Rainha das provas

Excesso de grampos enfraquece denúncia, diz presidente da ANPR

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25 de março de 2008, 20h59

A escuta telefônica transformou-se na rainha das provas. Os grampos são usados como única forma de investigação, o que enfraquece o processo criminal. Isso porque caso a prova obtida por interceptação seja considerada ilegal ou insuficiente, não há outras provas para embasar a denúncia — o que acaba por gerar impunidade.

A opinião é de Antônio Carlos Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Ele participou de audiência pública na CPI dos Grampos da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (25/3). Também foi ouvido, pelos deputados, José Carlos Cosenzo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). As informações são da Agência Câmara.

Os procuradores também discorreram sobre o uso de interceptações telefônicas em notícias da imprensa. Nos casos em segredo de Justiça, para eles, quem deve ser punido é o agente que vazou a informação. Não o jornalista que noticiou o conteúdo vazado. Na avaliação de Bigonha, a restrição da liberdade de imprensa seria um dano à sociedade. “Punir o jornalista é punir a parte mais fraca no processo”, disse. Já Cosenzo declarou que o segredo de Justiça é um direito inalienável, da mesma forma que a liberdade de imprensa.

Bigonha entende que a legislação não estabelece o monopólio da polícia judiciária (polícias federal e civil) para execução da escuta telefônica. Segundo ele, a Constituição estabelece que compete ao Ministério Público o manejo da Ação Penal. Já o relator da CPI, o deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), considera que a Lei 9.296/96, que trata das escutas, é clara ao estabelecer a polícia judiciária como a única com competência para realizar o procedimento.

Corpo técnico

No depoimento, José Carlos Cosenzo defendeu a criação de um corpo técnico específico, tanto na Polícia quanto no MP, para fazer os grampos. “As instituições deveriam buscar a qualificação fundamentalmente no agente.” Cosenzo declarou que faltam técnicas mais apuradas para as escutas autorizadas judicialmente. Segundo o procurador, a escuta é feita por apenas um policial. Em sua opinião, esse policial torna-se mais um vigia do equipamento do que uma pessoa capacitada para a obtenção de provas.

O procurador defendeu a padronização dos procedimentos da escuta telefônica em todo o país. Disse que é fundamental a regulamentação do mercado legal dos equipamentos de escuta telefônica e a penalização do mercado clandestino. Em sua opinião, a interceptação telefônica é um instrumento indispensável no combate ao crime organizado. Ele avalia que a Lei 9.296/96 deve ser aperfeiçoada, porque não coíbe os abusos. Cosenzo ainda defendeu a necessidade de o MP acompanhar a coleta de provas obtidas por meio das escutas.

Antônio Carlos Bigonha elogiou pontos do anteprojeto de lei do Ministério da Justiça sobre escutas telefônicas, que foi submetido à análise da OAB. Para a Ordem, o anteprojeto de lei viola garantias fundamentais do cidadão.

Entre os pontos elogiados, o procurador citou o novo limite de renovação dos prazos da escuta, até que se elucide o fato sob investigação. Para ele, a proposta é “muito feliz” quando fixa prazo de 60 dias para investigação, renovável por até 360 dias. A legislação atual estabelece prazo de 15 dias, sem falar em prorrogação.

O presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), informou que ouvirá na quarta-feira (26/3), às 14h30, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence. Na quinta-feira (27/3), será a vez do presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg.

Escuta no MP

Em junho do ano passado, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fontelles admitiu a compra do Guardião, sistema de interceptações telefônicas com capacidade para monitorar centenas de ligações simultaneamente. “Foi adquirido dentro do contexto da Operação CC5”, disse Fontelles, que dirigia a procuradoria à época em que o equipamento foi comprado, em 2004.

A revista Consultor Jurídico havia revelado que enquanto o Supremo discute em que medida o Ministério Público pode conduzir investigações no campo criminal, a PGR adquiriu a complexa máquina de interceptações telefônicas.

Não é só a PRG que comprou a máquina de grampear. Como também noticiou a ConJur, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado) de Mato Grosso já usou o Guardião em pelo menos duas operações no ano passado. Ele foi comprado em dezembro de 2006, por R$ 413 mil, da empresa Dígitro Tecnologia, de acordo com documento do Ministério Público.

País dos grampos

Na mesma CPI, foi revelado que, no ano passado, 409 mil interceptações telefônicas foram feitas no país, com ordem da Justiça, pelas operadoras Oi, TIM, Brasil Telecom, Telefônica, Vivo e Claro. O número é das próprias empresas. As empresas confirmaram um crescimento de 10% no número de pedidos entre 2006 e 2007. Mas o número de pessoas grampeadas pode ser maior. O secretário-geral da Telefônica, Gustavo Fleichman, disse que a empresa detectou 26 escutas clandestinas em 2007.

Em depoimento aos deputados, o representante de Relações Institucionais da Oi Fixo (antiga Telemar), Arthur Madureira de Pinho, confirmou que o ministro do STF, Marco Aurélio, foi grampeado quando visitou o Rio de Janeiro. Ao saber da informação, o ministro disse que estava “perplexo” e “inconformado” com as afirmações do executivo da Oi Fixo.

A suspeita de grampo ilegal de ministros do STF foi divulgada pela revista Veja em agosto de 2007. Na ocasião, cinco ministros (Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence — aposentado, Celso de Mello e Cezar Peluso) admitiram publicamente a suspeita. E mais: a suspeita do autor do grampo ilegal recaiu sobre a Polícia Federal.

Um dos ministros mais incisivos foi Gilmar Mendes. Ele contou que teve certeza de que estava sendo vítima de escutas clandestinas desde o mês de junho de 2007, quando decidiu soltar detidos na Operação Navalha.

Em setembro do ano passado, em encontro com um grupo de cinco deputados, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, contou que uma empresa especializada detectou na casa dela um grampo telefônico clandestino. Limitou-se a relatar o fato, que teria ocorrido em 2001, antes, portanto, que ela se tornasse presidente do STF.

A CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas começou o trabalho no mês de dezembro de 2007. A comissão tem 120 dias para apresentar o relatório final, mas acredita-se que esse prazo será prorrogado para que a CPI possa ter acesso às informações relevantes sobre o tema.

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