Greve na Justiça

Prazo processual no TJ do Rio não será suspenso, decide CNJ

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18 de novembro de 2008, 16h12

A OAB do Rio de Janeiro não conseguiu, no Conselho Nacional de Justiça, a suspensão dos prazos processuais no Tribunal de Justiça fluminense. Nesta terça-feira (18/11), a greve dos servidores completa 57 dias. O CNJ entendeu que o Pedido de Providências apresentado pela OAB do Rio dispunha sobre questões jurisdicionais e não administrativas. “A prorrogação ou renovação de prazos diante de razões de calamidade pública, eventos imprevistos ou alheios à vontade da parte, ficam a critério do magistrado”, afirmou o conselheiro Jorqe Maurique.

E assim tem sido. Como não há adesão de todos os funcionários, algumas varas funcionam parcialmente, outras em regime de urgência e há aquelas que estão trabalhando normalmente.

O professor da Universidade Veiga de Almeida, Marcelo Trindade afirmou que o fato de algumas varas terem aderido à greve e outras não tem prejudicado o trabalho. “Em termos de prazo, complica muito”, constata. O TJ não suspendeu os prazos processuais devido à greve, ficando a critério do juiz de cada Vara como proceder. O estagiário Guilherme Martins, que cursa o sétimo período da faculdade de Direito, concorda. Para ele, isso é o que mais atrapalha o trabalho de quem precisa ir ao Fórum.

Questionados sobre o modo como a greve tem afetado o trabalho, advogados que transitavam pelo Fórum Central, nessa segunda-feira (17/11), afirmaram que a paralisação tem prejudicado a prestação jurisdicional. Isso porque, apesar de as audiências serem realizadas e as determinações dos juízes cumpridas, não há conclusão.

Para Marcelo Trindade, a greve dos servidores afeta severamente a necessidade dos clientes. Ele também chama a atenção para o fato de o recesso de final de ano estar a caminho. Como as atividades ficam suspensas por cerca de 15 dias, ainda que os servidores voltem imediatamente ao trabalho, o advogado acredita que o TJ só vai voltar a funcionar efetivamente depois de abril.

“O Judiciário já é moroso. Como explicar para um cliente que espera cinco anos para ter uma decisão definitiva que o processo não está andando?”, questiona uma advogada. “O maior prejudicado é o advogado, que não pode fazer nada pelo servidor”, desabafou outra advogada.

Uma advogada que milita nas Varas de Família afirmou que é preciso “jogo de cintura”. Por um lado, ela entende o direito do servidor de reivindicar melhores salários. Por outro, precisa insistir para que o processo ande. “Nem sempre o que é urgente para o cliente é considerado urgente pelo funcionário”, observa. Ela citou casos em que a mãe deseja viajar com os filhos e precisa de autorização ou quando há pedido de pensão.

A advogada também entende que a proximidade do recesso vai atrasar ainda mais os trabalhos nas Varas. Os cartórios, acredita, vão demorar para colocar o trabalho em dia. “A gente torce para que a votação seja rápida”, afirmou, em referência ao projeto de reajuste que tramita na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Reajuste negociado

A briga pelo aumento do salário já dura mais de um ano. Em junho de 2007, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, aprovou o reajuste dos servidores em 7,3%, retroativo a maio daquele ano. O TJ enviou o projeto de lei para a Alerj para que os deputados estaduais votassem o reajuste.

A aprovação do reajuste parecia certa. O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Murta Ribeiro, afirmou à época que um estudo realizado pelo tribunal e pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Rio (Sind-Justiça) atestava que o reajuste estava dentro da proporção que limita os gastos orçamentários com pessoal.

Na próxima quarta-feira (19/11), os deputados estaduais devem votar o Projeto de Lei 1.666/08, que prevê o reajuste. A Alerj informou, através de sua assessoria, que o projeto já foi a plenário e recebeu emendas.

De acordo com a Alerj, o governo estadual não concorda com o reajuste de 7,3%, muito menos retroagindo a maio. A proposta do governador Sérgio Cabral é de que seja 5% a contar a partir de novembro. Há duas semanas, o projeto chegou a ser incluído em pauta para a votação, mas foi retirado por falta de acordo.

OAB x servidores

A OAB do Rio bem que tentou promover uma conciliação entre os serventuários e o governo estadual. Mas conseguiu mesmo arrumar briga com os funcionários, que afixaram cartazes em protesto contra a OAB a quem chamam de fascista e de não cumpridora do papel constitucional.

Além de ir ao CNJ para pedir a suspensão dos prazos, a seccional fluminense foi à Justiça Federal para garantir ao menos 50% dos funcionários nas varas. O juiz Guilherme Disenthaler, da 15ª Vara Federal do Rio, concedeu a liminar. Caso a decisão não seja cumprida, o Sind-Justiça, sindicato que representa os servidores, terá que pagar multa de R$ 10 mil por dia.

“Negociamos várias vezes com o sindicato, pedimos que eles atendessem as medidas urgentes, inclusive o processamento dos mandados de pagamento, mas eles se recusaram e por este motivo a OAB-RJ decidiu entrar na Justiça para garantir o funcionamento mínimo”, afirmou o presidente da seccional fluminense, Wadih Damous. Para Damous, contudo, o grande vilão da greve é o CNJ (leia entrevista ao final do texto)

Para os servidores, a OAB do Rio tem de direcionar seus esforços aos “verdadeiros culpados pela situação atual, ou seja, o Executivo e o Legislativo que insistem com suas intransigências, e se negam a respeitar a decisão de um Poder, dito independente, que, por sua vez, não faz com que sua independência seja reconhecida pelos demais”. O desabafo está em uma “Carta aos advogados”, distribuída na porta do tribunal por funcionários em greve.

Os serventuários afirmam, ainda, que a greve é “um movimento justo e legal, em defesa de um direito que lhes é assegurado pelo artigo 37, inciso X, da Constituição Federal: a revisão anual dos seus salários”.

O TJ do Rio, através de sua assessoria, informou que o desembargador Murta Ribeiro tem tentado falar com o governador Sérgio Cabral.

Leia entrevista do presidente da OAB-RJ, Wadih Damous:

O que o senhor achou da decisão de hoje do CNJ em relação à suspensão dos prazos processuais na justiça do Rio de Janeiro?

Damous — Mais uma vez o Conselho Nacional de Justiça decepciona. Frustra os anseios de uma boa parte da sociedade que esperava ter no CNJ um órgão de fiscalização e de planejamento do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça, na verdade, tem fortalecido o corporativismo ao invés de combatê-lo. O CNJ tem se negado em sua composição majoritária a cumprir com a sua missão constitucional. Isso se deve basicamente por ter o órgão uma composição em que os juízes são majoritários. O que se percebe nesse julgamento de hoje, por exemplo é que tudo aquilo que diga respeito aos interesses do Poder Judiciário, essa composição majoritária de juízes se coloca na defesa do corporativismo.

O que fazer então ?

Damous — É lamentável. Lembro que houve um movimento muito grande na época da criação do CNJ pela Emenda 45 no sentido contrário à criação do controle externo do Judiciário. Constato que esse movimento saiu vitorioso no terceiro turno, ou seja, esse movimento conseguiu se infiltrar dentro do CNJ e está impedindo que o órgão cumpra a sua missão constitucional. Diria hoje que do ponto de vista de fiscalizar as atividades do Poder Judiciário e combater o seu corporativismo o CNJ é um órgão inútil. É apenas mais um órgão, em sua composição majoritária, que causa despesas ao contribuinte e não cumpre com a sua missão constitucional.

É hora de mudar ?

Damous — Somente se for feita uma mudança na Constituição. Para continuar a defender apenas os interesses da magistratura é melhor acabar. Não vejo neste momento qualquer utilidade ao Conselho Nacional de Justiça. Para ser apenas um órgão que causa mais despesas ao contribuinte era melhor não ter sido criado.

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