Regra comum

Execução civil não pode ser mais rigorosa que a fiscal

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25 de novembro de 2008, 23h00

A jurisprudência construída durante décadas nos tribunais superiores determinava que a penhora em dinheiro para garantia de execução (qualquer, fiscal ou civil) somente era admitida em última hipótese, para evitar que a execução fosse processada de forma mais gravosa ao executado, em respeito ao princípio insculpido no artigo 620 do CPC.

Por exemplo:

“A penhora de numerário de conta-corrente apenas é possível em situações excepcionais, após esgotados todos os meios de localização de bens do devedor por parte da exeqüente.” (Primeira Seção do STJ, EREsp 791.231/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 07.04.08)

“A jurisprudência do STJ, após vacilações, firmou-se no sentido de entender flexibilizada a lista de nomeação de bens a penhora, como consta da LEF, artigo 11, de forma a ser possível também atender ao princípio inscrito no artigo 620 do CPC, fazendo-se a execução da forma menos gravosa para o executado.” (REsp 789.955/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 30/08/2006)

Assim, apesar da LEF, artigo 11, determinar expressamente que dinheiro estava em primeiro lugar na lista de preferência dos bens penhoráveis, ainda assim o entendimento era flexibilizado para se determinar diligências de localização de bens passíveis de penhora, que não dinheiro.

Ao que parece essa interpretação benevolente (ao devedor) faz parte do passado diante do novo contexto legislativo e jurisdicional.

Aplica-se, agora, uma nova ordem jurídica processual, muito mais dura para o devedor (seja inadimplente do fisco ou do particular), que determina, desde logo, a possibilidade de penhora de dinheiro, com preferência a qualquer outro bem indicado pelo devedor.

A interpretação das normas que regulam a execução, principalmente a execução fiscal, é feita de forma sistemática, com base nos artigos 22, inciso I, e 146 da CF, artigos 655 e 655-A do CPC, artigo 185-A do CTN e artigo 11 da Lei 6.830/80 (Lei da Execução Fiscal – LEF).

O artigo 185-A do CTN determina que “na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos”.

Em uma primeira análise, poder-se-ia cogitar que, em matéria tributária, não seria possível realizar a penhora em dinheiro antes de se esgotar as diligências para localização de bens do devedor.

Contudo, tal premissa, se verdadeira, causaria um paradoxo brutal em nosso sistema jurídico: a execução civil seria mais rigorosa que a execução fiscal?

Com efeito, se se admitisse a vigência do artigo 185-A do CTN, a fazenda pública teria, obrigatoriamente, que localizar bens penhoráveis do executado para, caso reste frustradas as tentativas, requerer a penhora de dinheiro em conta corrente.

E, por outro lado, o exeqüente civil não teria qualquer obstáculo para requerer a penhora em dinheiro em garantia do seu crédito privado, com a mera e simples aplicação dos artigos 655 e 655-A do CPC.

Diante desse disparate, a jurisprudência tratou de interpretar a questão de forma sistemática, com a finalidade de corrigir a aparente distorção da ordem jurídica.

Recente decisão da 2ª Turma do STJ entendeu que “a interpretação das alterações efetuadas no CPC não pode resultar no absurdo lógico de colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988)”, concluindo que: “em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, na busca de uma maior eficácia material do provimento jurisdicional, deve-se conjugar o artigo 185-A, do CTN, com o artigo 11 da Lei 6.830/80 e artigos 655 e 655-A, do CPC, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, independentemente do esgotamento de diligências para encontrar outros bens penhoráveis (REsp 1074228/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/10/2008, DJe 05/11/2008).

A 1ª Turma do STJ também se posicionou neste sentido ao afirmar que “a despeito de não terem sido esgotados todos os meios para que a Fazenda obtivesse informações sobre bens penhoráveis, faz-se impositiva a obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei 6.830/1980, que indica o dinheiro como o primeiro bem a ser objeto de penhora”. (REsp 998.327/ES, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 26/02/2008, DJe 30/06/2008).

Considerando que o artigo 185-A do CTN é, na sua essência, norma processual, a sua revogação pode ser levada a efeito por meio de outra lei ordinária, conforme inteligência dos artigos 22, inciso I (permite lei ordinária para matéria processual) e 146 (matéria tributária reservada à lei complementar) da CF.

Assim, “lex posterior derogat priori”. A lei ordinária processual posterior (Lei 11.382/06) revoga a lei complementar, nesta parte, na competência legislativa ordinária anterior (Lei Complementar 118/05).

Prevalecem, portanto, os artigos 655 e 655-A do CPC em face do artigo 185-A do CTN, podendo, a partir da vigência da Lei 11.382/06, em 20.1.2007, garantir ao credor a prerrogativa de, em primeiro lugar, buscar ativos financeiros para penhorar, ainda que seja oferecido outro bem pelo executado ou não tenha sido efetuada qualquer diligência para localização de bens “menos gravosos” ao executado.

Observa-se, por último, que as decisões proferidas ainda hoje no STJ em que não se garante a penhora do dinheiro como opção do credor estão limitadas, em geral, a três hipóteses: a) decisão proferida antes da vigência da Lei 11.382/06 (AgRg no Ag 1019665/SP); b) falta de prequestionamento dos artigos 655 e 655-A do CPC (v.g., EREsp 779.952/RJ); e c) apresentação de carta de fiança bancária em garantia da execução, que é equiparada a dinheiro, pelo artigo 11 da LEF (REsp 1067630 / RJ).

Em conclusão, antes de 20.1.2007 (data em que entrou em vigor a nova redação do artigo 655 do CPC, modificado pela Lei 11.382/06), a jurisprudência do STJ interpretava que somente seria possível a penhora em dinheiro após diligências do credor buscando outros bens menos gravosos; após, pode o credor requerer, como regra geral, a penhora de dinheiro em garantia da execução (seja civil ou fiscal).

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