Vinhos e charutos

Gushiken fracassa em novo processo contra a Veja

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13 de novembro de 2008, 19h50

Luiz Gushiken, ex-ministro de Comunicação do governo Lula, perdeu outro processo contra a revista Veja e o jornalista Lauro Jardim. Gushiken pedia indenização de R$ 50 mil por danos morais porque a revista publicou em 2006 uma nota sobre um jantar que compartilhou com o empresário Luís Roberto Demarco. No entanto, para o juiz Régis Rodrigues Bonvicino, da 1ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros em São Paulo, Gushiken não tem direito de reclamar porque a Veja publicou resposta dele na edição seguinte à da nota.

Na coluna Radar, Lauro Jardim informou que “Gushiken revelou-se requintado… serviu-se de uma garrafa de Grand Vin de Chateau Latour, safra 1994, um tinto apreciadíssimo. O néctar do Pauillac custa 2 990 reais a garrafa. Depois, o ‘China’ acendeu um charuto cubano… Total da brincadeira: 3 500 reais. A conta foi paga em dinheiro vivo rachada entre os dois”. Na edição seguinte, a revista colocou nota de Gushiken, que admite que jantou no restaurante Magari com Demarco, como informou a coluna.

Na Justiça, o ex-ministro reclamou que o texto de Veja dizia que ele, apesar de não ter renda, teria pagado caríssimo por um jantar, insinuando que ele não seria idôneo. Gushiken sustentou que a nota foi infamante e inverídica porque o valor do jantar divulgado não corresponde ao que foi efetivamente pago. O ex-ministro disse que a conta foi paga com cartão de crédito e não com dinheiro.

Para o juiz Bonvicino, no entanto, não se pode falar de malícia já que a Veja permitiu que ele apresentasse a sua versão. “Quando o veículo abre espaço para resposta, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo tem entendido que não há dano moral a ser reparado.”

O juiz citou decisão da 10ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP adotada em maio deste ano. Nela, o desembargador Jomar Juarez Amorim, relator, disse que, no caso que julgava, “embora evidente o erro, aqui se entende que não houve má-fé, sobretudo porque diante da retificação da notícia na edição de 24/10/04, na primeira página e no editorial. Afastada a malícia na publicação, não há falar em reparação civil, conferindo-se primazia à liberdade de imprensa”.

A Editora Abril e o jornalista foram defendidos pelo advogado Alexandre Fidalgo e Cynthia Romano do escritório Lourival J. Santos Advogados.

Relatos de um jantar

No processo movido por Gushiken contra Veja, a secretária-executiva da Casa Civil e braço direito de Dilma Rousseff, Erenice Alves Guerra, foi chamada para ser testemunha. Erenice ganhou fama com o caso do dossiê dos cartões corporativos. Ela afirmou que não tem relação pessoal com Gushiken. Lembrou que a nota foi publicada quando ele já tinha saído da Secretaria de Comunicação do governo. Apesar disso, Erenice conta que o texto provocou brincadeiras e piadas em relação ao ex-ministro. O juiz considerou mera ilação o fato de ela achar que a nota confirmava a existência do mensalão e abuso do PT no manuseio do dinheiro público.

O maître do restaurante Ramiro Lopes também foi chamado para testemunhar e confirmou que Gushiken jantou com o empresário Luis Roberto Demarco. Segundo Lopes, o Magari é um dos restaurantes mais caros do país, onde um vinho pode custa R$ 30 mil. Ele é freqüentado por personalidades como Márcio Thomaz Bastos, Hebe Camargo, Roberto Justus, Jorge Bornhausen, Nizan Guanaes, Gilberto Kassab e Washington Oliveto.

O juiz chama atenção para o fato de políticos freqüentarem o restaurante. “Todo homem público é mais visado que o homem anônimo. Entendo que a publicação da nota em si não foi ofensiva à sua honra, porque o maître Lopez confirma que Gushiken jantou com um empresário de porte, tomou vinho e fumou um charuto”, afirma Bonvicino.

O maître diz que Gushiken levou seu próprio vinho e que o charuto era nacional. Segundo o juiz, é difícil para uma revista apurar esse tipo de nuança. “O glamour do restaurante Magari faz crer que é muito raro que seus clientes levem suas garrafas de vinho para acompanharem seus jantares, inclusive, pelo preço dos vinhos vendidos na carta. Seu lucro está precisamente na venda de bebidas caras”, argumentou. Bonvicino considerou estranho um empresário ou um ex-ministro levar ao restaurante sua própria garrafa.

Segundo o juiz, Gushiken mostrou sensibilidade além da conta ao entrar com uma ação por causa dessa nota. “Num país que viveu 21 anos sob uma ditadura, sem liberdade de imprensa, ela precisa ser respeitada ao extremo, pois cumpre papel de informar os leitores e a sociedade civil”, disse, ao julgar a ação improcedente.

Bonvicino estipulou que o ex-ministro deve pagar as custas processuais fixadas em 20% do valor da causa porque o processo se estendeu até a instrução e julgamento

Outro processo

Em janeiro deste ano, o mesmo juiz também julgou improcedente ação de Gushiken contra a Editora Abril por causa da reportagem Ação entre velhos amigos, publicada na revista Veja em 6 de julho de 2005. A reportagem do jornalista Ronaldo França relata a venda da empresa Gushiken & Associados, que passou a se chamar Globalprev. O negócio foi feito no final de 2002, pouco antes de Gushiken assumir a chefia da Secretaria de Comunicação do governo. O texto conta também o favorecimento da empresa para fechar contratos com fundos de pensão de estatais graças à influência de Gushiken.

O ex-ministro pedia R$ 30 mil por danos morais porque a revista insinuava que ele usava o cargo para favorecer a empresa da qual foi sócio antes de ser ministro. Ele queria que a sentença fosse publicada na revista e no site da Veja.

O juiz considerou que a matéria era de fato e de direito e não se poderiam produzir mais provas sobre o caso. Além dos papéis apresentados por Gushiken, ele queria que a revista entregasse os documentos em que se baseou para fazer a reportagem. “O pedido é ilegal, pois fere a garantia constitucional da preservação da fonte, o que demonstra que as provas requeridas pelo autor são absolutamente inúteis”, argumentou Bonvicino.

Na sentença, o juiz não fechou os olhos para o contexto em que a reportagem foi publicada e comentou o quadro de corrupção na política brasileira. “Só um lunático não sabe a insatisfação do povo brasileiro com a corrupção. Há governantes que são verdadeiras fraudes, no caso, não estou mencionando Luiz Gushiken, e sim falando genericamente. É notório que as plataformas de campanha são ‘rasgadas’ assim que os candidatos tomam posse.”

O Brasil é o país recordista mundial de processos contra jornalistas. Uma parcela significativa das ações são ajuizadas taticamente para tentar blindar políticos, empresários e outras personalidades de críticas ou, então, para que suas atividades não sejam divulgadas.

Processo: 011.06.121993-2

Clique aqui para ler a decisão.

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