Globalização do grampo

Advogado reclama de grampos da Satiagraha a Condoleezza Rice

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2 de outubro de 2008, 18h38

O advogado do banqueiro Daniel Dantas em Nova York, Philip C. Korologos, remeteu à secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, carta de 112 linhas, datada de 15 de setembro passado, em que reclama do governo do Brasil, da PF e do Ministério da Justiça. Motivo: diz que as conversas entre Daniel Dantas e o escritório de advocacia americano Boies, Schiller & Flexner LLP foram interceptadas pela PF.

Segundo Korologos, o direito do sigilo nas comunicações do advogado com seu cliente, que é garantido por lei tanto nos Estados Unidos como no Brasil, foi violado com a interceptação de e-mails, conversas pelo sistema de telefones Skype ou mesmo videoconferências. A carta do escritório BSF para a secretária de Estado americana foi obtida com exclusividade pela revista Consultor Jurídico.

O advogado Korologos defende Dantas no processo que o Citicorp move contra o banqueiro e o banco Opportunity, referente à disputa pelo controle da operadora de telefonia Brasil Telecom. Korologos sustenta que a PF incorporou as conversas sigilosas entre advogado e cliente ao relatório da Operação Satiagraha, que levou Dantas à cadeia. “Pedimos assim toda assistência que o Departamento de Estado possa nos dar”, diz Korologos à secretária de Estado.

Na carta, endereçada à “honorável Condoleezza Rice”, Korologos diz que fala em nome do escritório BSF para informá-la sobre a interceptação e divulgação das conversas e do trabalho advocatício feitas ao longo da Operação Satiagraha, da Polícia Federal do Brasil. “O acesso e quebra de sigilo de documentos e de trabalho legal produzido pelo escritório BSF é uma brutal violação das relações entre o escritório e seu cliente, o Oportunity. Também entendemos que tal quebra de confidencialidade viola a lei brasileira,” acrescenta o advogado americano.

Segundo Korologos, em razão da distância, as comunicações do escritório em Nova York com o Opportunity no Brasil eram feitas através de e-mails e de conferências por telefone e videofone. Nos EUA, o sigilo desse tipo de comunicação é protegido pela legislação, de forma a que as informações entre cliente e advogado possam fluir sem o receio que tais detalhes sejam revelados a outros. É também um princípio fundamental legal nos EUA que o produto do trabalho do advogado, especialmente quando se refere a um prcesso em andamento e em segredo de Justiça, esteja protegido pelo sigilo”.

Korologos em seguida cita o artigo 4.503 do New York Civil Practice Laws and Rules que prevê o segredo de justiça naquele estado americano, onde corre o processo do Citicorp contra o Opportunity. E prossegue. “Contrariando o que dispõe essa lei, desde fevereiro de 2007 a Polícia Federal do Brasil interceptou as comunicações privadas do escritório BSF e as incorporou a relatórios produzidos e preparados pela PF, que depois foram tornados públicos”. O advogado diz ainda que tem informações de que “centenas, se não milhares, de e-mails trocados entre nosso escritório e o Opportunity” circulam livremente entre representantes da imprensa no Brasil.

Korologos encerra a carta pedindo a atuação do Departamento de Estado americano junto ao governo brasileiro para que se ponha fim às interceptações de comunicações entre o BSF e o Opportunity e Daniel Dantas. Pede também que sejam retirados dos autos e destruídos os documentos e informações obtidos de forma ilegal. Finalmente, pede a destruição de todas as cópias das interceptações que estejam sob o controle, posse ou custódia da Polícia Federal, Ministério da Justiça do Brasil e qualquer braço do governo do Brasil.

O advogado inclui o Judiciário brasileiro entre os órgãos que devem ser solicitados para destruir as cópias dos grampos. Como o dos Estados Unidos, o Judiciário do Brasil está fora do alcance de interferências do Executivo, mesmo quando esse braço do poder esteja representado pela honorável secretária de Estado Condoleezza Rice.

Leia a carta

15 de setembro de 2008

À honorável Condoleezza Rice

Secretária de Estado

Departamento de Estado dos EUA

2201 C Street NW

Washington, DC 20520

Cara senhora secretária,

Sou um sócio do escritório de advocacia americano Boies, Schiller & Flexner LLP (BSF).

Desde abril de 2005 BSF tenho atuado como consultor jurídico de Daniel Dantas e algumas de suas companhias (entre as quais o banco Opportunity) em relação a uma ação ingressada pelo Citigroup, Inc na Corte Distrital de Nova York e em matérias relacionadas. Escrevo em nome da BSF para trazer a sua atenção a interceptação e divulgação de trechos da comunicação legal do BSF e do seu trabalho advocatício por conta da chamada “Operação Satiagraha”, investigação da Polícia Federal do Brasil. Essa quebra da confidencialidade das comunicações e trabalhos da BSF é uma grande violação dos princípios legais vigentes nos Estados Unidos que servem de parâmetro para a relação do BSF com seu cliente. Também entendemos que a quebra do sigilo viola leis brasileiras. Conforme exposto abaixo, medidas imediatas são necessárias para limitar os danos causados por essas ilegalidades.

Durante o trabalho de representação do Opportunity pelo BSF nós dependemos, por força das circunstâncias, do uso de correio eletrônico, telefone e vídeo conferências para comunicar-nos com os representantes do nosso cliente, localizados a milhares de milhas de distância. Sob a lei norte-americana, o sigilo das comunicações entre advogado e cliente é protegida. De fato, é um dos princípios fundamentais do sistema legal norte-americano que tais conversas segam sigilosas para possibilitar o livre fluxo de informação entre advogado e cliente sem medo de que detalhes dessas comunicações serão reveladas a terceiros. Também é um princípio legal fundamental dos Estados Unidos que o trabalho do advogado, especialmente se referente a um caso em andamento, é sigiloso. Portanto, (I) o trabalho do BSF feito para o Opportunity e (II) as comunicações legais entre o escritório e seu cliente são sigilosas.

Esses princípios são contemplados nos estatutos que regulamentam a disputa judicial nos tribunais de Nova York.

(…)

As leis do estado de Nova York também determinam que “o trabalho de um advogado não será acessível ao público”. (New York Civil Practice Laws and Rules, parágrafo 3101 – c)

Em desacordo com essas leis, é nosso entendimento que, pelo menos desde fevereiro de 2007, a Polícia Federal do Brasil intercepta as comunicações sigilosas do BSF com seu cliente como parte da operação Satiagraha. Algumas dessas conversas foram incorporadas nos relatórios preparados pela Polícia Federal que foram, em seguida, tornados públicos. Esses relatórios incluem, por exemplo, cópias completas de mensagens eletrônicas trocadas entre os advogados do BSF e do Opportunity. Também foram divulgadas transcrições de conversas telefônicas entre os advogados de ambas as firmas. Fomos informados por membros da imprensa brasileira que eles têm centenas ou até mesmo milhares de mensagens eletrônicas trocadas entre BSF e Opportunity. Ademais, entendemos que as interceptações podem estar ocorrendo até hoje. Portanto, a condição do BSF de fornecer conselhos legais ao seu cliente não foi apenas prejudicada no passado mas continua sendo ameaçada de forma significativa e ilegal.

À luz das graves violações do sigilo das relações entre advogado e cliente, nós solicitamos às autoridades brasileiras que tomem as medidas necessárias para remediar a quebra de sigilo e as ilegalidades cometidas e pedimos respeitosamente qualquer ajuda que o Departamento de Estado dos Estados Unidos possa oferecer. Pedimos em especial sua ajuda para garantir:

— O fim imediato de qualquer monitoramento ou interceptação de comunicação (por correio eletrônico, telefone, vídeo conferência ou correio) entre o BSF e o Opportunity.

— O recolhimento e a destruição de todos os relatório, decisões judiciais ou qualquer outro documento criados pela Polícia Federal ou qualquer outra instituição do governo brasileiro que incorpore direta ou indiretamente as comunicações do BSF com seu cliente.

— A destruição de todas as cópias das comunicações sigilosas do BSF atualmente em poder, custódia ou controle da Polícia Federal, do Judiciário, do Ministério da Justiça ou qualquer outra instituição do governo brasileiro.

Para além das questões específicas levantadas pela quebra de sigilo descrita acima, esse tema representa uma grave ameaça à habilidade de advogados dos EUA de prestarem a devida representação e aconselhamento que seus cliente estrangeiros – brasileiros nesse caso – esperam e merecem. Nós, portanto, acreditamos que essas questões devem ser levantadas e resolvidas não apenas por causa do dano sofrido na minha representação mas para tentar remediar o dano que esses atos causam nos negócios entre cidadãos e instituições brasileiras e norte-americanas, assim como de outros países.

Eu me disponho a me reunir com representantes do Departamento de Estado para discutir a extrema gravidade do ocorrido e como medidas imediatas podem ser tomadas para remediar o dano que foi causado.

Respeitosamente,

Philip C. Korologos

(Tradução de Vinícius Furuie)

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