Recurso repetitivo

STJ discute se parte pode desistir de recurso por conveniência

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26 de novembro de 2008, 17h57

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça irá decidir se as partes podem desistir do recurso depois de ele ter sido destinado para julgamento por meio da Lei de Recursos Repetitivos, instruído e colocado na pauta do tribunal. A 2ª Seção do STJ, por maioria, decidiu encaminhar a controvérsia para que os 15 ministros mais antigos fixem uma orientação sobre o tema.

Na sessão desta quarta-feira (26/11), os ministros da 2ª Seção discutiram, de forma acalorada, a possibilidade de o tribunal julgar o recurso e fixar a orientação que será aplicada a milhares de causas idênticas, apesar do pedido de desistência do autor do recurso. Não faltaram críticas a advogados, à OAB e à própria postura dos ministros frente à causa.

A questão de ordem foi levantada pela ministra Nancy Andrighi, presidente da 2ª Seção. Ela abriu a sessão de julgamento demonstrando inconformismo com o fato de os advogados do Banco Volkswagen terem pedido desistência de dois recursos depois que eles foram colocados na pauta de julgamento pela Lei de Recursos Repetitivos.

Os processos discutem a legalidade da cláusula de contratos bancários que prevêem a cobrança da comissão de permanência quando o consumidor se torna inadimplente.

“Tem se tornado rotina pedidos de desistência depois de o processo estar todo preparado para julgamento pelo incidente de recursos repetitivos”, afirmou a ministra. Para Nancy Andrighi, depois que o recurso é encaminhado à seção ou à Corte Especial, o interesse na definição da causa deixa de ser apenas das partes e passa a ser público.

De acordo com a ministra, com a entrada em vigor da Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal e da Lei de Recursos Repetitivos no STJ, as partes têm desistido dos recursos nos quais não querem que os tribunais pacifiquem a jurisprudência. “Isso aconteceu no Supremo e aqui mesmo, na 2ª Seção, homologamos um pedido de desistência feito no dia do julgamento, em um recurso de relatoria do ministro Sidnei Beneti”, contou.

Nancy Andrighi afirmou que “é preciso lembrar que quando o recurso é submetido à seção, todos os processos idênticos ficam parados nos 27 estados brasileiros”. Para a ministra, a possibilidade de o tribunal fixar jurisprudência e definir milhares de processos país afora prevalece sobre o interesse das partes.

Como a questão é comum às três seções do STJ, a ministra propôs enviar a discussão parta a Corte Especial. Os ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Luís Felipe Salomão e o juiz federal convocado Carlos Mathias acompanharam a ministra.

Vencidos, os ministros Fernando Gonçalves e João Otávio de Noronha, divergiram de forma veemente desse entendimento. O decano Gonçalves questionou: “A parte não pode desistir a qualquer tempo de um recurso na esfera do Direito Privado?”. E afirmou que “o Estado não pode obrigar as partes a brigar”. Para o ministro, não resta outra saída nestes casos, a não ser homologar a desistência do recurso, ainda que com protestos.

Papel de advogado

O ministro Aldir Passarinho Júnior também considerou que a 2ª Seção deveria homologar a desistência do recurso, mas teceu fortes críticas à atuação dos advogados. Para ele, os profissionais não respeitaram as regras de atuar com a lealdade processual e a boa-fé previstas no artigo 14 do Código de Processo Civil.

“No caso dos autos, está caracterizada a falta de boa-fé. Podemos, inclusive, fixar indenização por perdas e danos”, afirmou Aldir Passarinho. O ministro propôs que a OAB fosse oficiada para averiguar a conduta dos advogados: “É intolerável. Procede de má-fé um advogado que endossa um comportamento como esse das partes. O comportamento do advogado é nocivo. Temos de homologar a desistência, mas o comportamento do advogado é irregular e falta com o dever de lealdade processual”.

Nancy Andrighi anuiu com a proposta de enviar representação para a OAB, mas afirmou não esperar muito da entidade, “porque ela se nega a participar das discussões da Lei de Recursos Repetitivos e já avisou que irá propor uma ADI contra a regra”.

O ministro João Otávio de Noronha criticou a postura dos colegas. “Estamos decidindo a questão com muita paixão, muita emoção.”, disse. Ele lembrou que a lei prevê que as partes podem desistir do processo a qualquer tempo. “Não vejo razão para tomarmos o ato como uma provocação à Corte.”

O clima da sessão ficou tenso. Enquanto o ministro explicava sua posição, a ministra Nancy Andrighi o interrompeu: “Vossa Excelência, então, vota contra a proposta”. Noronha protestou: “Eu ouvi Vossa Excelência com paciência e carinho. Agora, até por conta da relevância da questão, quero manifestar meu entendimento sobre o tema”.

Ao continuar seu voto, o ministro João Otávio de Noronha ressaltou que não é a parte que pede para que o recurso seja enviado às seções ou à Corte Especial para julgamento por meio de Lei de Recursos Repetitivos. Segundo ele, a parte não pode, porque o recurso foi escolhido como paradigma, ser punida com a impossibilidade de desistir da demanda.

“Data vênia, estamos perdendo a razão. O artigo 501 do Código de Processo Civil determina que ‘o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso’. Ora, nós somos os guardiões da lei e a lei diz que a parte pode desistir do recurso a qualquer tempo. Há vários precedentes na Corte nesse sentido”, protestou Noronha.

O ministro ainda defendeu o ato dos advogados e a OAB. Segundo ele, os advogado defendem interesses legítimos de seus clientes. E o faz dentro das regras do jogo. E questionou: “Agora, nós não vamos respeitar as regras do jogo previstas no artigo 501 do CPC?”. Para Noronha, “não é um comportamento à altura do tribunal superior essa indignação. Equilíbrio e bom senso não podem nos faltar. O correto a fazer é homologar a desistência, como manda a lei”.

Enxurrada de processos

O ministro Massami Uyeda, num primeiro momento, votou pelo simples indeferimento do pedido de desistência dos recursos. Ou seja, os ministros da 2ª Seção mesmo julgariam a matéria, a despeito do que pediram os advogados. Mas depois acompanhou a relatora para enviar a questão para definição da Corte Especial.

Para ele, o artigo 501 do CPC, que permite que a parte desista do processo, tem que ser interpretado a partir dos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. “E não é razoável que se desista da ação nesse estágio, assim como não há direitos absolutos”, disse.

Massami Uyeda ressaltou que, se o recurso estivesse em outro momento, a desistência seria natural. Mas não depois de estar completamente instruído e pautado para ser julgado pela Lei dos Repetitivos. “O espírito dessa lei é exatamente o de estabelecer diretrizes por meio de teses e devolver a dignidade ao STJ, porque é impossível julgar com essa carga de trabalho”, afirmou.

Ainda de acordo com o ministro, a lei ultrapassa o interesse das partes. “Se acolhermos o pedido de desistência, estaremos fazendo o interesse particular prevalecer sobre o público”. Ele também considerou o pedido de desistência uma afronta “não ao tribunal, mas à cidadania”.

O ministro Sidnei Beneti também votou por submeter a controvérsia à análise da Cortes Especial. “A definição da tese beneficia toda a sociedade.” Beneti explicou que a disponibilidade do direito vem do tempo em que os processos eram poucos. “Hoje, com as demandas de massa, as macrolides, a interpretação tem de ser diferente daquela fixada pelo artigo 501 do CPC em 1973”, afirmou.

À luz do processo civil moderno, a parte não tem o direito de desistir de um caso que terá efeitos sobre milhares de outros, considerou Beneti. O ministro lembrou que a Suprema Corte dos Estados Unidos levou nove anos para decidir sobre o direito ao aborto: “A criança nasceu e o processo perdeu o objeto, mas eles decidiram manter o julgamento para fixar uma orientação para a sociedade”.

Beneti lamentou que teve de homologar a desistência em um processo que estava na pauta de julgamento e que iria definir cerca de 60 mil causas idênticas pelo país. Ele ressaltou, contudo, que não endossava a idéia de propor representação contra os advogados à OAB.

O mais novo do colegiado, Luís Felipe Salomão, acompanhou a ministra Nancy Andrighi com o argumento de que os debates já mostravam que a matéria não é tranqüila. E isso justifica sua submissão ao crivo da Corte Especial. O juiz federal convocado Carlos Mathias também acompanhou a relatora.

Enquanto Mathias votava, o ministro Fernando Gonçalves pediu a palavra e leu o Regimento Interno do tribunal: “O artigo 34 determina entre as atribuições do relator a de ‘homologar as desistências, ainda que o feito se ache em pauta ou em mesa para julgamento’”. A ministra Nancy Andrighi ressaltou, então, que o Regimento Interno é anterior à entrada em vigor da Lei de Recursos Repetitivos: “é o Regimento que deve ser mudado”.

Ao final da discussão, o clima pesou entre a ministra Nancy Andrighi e os ministros Noronha e Fernando Gonçalves. Mas por quatro votos a três — a ministra, como presidente, não votou — a 2ª Seção decidiu encaminhar a matéria para a Corte Especial. A ministra ressaltou que nada foi decidido, senão que a matéria será submetida à análise da Corte Especial para que se julgue se, mesmo com a Lei de Recursos Repetitivos, a parte pode desistir do recurso a qualquer tempo.

Pode-se dizer quer o placar na Corte Especial já está três a um pelo direito de a parte desistir a qualquer tempo. Já que fazem parte do colegiado dos mais antigos, além da ministra Nancy Andrighi, os ministros Aldir Passarinho Júnior, Fernando Gonçalves e João Otávio de Noronha.

E um dos votos foi declarado em alto e bom som quando a ministra Nancy pedia calma para que o debate fosse encerrado: “Já adianto que, na Corte Especial, não vou conhecer da questão de ordem”, disse Fernando Gonçalves.

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