Contagem regressiva

Câmara adia PEC dos municípios ameaçados de desaparecer

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29 de novembro de 2008, 8h57

Os 56 municípios brasileiros criados a partir de 1996 estão em contagem regressiva para a extinção. A sentença de morte decretada contra eles pelo Supremo Tribunal Federal está sendo executada pelo Congresso Nacional. Passados 13 dias do fim do prazo dado pelo Supremo ao Congresso para a criação de legislação que regularize a situação — 16 de novembro deste ano —, a Câmara dos Deputados adiou por três vezes, nas sessões extraordinárias da última terça-feira (25/11), a votação da Proposta de Emenda Constitucional 495/06, que exclui da lista de irregulares os municípios criados até 2000. Até esta sexta-feira (28/11), o tema não voltou à pauta.

A chamada “PEC dos Municípios” já foi aprovada pelo Senado Federal, mas ainda aguarda votação em dois turnos pela Câmara dos Deputados. Na última terça, líderes do PSDB, PSB e PPS tentaram por três vezes colocar a matéria na ordem do dia, mas a base do governo deu preferência à votação da PEC 511/06, que disciplina o trancamento da pauta por medidas provisórias. A previsão é que a discussão dessa matéria também demandará tempo. De acordo com o deputado Manoel Junior (PSB-PB), membro da comissão que analisou a questão, ainda há esperança de a Câmara concluir a votação antes do recesso parlamentar, em dezembro, mas o Senado só deve concluir a aprovação no ano que vem.

A apreensão vivida pelos municípios se deve à interpretação dada pelo Supremo, no ano passado, à Emenda Constitucional 15/96, que alterou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). No entendimento dos ministros, cidades criadas a partir de 1996, quando a emenda foi promulgada, somente “valem” se a emancipação tiver seguido regras como a realização de estudos de viabilidade municipal e de plebiscito com a população local, além da edição de lei estadual promulgando o nascimento do novo ente federativo. Os prazos para esses procedimentos, no entanto, devem seguir determinação de uma lei complementar — que ainda não foi editada pelo Legislativo.

Esta é a principal causa do impasse. Por falta de uma lei complementar ditando as regras do jogo, como prevê a EC 15/96, o Supremo vem julgando inconstitucionais leis estaduais que criam novas cidades. Em muitos casos, porém, os municípios funcionam a pleno vapor, com prefeitos e vereadores eleitos, contratos firmados para a prestação de serviços públicos e cartórios que registram pessoas nascidas na região. Caso o Congresso não vote a matéria a tempo, não se sabe o que acontecerá a cidadãos e instituições, já que essas cidades perderiam o status de “municípios” e passariam a ser somente “distritos” das localidades a que estavam vinculadas antes.

Como a maioria dos ameaçados são municípios pequenos, a principal preocupação, caso voltem aos “municípios-mãe”, é com a renda, constituída quase que totalmente pelo Fundo de Participação dos Municípios e pelo ICMS, repassados pelo governo estadual. “O bolo é dividido pelo Estado entre todos os entes, e as prefeituras que herdarem os municípios extintos não vão ter aumento proporcional”, diz o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziukoski. Ocorrendo o pior, ele prevê um verdadeiro caos. “As prefeituras, nos locais menores, são as maiores empregadoras. O impacto seria sentido principalmente pelas famílias”.

Cidades prósperas e com população considerável estão na lista das que estão com os dias contados pelo Supremo, como Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, com 49 mil habitantes e receita de R$ 56 milhões em 2007, segundo números da confederação. Outras pequenas, como Santo Antônio do Leste, em Mato Grosso, com 3,4 mil habitantes e receita de R$ 10 milhões, também não escapam da degola. Mesquita, no Rio de Janeiro, com 182 mil habitantes e receita de R$ 89 milhões em 2007, de acordo com a CNM, é o maior município entre os ameaçados, mas, mesmo em situação irregular, a lei que o criou não é discutida no Supremo. Das 56 cidades na berlinda, 29 estão no Rio Grande do Sul, 15 em Mato Grosso, quatro em Goiás e dois na Bahia. Os Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte têm uma cidade irregular cada um.

Às portas de tal desordem, o Supremo deu, no ano passado, um prazo para o Legislativo editar a lei complementar que acabará com o impasse. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3682, em maio, os ministros deram 18 meses para a edição da norma. O prazo se esgotou no último dia 16.

Mesmo com o tempo curto, os parlamentares preferiram uma PEC ao invés de uma lei complementar — cuja aprovação seria mais rápida e dependeria de maioria menos expressiva do que os dois terços do Congresso, em dois turnos, exigidos para aprovação de Emenda Constitucional. Além da PEC 495/06, outras 18 propostas semelhantes — entre elas há apenas uma outra PEC — aguardam andamento na Câmara. “Apesar da dificuldade, uma emenda constitucional tem mais altitude no processo legislativo”, diz o deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), relator da admissibilidade da PEC dos Municípios na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Se aprovada, a PEC alterará o parágrafo 4º do artigo 18 do ADCT, fazendo com que as novas condições para a criação de municípios só recaiam sobre os que foram emancipados depois de 2000. De autoria do ex-senador Luiz Otavio, a proposta começou a tramitar em 2004, indo à Câmara em 2006, onde aguardou até outubro de 2008 apenas para a nomeação da comissão especial que analisaria a matéria. O assunto chegou à mesa do Plenário no último dia 19 e, desde então, espera para ser votado. Como houve emenda, a proposta ainda voltará ao Senado.

A demora pode levar o Supremo a tomar pelo menos três atitudes, segundo o especialista em Direito Constitucional, Luís Roberto Barroso. “A primeira é não fazer nada. A segunda e mais provável é uma manifestação formal do Tribunal, registrando que o Congresso Nacional estaria desrespeitando uma decisão do STF, numa tentativa de constrangê-lo a atuar. A terceira seria, diante da omissão reiterada, editar uma regulamentação provisória, destinada a viger enquanto o Congresso não edita a lei complementar”, pondera.

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, porém, ainda não há motivo para pânico. Segundo ele, os municípios ameaçados de extinção tiveram prazo maior de regularização — 24 meses a partir da publicação das decisões. “O prazo dado ao Congresso para a edição de lei complementar foi meramente indicativo, devido aos projetos de lei que já estavam em tramitação”, diz. No entanto, caso os parlamentares optem pela PEC, segundo o ministro, a situação estará bem encaminhada. “É provável que o caso esteja resolvido até maio”, afirma, citando o prazo dado aos municípios julgados pelo Supremo.

É o caso de Luís Eduardo Magalhães, município do oeste baiano, emancipado em 2000. Hoje, sua economia está entre as dez maiores do Estado e responde por cerca de 60% da produção de grãos na região. Em maio do ano passado, o Supremo julgou inconstitucional a lei estadual que criou o município, a Lei 7.619/00, mas deu prazo de 24 meses para que a Assembléia Legislativa regularize a situação, editando norma de acordo com as futuras regras a serem definidas pelo Congresso. Caso isso não seja feito até maio do ano que vem, o município estará oficialmente extinto.

“Com a edição da lei complementar, todo o trabalho terá que começar do zero. Terá de haver estudos de viabilidade municipal, plebiscito e uma nova lei estadual”, explica o procurador da Bahia Antonio José de Oliveira Telles de Vasconcellos, responsável pelo acompanhamento de discussões nos tribunais superiores. Para ele, a situação não é tão crítica, já que a falta de uma norma geral não tira do município o direito de continuar existindo. “A interpretação da procuradoria é que há necessidade de lei complementar para validar a nulidade do Supremo”, diz, considerando que o prazo de 24 meses é aplicável apenas ao Estado, que não pode tomar nenhuma atitude sem a iniciativa dos parlamentares em Brasília. “O Congresso se encontra em estado de mora, período em que, na prática, as leis estaduais continuam vigendo”, completa.

Desde o ano passado, o Supremo já julgou inconstitucionais as emancipações dos municípios de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia (ADI 2.240), e de Santo Antonio do Leste, em Mato Grosso (ADI 3.316), o desmembramento de Água Azul do Norte e sua anexação a Ourilândia, no Pará (ADI 3.689), e a anexação do povoado de Vila Arlete à cidade de Monte Carlo, em Santa Catarina (ADI 3.489).

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