Esqueleto dos expurgos

Bancos cansam de esperar governo e agitam ação sobre planos

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6 de novembro de 2008, 21h01

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) tomou a frente da discussão e deve ajuizar, até o final do ano, ação no Supremo Tribunal Federal sobre as perdas das cadernetas de poupança causadas pelos expurgos inflacionários dos planos econômicos. Apesar de manifestação pública da Advocacia-Geral da União a favor dos bancos, a Febraban cansou de esperar que o governo entre com uma ação no STF para resolver os 500 mil processos dos correntistas que cobram as perdas dos bancos.

Para os bancos, a questão dos planos preocupa mais do que a crise econômica, já que a perda deve ultrapassar os R$ 100 bilhões. Além disso, o problema é agravado pelo fato de o volume de processos crescer em um momento em que o mercado bancário passa por uma reestruturação, principalmente com a fusão do Unibanco e Itaú. A entidade estuda, então, entregar Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental ao STF.

A Febraban convocou o primeiro time do debate econômico para embasar a sua posição. Na tarde desta quinta-feira (6/11), alugaram uma sala no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, para fazer um seminário com os economistas Maílson da Nóbrega e Luiz Gonzaga Belluzzo e o deputado Antônio Palocci.

A luta da entidade para que os bancos não arquem com os planos econômicos pode ser vista nos artigos de economistas como Delfim Netto e Gustavo Loyola. No mês de outubro, membros da Febraban também fizeram uma visita técnica nas redações de veículos de imprensa lidos pelos ministros do STF. Até um parecer do advogado Eduardo Arruda Alvim os bancos já têm.

No painel chamado Os planos econômicos, a estabilidade da moeda e a segurança jurídica, Maílson da Nóbrega fez uma exposição sobre a conjuntura em que foram implantados os planos Bresser (87), Verão (89), Collor (90) e Collor II (91). O economista teve participação ativa nesses planos, já que trabalhava no Ministério da Fazenda durante o Plano Bresser e foi o próprio ministro que fez o Plano Verão. Sua empresa, a Tendências Consultoria Integrada, preparou um estudo de 55 páginas sobre os planos, documento que deve ser anexado na ação que a Febraban vai entregar ao Supremo.

Para o economista, há uma incompreensão de parte do Judiciário sobre a idéia que presidia esses planos. No caso brasileiro, ele diz que a situação é mais grave, pois é o único em que é possível documentar as perdas no contexto da hiperinflação. “As perdas podem ser vistas na intervenção que o Estado fez nos contratos”, afirma.

Nóbrega aponta três erros comuns no que é divulgado sobre a questão. Primeiro, ele diz que é errada a idéia de que o congelamento impôs perdas aos detentores de ativos financeiros. O economista explica que os bancos também não lucraram com as perdas. Para ele, quem argumenta dessa forma despreza a “idéia de que o sistema financeiro é mero intermediário entre poupadores e tomadores e um cumpridor de ordens que emanam do Estado”.

O terceiro erro apontado pelo economista é matemático. Ele diz que, nas decisões, os juízes consideram que as supostas perdas foram aritméticas, sendo que o aumento causado pela inflação é geométrico. “Dependendo do anglo que você observa, os detentores de cadernetas de poupança até ganharam”, afirma.

Já Antônio Palocci, que foi ministro da Fazenda do governo Lula, foi mais sucinto em sua argumentação. Para ele, os planos econômicos são constitucionais. “Não sou fã dos planos econômicos, mas defendo que o governo tenha feito esses planos”, afirma. O deputado explica que a Constituição Federal autoriza o governo a fazer planos porque o texto diz que ele deve tomar medidas para defender a economia nacional. O ex-ministro lembra que, quando o governo não age, os efeitos podem ser desastrosos, “como estamos vendo na atual crise”.

Para Luiz Gonzaga Belluzo, em parecer sobre os planos, as instituições financeiras tiveram impactos negativos na sua rentabilidade com os planos. “Os sucessivos choques, as tentativas de indexação e o rebaixamento súbito das taxas de juros foram medidas recorrentes adotadas pelos planos que implicaram, em geral, em menor rentabilidade para as instituições financeiras”, afirma o economista.

Belluzo diz que, nesse momento em que o governo se empenha para preservar o equilíbrio fiscal, uma determinação da Justiça de aplicar índices de correção monetária superiores ao estabelecido pela lei dos planos pode acarretar pesadas perdas para bancos privados e públicos, com um forte impacto no erário. “O que pode tornar sem efeito todo o esforço fiscal a que foi submetida a sociedade nos últimos anos, com grande sacrifício”, diz.

Sem virada

Em nota divulgada durante o debate nesta quinta, a Febraban argumenta que uma decisão contra os correntistas não será uma virada de mesa em favor dos bancos. A entidade explica que não há direito adquirido em regime monetário. “O STF já decidiu que esse direito não cabe sobre padrões monetários passados e que normas sobre o regime legal da moeda alcançam os contratos em curso. Pareceres de juristas e economistas que conhecem o tema confirmam a constitucionalidade dos planos”, afirma.

O diretor para assuntos jurídicos da Febraban, Marcelo Habice de Motta, diz que, além da ADPF, a entidade pode entrar com um Recurso Extraordinário. “A ADPF tem um efeito mais imediato, mas, ao mesmo tempo, eu tenho um risco muito sério, porque a ADPF tende a resolver de uma única vez todos os problemas. Temos que ponderar isso muito bem para saber se isso é o ideal”, explica.

Habice de Motta afirma que a Febraban quer ajuizar um Recurso Extraordinário em que se possa trabalhar todas as questões constitucionais. “A gente não quer levar para o Supremo questões infraconstitucionais”, diz.

Sobre os movimentos de fusões pelos quais passam os bancos, Habice diz que eles têm uma dinâmica própria e que não dependem de outros tipos de problemas. Por isso, o movimento da Febraban não tem relação com o atual momento. “Mas, é claro que isso entra no custo da aquisição do banco. Agora, quem perde com isso são os acionistas desses bancos”, entende.

Ele diz que a Febraban está se movimentando agora porque, nos últimos dois anos, a quantidade de ações aumentou brutalmente por causa da divulgação que a imprensa está fazendo. A estimativa dele é que haja, pelo menos, 500 mil ações. Habice aposta que sete ministros devem votar a favor dos bancos.

Já o gerente jurídico da Febraban, Antônio Carlos de Toledo Negrão, acredita que pelo menos seis ministros do STF votarão pela tese da entidade. Para ele, quatro decisões tomadas pelo tribunal desde 2000 — uma ADI, uma ADPF e dois Recursos Extraordinários — confirmam essa tendência.

O economista-chefe da Febraban, Rubens Sardenberg, explica que os bancos fizeram apenas o que o governo determinava nesses planos. Se os correntistas ganharem, os bancos cobrarão os R$ 100 bilhões do Estado. Ele lembra que os bancos não ficaram com esse dinheiro na época dos planos. Além disso, 45% das ações são contra bancos públicos, em especial a Caixa Econômica Federal.

“No fim, é uma coisa injusta para sociedade porque os bancos irão atrás de seu direito e o Estado vai ter que ressarcir. Quem vai ganhar são os poucos que foram espertos”, diz o economista. O argumento é completado com o fato de que uma decisão contra as instituições financeiras pode agravar a confiança da economia em um momento de crise mundial.

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