Dança em juízo

Juiz acusa de desrespeito advogado que dançou em audiência

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17 de novembro de 2008, 15h03

Alguns passos de dança diante de uma câmara de filmagem renderam ao advogado Luiz Carlos Azenha e ao tenente do Exército Maurício (o sobrenome não foi divulgado) uma dura reprimenda do juiz da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, Erik Navarro Wolkart. O episódio dançante valeu ainda mais argumentos para o debate sobre a utilização da videoconferência no processo judicial.

O incidente envolvendo o advogado e o tenente aconteceu na tomada de depoimentos de duas testemunhas, por videoconferência, no processo em que militares do Exército são acusados de entregar três jovens a traficantes do Morro da Mineira, no Rio

Azenha ainda foi duramente criticado pelo magistrado por ter levado ao auditório do Fórum Federal Marilena Soares Reis Franco, onde estava sendo feita a audiência, um primo do principal acusado no processo, o tenente do Exército Vinicius Ghidetti de Moraes Andrade. A oitiva foi feita por videoconferência, justamente, para evitar o confronto e o constrangimento das testemunhas diante dos acusados.

No dia 14 de junho, depois de um desentendimento, os militares conduziram os três rapazes presos até o Morro da Mineira, entregando-os a traficantes daquele morro que pertencem à facção Amigos dos Amigos, adversária do Comando Vermelho, que domina o tráfico na Providência.

Mesmo sem terem envolvimento com o tráfico, Wellington Gonzaga Ferreira, 19 anos, David Wilson da Silva, 24, e Marcos Paulo Campos, 17 foram assassinado por doze traficantes, dos quais a equipe do delegado Rodolfo Waldeck, da 6ª Delegacia de Polícia, já prendeu um, conhece a identificação de outros cinco e os apelidos dos seis restantes.

No processo aberto na 7ª Vara Criminal Federal contra os militares, o juiz havia decidido, por uma questão de segurança e atendendo ao pedido do Ministério Público, ouvir as testemunhas de acusação e do juízo – na maioria, modestos moradores da comunidade da Providência – sem a presença dos réus, para evitar constrangimentos e intimidações. Para tal ele levou em conta a Lei 11.690/08, que prevê expressamente a possibilidade da inquirição das testemunhas sem a presença dos réus.

A advogada Kenya Vanessa Lima Araújo de Jesus, defensora de um dos militares, o soldado Jose Ricardo Rodrigues de Araújo, entrou com um pedido de Mandado de Segurança no tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), alegando que o Supremo Tribunal Federal já decidira do direito da presença dos réus em todos os atos do processo. A juíza federal convocada para a 2ªTurma do TRF-2, Andréa Cunha Esmeraldo, acolheu em parte o Mandado de Segurança e determinou a “inquirição das testemunhas por meio de videoconferência, devendo ultimar as providências cabíveis no âmbito administrativo para que tal medida seja viabilizada tão logo da entrada em vigor da Lei 11.690/08, e, apenas em caso de impossibilidade intransponível de realização da videoconferência, certificada nos autos, fica autorizada a realização da audiência sem a presença dos réus, uma vez comprovado que poderão comprometer sobremaneira a instrução do processo, diante do fundado receio das testemunhas”.

Acatando a decisão, o juízo da 7ª Vara Federal Criminal implantou o sistema de videoconferência, para que o depoimento das testemunhas fosse realizado no auditório, enquanto os réus permaneciam na sala de audiência da Vara, ouvindo as testemunhas, mas sem vê-las.

No último dia 12, porém, como relata a Assentada redigida pelo juiz Wolkart, o advogado Azenha, levou ao auditório Cleber Campos Moraes, um primo do tenente Ghidetti. A presença do parente do réu intrigou o juiz, como ele mesmo registrou na assentada: “A priori nada se pode imputar e nem se está imputando à pessoa do senhor Cleber. A própria testemunha desconfiando de que algo estava errado disse em audiência que se sentia amedrontada. O que causa espécie a esse magistrado, e não apenas por esse fato isolado, é a conduta pouco respeitosa às razoáveis determinações que este Juízo toma, no exercício do poder de polícia em audiência, promovidas pelo advogado Luiz Carlos Azenha, OAB/RJ 107091. Este Magistrado tem imenso respeito pela advocacia em geral e por todos aqueles que atuam nestes autos, pois vem exercendo com sobriedade e competência, quer o papel de defesa dos acusados, quer o papel de assistente de acusação. Infelizmente excepciona-se nesse elogio a conduta do advogado Luiz Carlos Azenha”.

Mais estranho teria sido o comportamento do advogado depois que o juiz se retirou da sala de audiência. Segundo o juiz, Azenha teria dançado na frente da câmara, provocando gesto parecido do oficial encarregado da segurança dos réus, que acompanhavam a audiência em outra sala: “na ausência deste Magistrado e do Ministério Público no recinto, o advogado em questão levantou-se, postou-se em frente à câmara da vídeoconferência e balançou o seu corpo simulando algum tipo de dança e sendo correspondido na sala em que estão os acusados pelo tenente Maurício que gesticulou de maneira semelhante. Ressalte-se que o tenente Maurício é o responsável pela escolta dos militares acusados. Agrava o fato a circunstância de os atos desrespeitosos terem sido engendrados na presença da testemunha Maria de Fátima”.

Depois de ouvir o tenente, que negou ter dançado e admitiu apenas que acenou diante da câmara para o advogado, o juiz Wolkart determinou inúmeras providencias, entre as quais a comunicação do fato à OAB, ao Comando Militar do Leste, ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Militar. Pediu ainda que fosse comunicado das providências a serem tomadas. “Que nos ofícios encaminhados ao Comando Militar e ao Ministério Público Militar conste expressamente que a conduta do tenente não foi observada pela testemunha Maria de Fátima e sim pelos próprios acusados e por quem mais estivesse na sala com eles, pelo que não há necessidade de que Maria de Fátima seja chamada para prestar depoimento até porque colocaria em risco sua integridade sem qualquer utilidade”. Agora, aguarda-se a audiência do próximo dia 19 para se verificar o comportamento do advogado Azenha.

Ouvido pela revista Consultor Jurídico, o advogado Luiz Carlos Azenha disse em sua defesa que não cabe a ele cuidar de quem entra ou sai da sala de testemunhas. “A segurança do Fórum é que deveria fazer isso”, afirmou. Segundo ele, o pai de um dos réus também se encontrava na sala.

Azenha disse ainda que a relação com o juiz 7ª Vara Criminal Federal, Erik Navarro Wolkart, não é boa. O advogado conta que entrou com representação contra o juiz no Conselho Nacional de Justiça, por atos arbitrários e também vai entrar com medida judicial contra Wolkart com acusação de suspeição e imparcialidade.

Traficantes envolvidos

Paralelamente ao processo em que os militares responderão por homicídio qualificado, os policiais da equipe da 6ª Delegacia de Polícia Civil do Rio conseguiram identificar os traficantes do Complexo do São Carlos — no qual se situa o Morro da Mineira — que participaram do assassinato dos três jovens do Morro da Providência. Já se encontra preso Edson de Oliveira Paiva, o Chaperó, de 22 anos, que foi autor do disparo que matou o primeiro dos três rapazes, quando ele quis fugir logo após ter sido entregue aos traficantes pelo segundo-tenente do Exército Vinicius Ghidetti de Moraes Andrade, em junho passado.

O tenente, ao chegar ao morro, entregou os jovens ao soldado do tráfico Alex Costa dos Santos, o Di Bobeira, dizendo ser ”um presentinho para vocês”. Di Bobeira, que estava de folga, questionou o que era aquilo, e o tenente teria respondido “são alemães” (inimigos). Os três jovens assassinados – Wellington Gonzaga Ferreira, 19, David Wilson da Silva, 24, e Marcos Paulo Campos, 17 – não tinham participação no tráfico, mas era do Morro onde o movimento das drogas é controlado pelo Comando Vermelho, enquanto no Complexo do São Carlos o controle do tráfico é da facção Amigo dos Amigos (ADA).

Quando Di Bobeira recebeu os jovens, tinha ao lado os traficantes T.H., J.J., Rodrigo e Cocão. Este último era o chefe da segurança. Eles decidiram levar os três para o alto do morro quando um deles – não identificado – tentou fugir e acabou baleado. Ao ser preso, Chaperó não confessou ter sido o autor do tiro. Mas, seu irmão, Alexandre de Oliveira Paiva, disse à polícia que “soube, por Chaperó, que, quando um dos meninos tentou fugir, seu irmão efetuou um disparo de fuzil, atingindo-o nas costas”.

O rapaz chegou morto no topo do Complexo, onde estavam os chefes locais do tráfico: Anderson da Rosa Mendonça, o Coelho, Rogério Rio Mosqueira, o Roupinol e o braço direito dele, Sandro Luis de Paula Amorim. Foi Roupinol quem decidiu matar os três. Segundo a policia ouviu de um segurança do tráfico preso recentemente, o chefe do tráfico sabia que as mortes causariam problemas, mas preferiu executar os jovens a deixá-los sair com vida e os denunciar. Ainda assistiram ou participaram dos assassinatos os traficantes Pedro Paulo da Silva Miranda, o Da Rajada e Anderson Eduardo Timóteo, o Derson.

Processo n° 200851018078147

Clique aqui para ler o Mandado de Segurança.

Clique aqui para ler a Assentada do juiz.

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