Sigilo ameaçado

Juízes e operadoras não se entendem sobre Lei de Interceptação

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6 de outubro de 2008, 13h50

Muitos juízes brasileiros entendem que monitorar o telefone do cidadão é, de fato, a melhor maneira de combater o crime organizado e a corrupção. No entanto, muitos deles agem nessa matéria como se não conhecessem a Lei de Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/96).

Um juiz de Vara de Infância e Juventude, por exemplo, determinou que uma operadora de telefonia permitisse a interceptação de ligações no celular de um adolescente, por suspeitas de que ele cometia crimes. A lei, logo no início, em seu artigo 2º, diz que essa medida só pode ser tomada em casos de crimes punidos com reclusão. Um menor infrator não pode ser punido com reclusão. A operadora não cumpriu a determinação.

É comum também juízes de Juizados Especiais Cíveis e de varas trabalhistas pedirem às empresas de telefonia os dados de seus clientes, quebra do sigilo telefônico e extratos de ligações feitas e recebidas. Titulares dos juizados especiais e varas trabalhistas não têm competência para dar esse tipo de determinação. O primeiro artigo da Lei 9.296/96 diz que o grampo autorizado pode ser feito “para prova em investigação criminal e em instrução processual penal”.

Diante do descontrole judicial e dos excessos, as operadoras de telefonia ficam em situação complicada. Colocadas na posição de guardiãs do sigilo das ligações de seus clientes, não sabem se cumprem as ilegais ordens judiciais que chegam, quase que diariamente, ou se mantêm o sigilo do cliente, correndo o risco de serem alvos de inquéritos policiais por crime de desobediência.

É o que acontece quando alguns juízes se sentem contrariados e desrespeitados por não obterem os dados telefônicos dos investigados, segundo o advogado David Rechulski, especializado em elaborar pareceres sobre a pertinência das ordens judiciais que são encaminhadas às empresas. Ele diz que todas as operadoras têm inquéritos abertos contra si por não cumprir despachos.

Com base no parecer, a empresa envia uma respeitosa resposta ao juiz, dizendo os motivos pelos quais entende que não deve acatar a determinação. No geral, para respeitar os princípios da intimidade e da privacidade do cidadão.

Rechulski vivenciou um caso inusitado. Contou que uma operadora de telefonia recebeu, este ano, recomendação do Ministério Público estadual, ratificada pelo procurador-geral de Justiça local, para que os pedidos de quebra de sigilo enviados pelo juiz de uma determinada vara criminal não fossem cumpridos. O juiz era responsável por execuções criminais.

A operadora, por precaução, enviou a recomendação ao desembargador-corregedor da Justiça estadual, perguntando como deveria agir. E recebeu a seguinte resposta: “Ordem de juiz não se discute, se cumpre”.

Com o aumento do número de pedidos de interceptação e quebra de sigilo, muitos provenientes de juízes da área cível, as operadoras entraram com Mandados de Segurança para não terem de cumpri-los. Nos tribunais o entendimento era de que a empresa não é parte legítima para postular o sigilo em nome do cliente. A maioria desistiu de tentar. Atualmente, se preocupam em apresentar Habeas Corpus pedindo o trancamento dos inquéritos abertos por crime de desobediência.

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