Processo permanente

Ministro do Supremo conta história das Constituições do país

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5 de outubro de 2008, 16h05

“Toda Constituição contemporânea – de modo especial, mas não exclusivamente, as do mundo subdesenvolvido – veicula um projeto de transformação da sociedade, centrado, quase necessariamente, no objetivo de redução da iniqüidade da distribuição dos bens da vida”. A frase é do ministro aposentado do Supremo, Sepúlveda Pertence, no Plenário da Corte em 19 de setembro de 1988.

Vinte anos depois, o ministro Celso de Mello, o mais antigo membro da Corte atualmente, afirma que a Constituição de 88 é uma das mais importantes que o país já teve. Além disso, o decano observa a responsabilidade do Poder Judiciário e, em especial, o Supremo como garantidor dos princípios constitucionais.

“Reside, no Poder Judiciário, uma magna responsabilidade, que é a de não apenas sustentar a autoridade da Constituição da República, não apenas velar pela supremacia e pela integridade do texto da nossa Lei Fundamental, mas o que é importante, mediante interpretação constitucional, no regular exercício de atribuições estritas, dadas pela própria Constituição, proceder a uma constante atualização e modernização do texto constitucional”, afirma Celso de Mello.

Desde sua independência, o país teve sete Constituições: de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Alguns consideram como uma oitava Constituição a Emenda 1, outorgada pela junta militar, à Constituição Federal de 1967, que teria sido a Constituição de 1969. No entanto, a história oficial considera apenas sete.

Inspirada na carta constitucional norte-americana, a CF de 1988 optou pelo sistema presidencialista de governo, com a adoção de doutrina tripartidária, baseada na divisão dos poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

A primeira Constituição, de 1824, estabelecia além dos três Poderes, o Poder Moderador, que permitia a interferência do imperador em todos os outros poderes. O ministro Celso de Mello explicou que o documento foi o de maior longevidade na história constitucional do país, já que vigorou por 65 anos.

Já a Constituição de 1891 se tornou a primeira republicana, que introduziu modificações profundas no regime político e nas práticas jurídicas e políticas. Em 1934, a Constituição inovou com a garantia do voto feminino e do voto secreto. Foi aprimorado o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, além de reforçar a previsão expressa de recurso extraordinário para o STF. Instituiu o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Segundo Celso de Mello, a Constituição de 34 representou um “divisor de águas na evolução do constitucionalismo brasileiro”.

Em 1937, foi imposta uma nova Constituição pelo regime ditatorial de Getúlio Vargas. Teve como objetivo fortalecer o Poder Executivo e restringir a atuação dos Poderes Legislativo e Judiciário. Muitos dos seus dispositivos revelaram-se como “letra morta”, sem aplicação prática.

Já em 1946, a marca foi a redemocratização. Foram restabelecidas as eleições diretas para presidente da República, governadores, parlamento e assembléias legislativas. “Foi uma Constituição de grande importância, de grande significação histórica e política, porque significou, naquele momento particular, a restauração da ordem democrática em nosso país”, observa Celso de Mello.

Com o golpe de Estado, em 1964, “violou-se o processo constitucional e usurpou-se o poder. Tivemos que enfrentar situações de absoluto desprezo pelo regime das liberdades públicas. A partir daí, tivemos uma Carta em 1967”, relembra o ministro. O texto teve ênfase, fundamentalmente, na segurança nacional. Deu mais poderes à União e ao presidente, além de restringir direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros.

A Emenda Constitucional 1, de 1969, “nada mais é do que uma Carta imposta autoritariamente por um triunvirato militar, na ausência do presidente da República, que havia falecido – o presidente Costa e Silva”, afirma o ministro do STF. Para Celso de Mello, a Emenda Constitucional 1 “é uma Carta Constitucional envergonhada de si própria, imposta de maneira não democrática e representando a expressão da vontade autoritária dos curadores do regime”.

A Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, pôs fim aos governos militares em um momento em que o povo ansiava pela democracia, pelo direito de eleger seu presidente e pela busca de direitos individuais e coletivos. Promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, estabeleceu leis avançadas para a época, em um texto moderno, com inovações relevantes para a democratização do Brasil.

“O ideal seria que tivesse sido um texto mais sintético, não uma Constituição tão analítica”, constata Celso de Mello. Mas nem por isso o ministro minimiza a importância da CF de 88. Para o ministro, o Judiciário assume importante papel a partir da Constituição Cidadã. Através da interpretação do texto, faz com que haja uma constante adaptação às exigências impostas pelos novos desafios postos pela sociedade contemporânea. “Daí a importância da atuação do Poder Judiciário, dos seus juízes, de todos os seus tribunais, e em particular do STF”, completa.

Guardiões supremos

O Supremo surgiu em 1828, duas décadas depois de o Brasil ganhar o primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, a Casa da Suplicação do Brasil, instalada no Rio de Janeiro por Dom João VI, em 1808. O número de ministros que participam da Corte variou de 11 a 17 juízes, sendo que esta composição mínima tem sido adotada desde a Constituição de 1967. A Presidência é rotativa com mandatos curtos – dos mais de 280 ministros, 52 já presidiram a Corte.

Um dos momentos mais delicados já vividos pelo Supremo foi o regime militar instituído em 1964. Em 20 de outubro de 1965, o presidente do STF à época, ministro Ribeiro da Costa, condenou a interferência do governo nos demais poderes. Como conseqüência, o STF recebeu cinco novos componentes, alinhados ao partido dos militares, no seu quadro de membros: de 11 eles passaram a ser 16. A partir de então, toda aposentadoria de ministros abria uma vaga que seria preenchida por um aliado dos generais.

Entre 1964 a 1968, foi apresentada no STF uma quantidade excepcional de processos contra prisões arbitrárias, cassações e mandados de segurança. No ano seguinte, o Ato Institucional 6 atingiu as liberdades de jurisdição do STF e voltou o número de ministros para 11, sendo que três deles foram forçados a sair: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Vítor Nunes Leal. Em solidariedade, Gonçalves de Oliveira renunciou ao cargo. Com a aposentadoria de Lafayette de Andrada, o Tribunal estava quase completamente composto por ministros fiéis ao regime que lhes dera a toga.

Julgamentos históricos

Como guardião dos princípios constitucionais, o Supremo Tribunal Federal julgou casos à luz de seis diferentes constituições promulgadas ou outorgadas após a existência da Corte. Entre os julgamentos históricos está o relativo ao banimento da Família Real (HC 1.974), o Habeas Corpus de Olga Benário (HC 26.155), pedidos de extradição sobre genocídio da Segunda Guerra Mundial (EXT 272 a 274), a Ação Penal contra o ex-presidente Fernando Collor (AP 307), a cobrança de contribuição social dos inativos (ADI 3.104) e a liberação de pesquisas com células-tronco de embriões humanos (ADI 3.510).

Outro processo polêmico que será levado a Plenário é a Ação Penal 470, no qual serão julgados 39 políticos, empresários e publicitários. Eles são acusados de pagar propina a parlamentares em troca de apoio a projetos de interesse do governo federal no Congresso Nacional, o chamado “Mensalão”.

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