a diferença entre progressividade e proporcionalidade, e quando deve ser aplicada uma ou outra. Aqui nos limitaremos a dizer a existência delas, e se ater na análise da progressividade no ITCD.

Considerando que, a capacidade econômica do contribuinte deve ser observada em todas as espécies de impostos, devemos observar a classificação dos mesmos, para aplicar, conforme o caso, um dos seguintes princípios: proporcionalidade, progressividade e seletividade.

A progressividade, como princípio da capacidade contributiva, derivada da isonomia, significa que as alíquotas aumentam quando há crescimento da base de cálculo. Assim, possibilita maior carga tributária para rendimentos maiores.

A posição do ministro se coaduna com a melhor doutrina, pois as transmissões gratuitas por causa mortis ou por doação devem se ajustar à capacidade econômica dos contribuintes. Assim, a quantificação do tributo deve levar em conta o valor dos quinhões dos herdeiros e das parcelas recebidas em gratuidade. Nesse sentido se posiciona Ricardo Lobo Torres:

“O imposto pessoal e progressivo deve incidir por alíquotas diferenciadas na razão direta do valor dos bens e direitos da herança ou da doação e do afastamento do herdeiro, legatário ou donatário da pessoa do autor da herança ou do doador. Quanto mais próximo o parente e menos valorizado o bem, menor será a alíquota; quanto mais elevado o valor do bem e longínquo o laço de parentesco, tanto mais severa será a tributação. Na Alemanha, por exemplo, a alíquota mínima é de 3% (quando se tratar de filhos que recebam bens até 50.000 marcos) e a máxima, de 70% (nos casos de estranhos com direitos superiores a 100.000.000 de marcos)1”.

Conforme o autor citado, o princípio da pessoalidade, previsto no artigo 145, parágrafo 1º, da CF justifica o aumento ou a diminuição da tributação, não só em relação ao valor dos bens, mas também considerando a proximidade e o distanciamento do herdeiro, legatário ou donatário com o autor da herança ou da doação. A tributação, nesse sentido, se aproxima dos direitos humanos, dentro do postulado Kantiano que a pessoa é o fim em si mesmo, e todo o ordenamento jurídico deve se pautar na dignidade humana, não podendo, o direito tributário se afastar desses valores. Nesse sentido, o vínculo de afetividade que une os sujeitos da relação de transmissão, deve ser considerado como elemento justificador de redução tributária, não podendo, o Poder Público se afastar dessa premissa para invocar, de modo infundado, o postulado da supremacia do interesse público sobre o privado.

Ocorre que, a Constituição Federal inviabilizou a pessoalidade e a progressividade do ITCD, ao determinar, no inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, que as alíquotas máximas desse imposto devem ser fixadas pelo Senado Federal2.

Entretanto, se prevalecer a posição defendida pelo ministro Eros Grau haverá uma mudança na jurisprudência do STF que, atualmente, não admite a progressividade sem permissão constitucional3.

Ressalte-se que o IPTU com a redação dada pela Emenda Constitucional 29, de 13 de setembro de 2000, passou a admitir a progressividade em razão do valor do imóvel (art.156, § 1º, I, da CF), de modo a afastar qualquer objeção contrária. No entanto, apesar da exegese clara, a constitucionalidade da progressividade fiscal desse tributo, ainda pende de decisão no STF, no Recurso Extraordinário 423.768/SP. Por enquanto, a única progressividade aceita do IPTU, sem discussão, é a extrafiscal, prevista no artigo 182, parágrafo 4º, II, da CF.

Assim sendo, só há dois caminhos. Ou o STF, em uma interpretação evolutiva, passa a admitir a progressividade do ITCD, o que conseqüentemente levará a declarar a constitucionalidade do IPTU, com base no valor do imóvel, objeto do RE 423.768/SP. Ou, deve-se pressionar a edição de uma Emenda Constitucional que, expressamente, declare a possibilidade de progressividade do ITCD, bem como a exclusão da atribuição do Senado Federal para fixação de alíquotas máximas.

Pensamos que esta última hipótese é a melhor solução, pois em uma interpretação sistemática, não parece ser vontade do constituinte, conceder a progressividade ao ITCD. Isso porque, todas as hipóteses de progressividade estão discriminadas na Carta Magna, não havendo lugar para uma interpretação extensiva. Ademais, abrir exceção para o ITCD, levará a aplicação da progressividade a outros impostos, não contemplados por esse princípio de modo expresso, o que pode causar situações de injustiça fiscal. É certo, como exposto acima, que há outras formas de se revelar a justiça na tributação sem ser pela progressividade, tendo em vista que nem sempre a elevação da alíquota de acordo com o aumento da base de cálculo levará à aferição da capacidade econômica do contribuinte.

Notas de rodapé

1. Torres, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Volume II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. P. 327.

2. Sobre o tema, Ricardo Lobo Torres, Op. Cit, P;P. 327/328, e Curso de Direito Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro, Renovar: 2008, p. 94.

3. Nesse sentido: AI-AgR 422537-4/MG, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ: 16/05/2008; decisão extraída do site www.stf.gov.br, acesso em 25/09/2008

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