Fora da lei

Adoção da videoconferência ultrapassa limites da legalidade

Autor

  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é ex-presidente da OAB-SP (por três gestões 2004/2012) membro honorário vitalício da OAB-SP presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP.

22 de novembro de 2008, 11h23

A incorporação dos avanços tecnológicos por parte da Justiça é sempre bem-vinda, mas esse avanço não pode suprimir direitos, sobrepondo-se às garantias constitucionais dos cidadãos e ao devido processo legal.
 Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, em decisão acertada, reconheceu a inconstitucionalidade da lei paulista nº 11.819/05, que previa a realização de interrogatórios por videoconferências, quer porque tal normatização é de competência federal, quer porque tal prática viola a Lei Maior em vigor.


Assim, para atender ao interesse geral de não onerar o Estado com escoltas policiais, que, além de dispendiosas, representam sempre um risco de fuga, e no interesse da segurança de todos é que defendemos que o juiz compareça à unidade prisional para realizar o interrogatório, o que, inclusive, atende ao que determina a lei e não gerará gastos com aparelhos de videoconferência.

Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou projeto de lei que autoriza o emprego da videoconferência em casos excepcionais, ou seja, na audiência de presos de alta periculosidade e quando houver dificuldade para comparecimento do acusado em juízo. Essa manobra para viabilizar parcialmente a videoconferência é igualmente inaceitável. 
A lei é igual para todos. Não podemos admitir exceção dentro do Estado democrático de Direito.

O acusado, independente do crime que tenha cometido, detêm direitos constitucionais que precisam ser observados, como a ampla defesa, o contraditório e — inclusive — estar pessoalmente perante o juiz no interrogatório. 
A videoconferência limita o direito de defesa do preso porque impede que o acusado se coloque pessoalmente diante de seu julgador. O contato pessoal é fundamental para a formação do convencimento do magistrado, incidindo até mesmo sobre um pedido de liberdade provisória.


Diante de uma câmera, dentro de uma unidade prisional, o acusado certamente ficará intimidado a falar ou fazer denúncias de qualquer natureza, como coação ou maus-tratos que esteja sofrendo.
 O interrogatório é um momento importantíssimo para a defesa no processo penal, pois estabelece a única oportunidade de o acusado falar de viva voz ao juiz da causa.
 Um magistrado, ao interrogar um preso, não está apenas captando suas respostas verbais, mas analisando toda a sua linguagem corporal e suas reações para formar sua convicção para aquele momento processual. 
O réu pode até silenciar, mas esse momento é muito importante porque é o único no qual fala ao juiz. Em nenhum outro momento lhe será conferida a palavra.


Todos nós queremos modernizar a Justiça, mas isso não pode ser feito ultrapassando-se os limites da legalidade. Se o grande problema reside na necessidade de economizar recursos públicos e assegurar segurança, tal ato deve ocorrer sem ferir os direitos do cidadão, bastando que o juiz vá ao presídio.
 Evidentemente, o juiz não irá até a cela, mas na administração do presídio, com a presença do advogado e do promotor, em total segurança, colher os depoimentos.


Considero isso uma obrigação do juiz, que tem o dever de fiscalizar as condições carcerárias. Alguns juízes já procedem assim e, em uma única manhã, realizam dez interrogatórios, agilizando o andamento dos processos, sem custos para o erário.

Artigo publicado na seção Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo deste sábado (22/11). Clique aqui para ler artigo do juiz Edison Aparecido Bradão, a favor da videoconferência, também publicado na Folha.

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