Segunda Leitura

Segunda Leitura: Fortalecer a advocacia agilizará a Justiça

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

23 de novembro de 2008, 10h38

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">A principal crítica que se faz à Justiça é a de ser morosa. Mas, boas iniciativas vêm sendo feitas para se combater este mal endêmico. Chega-se a esta conclusão mediante simples visita aos sites do CNJ e dos tribunais. Além disto, contínuas reformas do CPC buscam acelerar a tramitação dos processos.

No entanto, o mal persiste. E se agrava quando se suscitam novas teses jurídicas, ou milhares de ações discutem planos econômicos ou direitos do consumidor. Não há estrutura ou boa vontade que resista à distribuição de 80 mil ações em um só dia. A análise que aqui se fará é a de que o fortalecimento da advocacia poderia contribuir para agilizar a Justiça.

Atualmente, o ingresso nos quadros da OAB é precedido de rigoroso exame. Assim é, assim deve ser, muito embora o PL 5.805/05 tente reverter este quadro. Segundo Glauber M. Talavera, temos no Brasil 1.077 cursos jurídicos (Tribuna do Direito, nov. 2008, p. 28). A todos que se formam não corresponderá o número de advogados, pois apenas os bem preparados terão sucesso no exame e acesso à inscrição na Ordem.

A partir deste processo seletivo, que já é uma realidade, a evolução natural será o fortalecimento da advocacia. Permitir-se aos advogados novas atribuições. Neles depositar-se maior confiança e, na mesma medida, obrigações. O processo já teve início e um exemplo disto é delegar aos advogados poderes para autenticar cópias de documentos.

No quadro atual, o Estado-Judiciário não consegue, através de suas estruturas (algumas arcaicas, como costurar-se processos no STF), dar vazão aos milhões de litígios a seu cargo. E se isto é um fato incontroverso, aos advogados deve ser permitido praticar atos que importem na agilização dos processos. Em benefício daqueles que os constituíram. Vejamos alguns exemplos, com foco exclusivo na área do juízo cível. Sempre lembrando que temos realidades distintas em nosso território e que uma boa iniciativa no Amazonas pode ser impraticável no Rio Grande do Sul. Vejamos:

1) Aos advogados deveria ser autorizado promover pessoalmente, sob a fé de seu grau, citação, notificação, intimação ou interpelação. Isto pouparia o tempo de espera da expedição do mandado e a ação dos oficiais de Justiça, sempre poucos para o volume de trabalho. A possibilidade de algum tipo de fraude não deve ser vista como motivo para a negativa, pois o agir corretamente é a regra e o errado a exceção.

2) Instituição de protocolo de auto-atendimento. A demora no atendimento no balcão de cartórios (ou secretarias) é uma das queixas mais freqüentes. Todavia, há experiências (por exemplo, Justiça Federal em Passo Fundo, RS) no sentido do advogado, pessoalmente, promover o protocolo de petição, inclusive entregando sua petição furada para facilitar o entranhamento nos autos.

3) Os tribunais firmariam convênios com a ECT para a entrega de petições. Esta prática, já antiga no TRF-4, permite ao advogado entregar a petição na agência dos Correios, evitando a ida ao fórum ou tribunal, muitas vezes distante de seu escritório ou cidade. As cautelas constam do contrato com a ECT e não são insuperáveis.

4) A redação das precatórias, ofícios, mandados e atos semelhantes poderia ser feita pelos advogados. A agilização seria muito grande (na Justiça Federal há varas em que o despacho serve de mandando). E evidentemente o servidor verificaria o conteúdo do documento, só lhe dando seguimento se estivesse em ordem. A dificuldade seria a entrega do modelo, já que não seria recomendável permitir a retirada do papel timbrado e não seria prático entregar impressa para ser novamente digitada. Talvez a solução fosse a entrega em CDs ou remessa via internet.

5) Cartas dependendo de AR poderiam ser feitas e encaminhadas pelo advogado. Atualmente, não é raro que se aguarde por semanas o simples preenchimento de um AR. O advogado, na causa de seu interesse, poderia providenciar tudo, inclusive a redação da própria carta, e após entregar no Cartório para juntada.

6) Os advogados deveriam ser autorizados a retirar precatórias e ofícios, dando-lhes o destino previsto. Não faz sentido obrigar o advogado a esperar a demorada e burocrática remessa via correio ou malote. Ele é o principal interessado no cumprimento. Qual seria o risco? Alterar o conteúdo no trajeto? Além de ser presumida a lisura no procedimento do advogado, basta exigir que na entrega se passe recibo na cópia do documento.

Estas são apenas algumas sugestões. A vida é rica em experiências. A criatividade dos advogados e a prática de cartorários poderão acrescentar muitas idéias. E como implementá-las? O primeiro passo é querer. A partir daí, uma comissão, constituída pela presidência do tribunal, com três pessoas, um juiz auxiliar da Corregedoria (que é onde se revelam os problemas), um advogado indicado pela OAB e um servidor de reconhecido mérito e experiência, poderia reunir-se e apresentar soluções objetivas, em 60 dias. Muitas poderiam ser implementadas por ato administrativo da Corregedoria. Outras por lei estadual (estados legislam sobre procedimentos). As mais abrangentes, por reforma do CPC.

É verdade que muitos serão contra, prevendo risco de fraudes. É um equívoco. Na verdade, a absoluta maioria dos advogados trabalha corretamente e faria bom uso do poder recebido. Estes e a OAB seriam os principais interessados no bom funcionamento do sistema. Aos infratores dar-se-ia o rigor da lei, inclusive com pena de perda da inscrição no órgão de classe. Porém esta transferência de atribuições aos advogados deve ser voluntária e não compulsória. Somente alcançaria aqueles que, mediante petição nos autos, se dispusessem a assumir o encargo.

Seria esta a solução definitiva para a morosidade da Justiça? Não, com certeza. Mas, sem dúvida, poderia ser uma ferramenta valiosa na busca da solução rápida do litígio. Quem se habilita a tomar a iniciativa?

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