Morte do coronel

Carla Cepollina não vai ser julgada pela morte de Ubiratan

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1 de outubro de 2008, 21h14

O juiz Alberto Anderson Filho, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, decidiu na terça-feira (30/9) que a advogada Carla Cepollina não vai responder em júri popular pela morte do coronel Ubiratan Guimarães. Ela foi impronunciada pela Justiça e o processo foi arquivado. O promotor João Carlos Calsavara disse que irá recorrer da decisão.

Segundo o juiz, “o indício de autoria tem de ser suficiente, ou seja, a prova deve demonstrar de forma razoável que há grande possibilidade de o réu ser o autor do crime, de modo que, não estando presente um dos requisitos para a pronúncia, é imperativa a impronúncia”.

A mãe de Carla, Liliana Prinzivalli, enviou e-mail à Consultor Jurídico para comemorar a decisão. “Quem sabe os quatro delegados que atuaram no inquérito e o promotor que apresentou a pronúncia vão atrás do verdadeiro culpado, o indivíduo que praticou o crime, por iniciativa dele ou a mando de alguém que tinha interesse em ver o coronel morto”, afirma.

Para Liliana, talvez aqueles que acusaram Carla “consigam se conformar em trabalhar, fazendo uma investigação, que não foi feita até a presente data, e encontrem o responsável, mesmo se essa pessoa não seja um furo de reportagem e não seja alguém importante ou conhecido, para lhe dar os 15 minutos de fama”.

O coronel foi morto no dia 9 de setembro de 2006 no apartamento onde morava na região dos Jardins, na capital paulista. Conhecido por ter comandado a operação que terminou, em 1992, com o massacre de 111 presos no Carandiru, Ubiratan morreu com um tiro no abdome disparado por uma de suas sete armas. A advogada mantinha na época um relacionamento amoroso com Ubiratan.

Leia decisão

VISTOS.

CARLA CEPOLLINA, qualificada nos autos, foi denunciada por infração ao artigo 121, § 2º, incisos I e IV, combinado com a causa de aumento (1/3) prevista no § 4º do mesmo artigo, todos do Código Penal.

Diz, textualmente, a denúncia:

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 09 de setembro de 2006, entre 19h05min e 20h27min, na residência localizada na Rua José Maria Lisboa, n.º 815, 7.º andar, apartamento n.º 72, Jardim Paulista, nesta cidade e comarca de São Paulo, CARLA CEPOLLINA, 40 anos, filha de Lilliana Prinzivalli e de Franco Cepollina, RG n.º 6.725.309 SSP/SP, advogada, devidamente qualificada às fls. 615 e 629/633 destes autos, munida de arma de fogo, agindo com vontade de matar, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, fez em Ubiratan Guimarães, coronel reformado da Polícia Militar, deputado estadual, à época com 63 anos de idade, os ferimentos descritos no laudo de exame de corpo de delito de fls. 444/456. Esses ferimentos foram a causa da morte da vítima.

Apurou-se que Ubiratan Guimarães e Carla Cepollina mantinham, na ocasião do crime, um relacionamento amoroso em decadência. Embora a indiciada visasse o casamento, Ubiratan já lhe havia deixado muito claro que não pretendia concretizá-lo. Carla, entretanto, desprezando a vontade da vítima, utilizava-se de expedientes maliciosos para envolvê-la afetivamente.

No dia do crime, eles passaram o dia juntos. Ao cair da tarde, dirigiram-se ao apartamento de Ubiratan Guimarães. Enquanto ele repousava em seu quarto, Carla Cepollina, sorrateiramente, tomou às mãos o aparelho celular do ofendido e vasculhou os registros telefônicos. Como se fosse a vítima trocou mensagens com Renata Azevedo dos Santos Madi, com a qual Ubiratan também mantinha relação afetiva. Ocorre que a vítima foi acordada para atender a ligação de Renata e, nesse momento, descobriu a reprovável conduta da indiciada. A vítima não podia admitir tamanha invasão de sua privacidade. Na sala, discutiram a relação já deteriorada e a vítima decidiu finalizá-la.

A indiciada, ao ver ruir sua pretensão de consolidar um vínculo afetivo com a vítima, muniu-se de arma de fogo que estava sobre o bar e efetuou um disparo contra Ubiratan Guimarães. Presenciou sua morte sem solicitar socorro. Não bastasse, permaneceu no local por mais de uma hora, lapso no qual tomou providências visando a assegurar a sua impunidade.

Carla Cepollina cometeu o crime por vingança ao ver-se rejeitada pelo amante. Essa vingança evidenciou o seu desprezo pela vida de Ubiratan Guimarães, além do egoístico sentimento de posse que impunha arrogantemente à vítima. Agiu, pois, por motivo torpe.

A ação imprevisível e rápida, cometida por pessoa da estima e confiança da vítima, dificultou-lhe a defesa.

O crime foi cometido contra pessoa sexagenária.

Ante o exposto, denuncio CARLA CEPOLLINA, RG n.º 6.725.309 SSP/SP, como incursa no art. 121, § 2º, incisos I e IV, combinado com a causa de aumento (1/3) prevista no § 4º do mesmo artigo, todos do Código Penal, combinado com o art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), requerendo que, observado o rito previsto nos arts. 394/497 do Código de Processo Penal, seja a presente denúncia recebida e autuada, citando-se e interrogando-se a denunciada, ouvindo-se as testemunhas do Ministério Público arroladas na seqüência, para que, no momento procedimental adequado, seja prolatada a respeitável decisão de pronúncia, o que propiciará o julgamento e a condenação de CARLA CEPOLLINA pelo Egrégio Tribunal do Júri.


Recebida a denúncia, foi a ré citada, interrogada e ofereceu defesa prévia por seus defensores.

Na instrução foram ouvidas dezesseis testemunhas.

Na fase do artigo 406 do Código de Processo Penal o Promotor de Justiça, em suas alegações, pede seja a ré pronunciada nos termos da denúncia.

Os Assistentes do Ministério Público igualmente pleiteiam a pronúncia da ré para que seja ela submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri.

A defesa, em preliminar, alega cerceamento de defesa, pois, diligências que pretendia não foram realizadas. Alega também que na fase do inquérito houve intervenção e participação dos Assistentes do Ministério Público o que não é admissível. No mérito, após extensa análise dos autos e da prova existente, pede a impronúncia da ré, afirmando não existirem indícios suficientes para a pronúncia.

É o relatório.

DECIDO

As preliminares argüidas pela defesa não merecem acolhida.

Quanto à participação de Assistente do Ministério Público na fase do inquérito, evidentemente ela não pode ocorrer.

O artigo 268 do Código de Processo Penal dispõe: Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31.

É do conhecimento comum que o inquérito policial não é ação penal e desse modo, obviamente não é ação pública, razão pela qual, não cabe a intervenção do Assistente do Ministério Público, mesmo porque, o Ministério Público é o titular da ação penal e não do inquérito policial.

Todavia, a jurisprudência de há muito orienta-se no sentido de que, eventuais nulidades do inquérito policial não atingem a ação penal, de modo que, o fato de advogado, em nome de familiares da vítima, ter presenciado atos praticados durante o inquérito, em interfere na ação penal que instaurou-se apenas com o recebimento da denúncia.

Quanto ao alegado cerceamento de defesa este também não ocorreu.

Com efeito, na realidade a instrução encerrou-se quando da oitiva da última testemunha arrolada pela defesa.

A defesa é que, passou a formular inúmeros requerimentos, pretendendo praticamente reabrir a instrução com inquirição de outras testemunhas, realização de perícias etc.

Naquele passo, até hoje estaríamos realizando diligências para, certamente, chegar a nada ou a lugar algum.

Não ocorrendo o alegado cerceamento de defesa, não há porque anular-se o processo como pretende a ré em suas alegações.

Afastadas as preliminares argüidas, passa-se ao exame do mérito.

A pronúncia, como se sabe, é decisão de conteúdo declaratório, pela qual é proclamada a admissibilidade da acusação para que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Para sua prolação bastam dois requisitos: prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

No caso dos autos a materialidade está demonstrada pelo laudo de exame necroscópico de fls. 444/456, que descreve os ferimentos sofridos pela vítima em decorrência de disparo de arma de fogo, os quais foram a causa determinante de sua morte.

Assim, um dos requisitos para a pronúncia está presente.

Resta, portanto, verificar se existem indícios suficientes da autoria.

A ré, desde o primeiro momento negou qualquer participação nos fatos. Admitiu que esteve na companhia da vítima, com quem relacionava-se amorosamente, praticamente durante todo dia dos fatos e conclui dizendo que saiu do apartamento da vítima quando ela dormia, passou em uma locadora de filmes e foi para sua casa onde permaneceu até receber a notícia, primeiro de que a vítima não era encontrada e depois que ela fora localizada morta. Salienta que mantinham bom relacionamento e que não tinha qualquer motivo para atirar contra a vítima.

Nenhuma das testemunhas ouvidas presenciou os fatos e ninguém fornece qualquer detalhe preciso e relevante sobre eles.

Apenas circunstâncias ligam a ré ao fato, ou seja, ela mantinha relacionamento com a vítima, esteve na companhia dela durante praticamente todo dia 9 de setembro de 2006, esteve no apartamento da vítima onde ela, posteriormente foi encontrada morta e em tese, teria motivo para matar a vítima, ou seja, teria descoberto um relacionamento da vítima com Renata Azevedo dos Santos Madi.

Assim, as investigações concentraram-se todas, exclusivamente, na direção da ré. Em momento algum questionou-se acerca da possibilidade de o autor do disparo ser uma terceira pessoa.

E, realmente, além das circunstâncias anteriormente mencionadas, vários outros elementos ligam a ré à cena do crime.

Mas, é relevante lembrar que ela nunca negou que esteve na companhia da vítima, inclusive no apartamento onde ela foi encontrada morta na noite do dia 10 de setembro de 2006.


Todavia, sempre negou, de forma categórica e inclusive com indignação, ter sido a autora do disparo que vitimou o Coronel Ubiratan Guimarães.

Uma circunstância merece especial atenção, ou seja, o motivo pelo qual a ré teria atirado contra a vítima.

Na denúncia consta:

No dia do crime, eles passaram o dia juntos. Ao cair da tarde, dirigiram-se ao apartamento de Ubiratan Guimarães. Enquanto ele repousava em seu quarto, Carla Cepollina, sorrateiramente, tomou às mãos o aparelho celular do ofendido e vasculhou os registros telefônicos. Como se fosse a vítima trocou mensagens com Renata Azevedo dos Santos Madi, com a qual Ubiratan também mantinha relação afetiva. Ocorre que a vítima foi acordada para atender a ligação de Renata e, nesse momento, descobriu a reprovável conduta da indiciada. A vítima não podia admitir tamanha invasão de sua privacidade. Na sala, discutiram a relação já deteriorada e a vítima decidiu finalizá-la.

A indiciada, ao ver ruir sua pretensão de consolidar um vínculo afetivo com a vítima, muniu-se de arma de fogo que estava sobre o bar e efetuou um disparo contra Ubiratan Guimarães. Presenciou sua morte sem solicitar socorro. Não bastasse, permaneceu no local por mais de uma hora, lapso no qual tomou providências visando a assegurar a sua impunidade.

Em resumo, a ré teria decidido matar a vítima porque a relação que com ela mantinha não evoluiria para um final por ela pretendido, ou seja, casamento e porque descobriu a existência de uma terceira pessoa a Delegada Federal Renata Azevedo dos Santos Madi, que formava um triângulo amoroso.

Porém, inquestionável que o relacionamento entre ré e vítima era bastante íntimo. Ela cuidava das roupas da vítima, dos pertences pessoais, zelava pela saúde, dava ordens para a empregada doméstica, tinha chave do apartamento da vítima e com ela freqüentemente estava, inclusive auxiliando-a na campanha para reeleição para o cargo de Deputado Estadual.

Evidentemente tinha acesso aos telefones da vítima e a toda sua intimidade, razão pela qual, não se pode afirmar que ela desconhecesse a relação existente entre a vítima e a Delegada Federal Renata Azevedo dos Santos Madi.

Certamente não foi naquele princípio de noite do dia 6 de setembro de 2006 que a ré descobriu a existência da Delegada Federal Renata Azevedo dos Santos Madi, mesmo porque, a Delegada esteve presente por ocasião do julgamento da vítima, quando réu no processo conhecido como “ Massacre do Carandiru”. Na oportunidade a ré viu a Delegada Federal, ficou sabendo de quem se tratava e a ela foi apresentada.

Ora, mesmo a mulher mais desatenta, paciente e tolerante, de imediato percebe quando outra está aproximando-se de seu companheiro, bem como nota, com facilidade, a diferença de relacionamento.

As mensagens que a vítima passava pelo telefone para a ré, com quem mantinha relacionamento, eram secas, ou seja, desprovidas de maior afetividade. Ao passo que, as que dirigia para a Delegada Federal Renata Azevedo dos Santos Madi eram carinhosas e afetuosas. Para tal, basta conferir o que consta de fls. 274 a 281.

Custa crer que a Ré, sofrendo concorrência da Delegada Federal Renata Azevedo dos Santos Madi, decidisse matar a vítima justamente naquele princípio de noite de 9 de setembro de 2006, após passar todo dia com ela, beberem juntos no apartamento e sobretudo, depois de uma relação sexual.

Também custa crer que a Ré, supostamente decidida a matar a vítima, apanhasse a arma e desferisse um único tiro em região que, a princípio não seria letal.

Com efeito, o laudo de exame necroscópico demonstra, de forma clara e estreme de dúvida, que a vítima foi atingida por um único disparo, que penetrou no tronco da vítima, no hipocôndrio direito, ou seja, conforme demonstram as figuras de fls. 446 e 449, na lateral alta do abdômen.

Tal disparo não atingiu qualquer órgão vital, mesmo porque, naquela região do corpo nenhum existe. Porém, por obra do destino acabou por perfurar a artéria ilíaca o que provocou intensa hemorragia interna e a conseqüente morte da vítima.

Pretendesse a ré, realmente matar a vítima não efetuaria tal disparo e muito menos apenas um. Tendo a vítima à sua mercê, inclusive despida, não teria qualquer dificuldade para contra ela disparar em região seguramente letal.

Portanto, o tipo de disparo efetuado, revela que não foi decorrente de uma atitude premeditada e intencional, mas sim de uma causalidade e sem uma efetiva intenção de dar cabo da vida da vítima.

Outra circunstância que merece especial atenção é a trajetória do tiro.

De acordo com o laudo, ela foi da frente para trás e de cima para baixo. Penetrou o projétil próximo do arco das costelas na parte alta do abdômen direito e saiu nas costas, na cintura, do lado esquerdo.


Que a vítima estava em pé no momento que foi atingida, não resta qualquer dúvida, pois, o projétil foi localizado no encosto do sofá, no alto, próximo do final da almofada, conforme retratam as fotos de fls. 1417/1420.

A vítima foi encontrada caída no chão, conforme mostra a foto de fls. 1401, a uma razoável distância do sofá onde penetrou o projétil após transfixar seu corpo, evidenciando, com mais segurança que ela estava em pé quando foi atingida.

As fotos de fls. 331 e 332, mostram de forma clara e indiscutível, que ré e vítima tinham praticamente a mesma altura.

Se ambos tinham a mesma altura e o disparo teria sido efetuado pela ré, não há como explicar a trajetória descendente do disparo que transfixou a vítima, (com cerca de 1,78m de altura) e atingiu o encosto do sofá, o qual, ordinariamente tem cerca de 0,80m.

Há que se levar em conta ter sido o disparo efetuado a uma certa distância da vítima, o que aumenta o ângulo, exigindo que o disparo tenha sido efetuado por alguém de estatura mais elevada em relação à vítima.

Tais circunstâncias enfraquecem os indícios existentes contra a Ré, os quais, a princípio poderiam demonstrar serem suficientemente fortes.

Como já salientado, a prova existente contra a ré é meramente circunstancial, ou seja, nada aponta para ela com a necessária segurança, mas como foi a única pessoa a ser efetivamente investigada, tudo pode parecer ir contra ela.

Assim em face do que existe nos autos, não se pode concluir, com a necessária segurança que existam indícios SUFICIENTES contra a ré.

Como já salientado, havendo indícios da autoria o réu deve ser pronunciado para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Contudo, o artigo 414 do Código de Processo Penal é expresso e claro ao consignar que o indício deve ser suficiente, pois, diz: Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.

suficiente. [Do lat. sufficiente.] Adj. 2 g. 1. Que satisfaz; bastante. 2. Que está entre o bom e o sofrível. 3. Assaz numeroso ou considerável: Havia um público suficiente na sala de conferências. 4. Capaz, apto, hábil. V. condição -. • S. m. 5. Aquilo que basta; o bastante: Tem o suficiente para viver. 6. Nota (10) suficiente (2).

O indício da autoria tem de ser suficiente, ou seja, a prova deve demonstrar de forma razoável que há grande possibilidade de o réu ser o autor do crime, de modo que, não estando presente um dos requisitos para a pronúncia, é imperativa a impronúncia.

Ante o exposto e considerando o que mais dos autos consta, com fundamento no artigo 414 do Código de Processo Penal, IMPRONUNCIO a ré CARLA CEPOLLINA, qualificada nos autos, com relação à acusação que lhe foi feita de infração ao artigo 121, § 2º, incisos I e IV, combinado com a causa de aumento (1/3) prevista no § 4º do mesmo artigo, todos do Código Penal.

Arquivem-se os autos, observando que, nos termos do parágrafo único do artigo 414 do Código de Processo Penal, enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em qualquer tempo, ser instaurado processo contra a ré, se houver novas provas.

P. R. I. C.

São Paulo, 30 de setembro de 2008.

ALBERTO ANDERSON FILHO

Juiz de Direito

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