Responsabilidade médica

Processos por erro médico tiriplicaram em seis anos, no STJ

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11 de novembro de 2008, 12h35

O número de processos por erro médico que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça triplicou nos últimos seis anos. Em 2002, o STJ recebeu 120 recursos em ações por erro médico. Neste ano, até o final do mês de outubro, já eram 360 novos recursos autuados por esse motivo, a maioria questionando a responsabilidade civil do médico. As informações são da Assessoria de Imprensa do STJ.

O STJ tem assegurado a pacientes lesados por erros médicos três tipos de indenizações: por danos materiais, para ressarcir o paciente das despesas com o tratamento inadequado e de eventuais perdas (dias de trabalho perdidos, por exemplo); por danos morais, para compensar a dor moral a que foi submetido (como ocorre com a supressão indevida de um órgão); e por danos estéticos, para reparar o prejuízo causado à aparência física do paciente, nos casos em que o erro causou cicatrizes ou deformidades. As indenizações são cumuláveis.

Relação de consumo

O STJ entende que deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos serviços prestados por profissionais liberais, inclusive médicos. Nestes casos, a pretensão à reparação prescreve em cinco anos, contados do momento do conhecimento do dano ou de sua autoria. A presidente da 2ª Seção, ministra Nancy Andrighi, faz uma ressalva. “A responsabilidade do médico, ao contrário do que ocorre no restante das leis consumeristas, continua sendo subjetiva, ou seja, depende da prova da culpa do médico”, explica a ministra.

Num julgamento ocorrido em 2005, na 3ª Turma, os ministros aplicaram esse entendimento e não atenderam o pedido de um cirurgião plástico de São Paulo para que fosse considerado prescrito o direito de ação de uma paciente. Ele alegava que já teriam transcorrido os três anos estabelecidos pelo Código Civil para a reparação do dano. A paciente, que ficou com deformidades físicas após cirurgias plásticas, conseguiu que o médico custeasse todo o tratamento para restabelecimento do seu quadro clínico, além de reparação por dano moral e estético.

Ainda sob a ótica da lei de defesa do consumidor, naquelas hipóteses em que o Poder Judiciário identifica a hipossuficiência do paciente, isto é, a dependência econômica ou de informações, pode haver inversão do ônus da prova. Isto é, o juiz pode determinar que cabe ao médico fazer prova da regularidade de sua conduta. De acordo com a ministra Nancy Andrighi, a aplicação do CDC facilita muito a defesa dos direitos do consumidor. “Com ele, o juiz dispõe de meios mais eficazes para detectar práticas comerciais e cláusulas contratuais abusivas. Isso certamente é um avanço em relação à legislação comum”, analisa a ministra.

Revisão de valores

Atualmente, estão em análise no STJ 444 processos sobre essa matéria. Boa parte dos recursos que chega ao Tribunal contesta os valores das indenizações por erro médico arbitrados pela Justiça estadual ou federal. Mas ser admitido para julgamento no STJ não é sinal de causa ganha: a orientação consolidada na corte é de somente revisar o valor quando for exorbitante ou insignificante. A quantia deve ser razoável e proporcional ao dano.

Ao julgar cada caso, os ministros analisam o fato descrito nos autos, sem reexaminar provas. Com base nas circunstâncias concretas, nas condições econômicas das partes e na finalidade da reparação, decidem se o valor da indenização merece reparos. E, por vezes, uma indenização por dano moral devida por erro médico pode ser maior do que aquela obtida por parentes pela morte de um familiar.

Foi o que ocorreu na análise de um recurso do Rio de Janeiro em que a União tentava a redução do valor de uma indenização de R$ 360 mil por danos morais. A vítima era uma paciente que ficou tetraplégica, em estado vegetativo, em decorrência do procedimento de anestesia para uma cirurgia a que seria submetida em 1998.

A relatora do recurso, ministra Denise Arruda, da 1ª Turma, afirmou que não se tratava de quantia exorbitante. Ela entende que não foi possível estabelecer, neste caso, um paralelo com qualquer indenização devida em caso de morte da vítima. “O sofrimento e a angústia vividos diariamente pela agravada [paciente] e a irreversibilidade das seqüelas sofridas potencializam, no tempo, o dano moral”, explicou a ministra.

Co-responsabilidade

Além do médico responsável pelo procedimento, a clínica ou hospital em que se deu o atendimento também estão sujeitos à responsabilização pelo erro médico. O STJ já decidiu que a operadora de plano de saúde pode responder, solidariamente, por eventual erro do médico que indicou ao segurado.

Em setembro passado, a 2ª Seção julgou o recurso de hospital de Santa Catarina que contestava a condenação solidária por erro médico. A Justiça estadual havia condenado o hospital e o médico ao pagamento de danos morais, materiais e pensão vitalícia à vítima de uma cirurgia de varizes infeliz.

Os ministros entenderam que a entidade não poderia ser responsabilizada solidariamente por erro médico, pois o cirurgião não prestou quaisquer serviços no interesse do hospital ou sob as suas ordens. De acordo com o relator, ministro João Otávio de Noronha, o fato de receber remuneração pela locação de espaço físico não torna o hospital solidariamente responsável por danos causados por imperícia médica.

Entretanto circunstâncias diferentes podem levar o hospital a responder como fornecedor do serviço médico-hospitalar prestado do qual decorreu o dano. Em 2002, a 4ª Turma manteve decisão da Justiça do Rio de Janeiro que condenou uma instituição médica a responder solidariamente pela falta de informação por parte de seu médico sobre os riscos que envolviam uma cirurgia.

A paciente acabou perdendo completamente a visão e ingressou com pedido de indenização por danos materiais, físicos e morais contra o hospital e o médico. Um ano antes, a mesma 4ª Turma já havia decidido que o médico-chefe pode vir a responder por fato danoso causado ao paciente por terceiro que esteja diretamente sob suas ordens.

Pós-operatório

A responsabilidade do médico pelo estado de saúde do paciente não se encerra no atendimento em si. Recentemente, a 4ª Turma confirmou o pagamento de indenização de R$ 300 mil a uma paciente que perdeu o útero, trompas e ovários devido a complicações ocorridas após uma tentativa de fertilização in vitro, realizada em 2001.

Baseados na análise dos fatos feita pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, os ministros consideraram negligente o atendimento pós-operatório que acarretou dano à paciente, sendo, por isso, passível de responsabilização civil. O relator do recurso foi o ministro João Otávio de Noronha.

Em processo analisado pelo Conselho Regional de Medicina fluminense, o médico não foi responsabilizado pela ovário-histerectomia. A paciente ingressou na Justiça contra a clínica e o médico que fez o procedimento. Disse que o procurou para atendimento com queixa de dor e febre, mas, após exame, foi encaminhada por ele a outros profissionais. Um mês depois, outro médico constatado um abscesso no tubo ovariano, o que exigiu intervenção cirúrgica.

Condenados em primeira instância, médico e clínica apelaram. O TJ-RJ descartou a realização de nova perícia e manteve a condenação solidária. No STJ, a sentença determinou a responsabilidade do médico pelo dano causado, porque não agiu com a cautela necessária. A negligência está na falta de assistência pós-cirúrgica à paciente, que teve o estado de saúde agravado. Alegando que a piora do estado de saúde da paciente não estava relacionada com a operação que ele fez, o médico encaminhou-a para especialistas de outras áreas. Cabe recurso.

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