Papéis trocados

Assaltante apanha e acusa a vítima de lesão corporal

Autor

10 de novembro de 2008, 18h07

A Justiça mineira rejeitou uma curiosa queixa-crime movida, para a surpresa do juiz da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Jayme Silvestre Corrêa Camargo, pelo próprio assaltante. O estudante Wanderson Rodrigues de Freitas, de 22 anos, teria sido agredido logo após roubar R$ 45 do caixa de uma padaria no bairro de Planalto, em Belo Horizonte, e decidiu acusar o dono do estabelecimento, Márcio Madureira Vieira, por lesão corporal.

De acordo com o advogado do assaltante, José Luiz Oliva Silveira Campos, o proprietário teria “se excedido no direito de legítima defesa” ao desferir golpes que fraturaram o nariz do rapaz, logo após se deparar com ele na tentativa da fuga. Ainda segundo o advogado, Freitas foi linchado pelos clientes da padaria.

Ao analisar a reclamação do assaltante, o juiz Corrêa Camargo afirmou ser a “pior aberração postulatória” que já viu em “longos anos no exercício da magistratura”. Segundo Camargo, ao ajuizar a ação após ser pêgo em flagrante e ter confessado o assalto, o criminoso mostrou “deboche” e “afronta ao Judiciário”.

A defesa de Freitas, que irá apelar da decisão, tentará anular o processo criminal contra o rapaz sob o argumento de que a confissão do crime foi obtida por meio de coação, já que ele só teria assumido o ato depois da surra.

No entanto, para o juiz, a agressão aconteceu em legítima defesa, já que o assaltante apontou um objeto para a caixa da padaria, que aparentava ser uma arma de fogo. Nesse caso, segundo a decisão, o comerciante teria apenas tentado proteger a funcionária e o seu próprio patrimônio. Camargo acrescentou que os laudos juntados para comprovar a lesão não esclareceram o grau do trauma.

O advogado explica, porém, que o objeto apontado pelo assaltante teria sido um pedaço de madeira e que nada justifica a “prática da justiça com as próprias mãos” pelo proprietário do local, com base no artigo 129 do Código Penal. Ele diz que um dos laudos médicos mostrou que o rapaz precisará de uma cirurgia plástica. Segundo ele, o estudante era cliente assíduo da padaria, morador do bairro na casa dos pais e teria sido filmado pelas câmeras de segurança. “Todo mundo sabia quem ele era e onde morava. Deveriam deixá-lo ir e esperar pela ação da polícia”, diz. “Não estou defendendo vagabundo, mas apenas questionando o excesso na legítima defesa”, afirma.

Veja abaixo trecho da decisão:

Juízo: 2ª Vara Criminal

Feito nº: 0024 08 246471-0

Natureza: Lesões Corporais

Querelante: Wanderson Rodrigues de Freitas

Querelados: Márcio Madureira Vieira

Leonardo di Saivio Lima Rodrigues

Vistos etc.

Versam os presentes autos sobre queixa-crime, proposta em face dos querelados em epígrafe.

Narra a inicial que o querelante, ao cometer crime de roubo no interior da Padaria passa Bem, debruçando-se o caixa e aparentemente apontando uma arma de fogo para a gerente, teria tido a ação interrompida pela querelado Márcio Madureira Vieira que, percebendo tratar-se de um assalto, teria ido em socorro da funcionária do estabelecimento e, em conseqüência, travado um embate corporal com o querelante, vindo este a fraturar o nariz.

Absurdamente, alegando o assaltante ser vítima do crime tipificado no art. 129, do Código Penal, porque a ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos, ajuizou ele a presente ação penal, juntando aos autos a documentação de ff. 06-22.

Relatados,

Decido:

A queixa-crime ofertada deve ser de pronto rejeitada uma vez não se vislumbrar qualquer fato criminoso praticado pelos querelados, tratando-se o caso de verdadeira excludente de ilicitude, mais precisamente de legitima defesa.

Certo é que da documentação juntada não se percebe qualquer excesso por parte do comerciante Márcio Madureira Vieira, que teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por desdobramento, seu próprio patrimônio.

Em segundo momento, a exordial não descreve qualquer conduta delitiva imputada a Leonardo di Sálvio Lima Rodrigues, segundo querelado.

Destaca-se ainda que nem o exame de corpo de delito juntado à f. 30, ou qualquer outro documento colacionado pelo querelante, esclareceu o grau da lesão sofrida e, em assim sendo, poderia eventual delito, em tese, ser da competência do Juizado Especial Criminal e, assim excluída a apreciação do fato pela Justiça Comum.

Registre-se ainda que em caso de instauração de ação penal, esta seria pública e não privada.

Por fim, observo que após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o presente caso o de maior aberração postulatória. A pretensão de querelante, criminoso confesso nos termos da própria inicial, apresenta-se como um indubitável deboche, constituindo-se em uma afronta ao Judiciário.

Assim pelos fundamentos apresentados, REJEITO A QUEIXA-CRIME, a teor dos artigos 41 e 43, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.

Custas pelo querelante.

Com o trânsito em julgado da presente decisão, dê-se baixa na distribuição, arquivando-se após conforme de estilo.

Inquérito: 002408246471-0-TJMG

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!