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Desembargador é denunciado por assassinato de radialista

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21 de março de 2008, 0h01

O desembargador federal José Maria de Oliveira Lucena, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, foi denunciado ao Superior Tribunal de Justiça pelo assassinato do radialista Nicanor Linhares Batista, na cidade de Limoeiro do Norte (CE). A denúncia é apresentada quase cinco anos depois da morte de Batista. O crime aconteceu em junho de 2003.

A mulher do desembargador e ex-prefeita de Limoeiro do Norte, Maria Arivan de Holanda Lucena, também é acusada pela morte do radialista. Ela aguarda decisão da Corte Especial do STJ para saber se vai ser julgada por júri popular ou se também tem direito ao foro especial de seu marido por ser acusada pelo mesmo crime. Enquanto isso, o processo contra ela, que estava na 1ª Vara de Limoeiro do Norte, está suspenso. E o tempo de prescrição, correndo.

A denúncia contra o desembargador foi apresentada pela procuradora da República Cláudia Sampaio Marques no dia 10 de março — o que interrompe a contagem do prazo de prescrição. A procuradora afirma que a demora em denunciá-lo não foi culpa sua, mas não quis revelar os motivos da lentidão.

Nicanor Linhares Batista era proprietário da rádio Vale do Jaguaribe, em Limoeiro do Norte, e principal adversário da então prefeita Maria Arivan. No seu programa diário, o Encontro Político, não poupava críticas à administração local e fazia diversas acusações de corrupção.

Em 30 de junho de 2003, enquanto gravava o programa, a rádio foi invadida por duas pessoas, que atiraram diversas vezes em Linhares Batista e fugiram. Ele recebia freqüentes ameaças de morte. O assassinato do jornalista causou comoção. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) se manifestou sobre o crime e cobrou punição dos culpados. A ONG internacional Repórteres sem Fronteiras enviou carta ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cobrando esforços na apuração do crime.

Foram apontados nove acusados pelo assassinato. Entre eles, a então prefeita e o desembargador Lucena. Os outros sete acusados foram pronunciados em 2006 pela juíza Luciana Teixeira de Souza, da 1ª Vara de Limoeiro do Norte, mas nenhum foi julgado: um deles morreu, um está foragido, o processo de dois já foi desaforado para Fortaleza e o dos outros três aguarda o mesmo destino. Para a juíza, o desaforamento para que o júri aconteça em Fortaleza é bom, pois afasta o caso das intrigas políticas que rondam Limoeiro do Norte.

O desembargador e a ex-prefeita não foram pronunciados porque seus processos ainda aguardam desfecho no STJ. A juíza Luciana recebeu a denúncia contra Maria Arivan. Em maio de 2004, no entanto, já havia sido aberto inquérito no STJ para apurar a participação do desembargador Lucena no homicídio. Neste inquérito, o então relator, ministro Paulo Gallotti, determinou quebra do sigilo bancário e telefônico do desembargador e também da ex-prefeita. A defesa dela, então, apresentou uma Reclamação ao STJ dizendo que estava havendo dupla atuação da Justiça Criminal.

A Reclamação passou pelas mãos do ministro Paulo Gallotti, que deixou a Corte Especial tempo depois, e pelas mãos do ministro Menezes Direito, que deixou o STJ para ingressar no Supremo Tribunal Federal, e foi parar com o ministro Hamilton Carvalhido, que se tornou também relator do Inquérito contra o desembargador Lucena.

No dia 30 de março de 2006, o ministro Carvalhido reconheceu que havia duas investigações pelo mesmo fato contra a ex-prefeita e suspendeu o processo até que a Corte Especial do STJ decida se ela tem de ser julgada pelo júri popular ou se herda do marido o direito ao foro especial. Depois, votou para que Maria Aivan seja julgada pelo júri popular, já que o foro na Corte Especial do STJ vale apenas para o desembargador, seu marido.

O ministro apontou a incoerência do Ministério Público: enquanto o Ministério Público Estadual já havia apresentado a denúncia considerando que havia indícios suficientes do crime e de sua autoria, o Ministério Público Federal ainda estava pedindo diligências para juntar as provas necessárias antes de denunciar a ex-prefeita e seu marido.

Na Corte Especial do STJ, o processo tem sucessivos pedidos de vista. Desde março de 2007, quando o ministro Hamilton Carvalhido levou a Reclamação de Maria Aivan para julgamento, quatro ministros já pediram vistas dos autos: Nancy Andrighi, no dia 7 de março de 2007; Peçanha Martins, em 20 de junho de 2007; José Delgado, em 15 de agosto de 2007; e Fernando Gonçalves, em 5 de março desse ano.

Dos 14 ministros que já votaram, 13 entenderam que a competência para julgar a ex-prefeita é do Tribunal do Júri, e não do STJ. Eles votaram pela anulação do recebimento da denúncia, ou seja, para que novo processo contra ela comece. Há um voto apenas pela competência do STJ para julgar Maria Aivan.

Segundo um assessor responsável por elaborar o voto de um dos ministros, o julgamento está demorando e tem sido interrompido por tantos pedidos de vista devido à complexidade do caso. Ele conta que, nos quatro anos que está no tribunal, nunca viu a Corte Especial ter de julgar foro privilegiado para acusado de homicídio. “Não é um processo comum”, diz o assessor.

Ele explica que a complexidade do caso está justamente no fato de a ex-prefeita ter uma denúncia contra ela na primeira instância e também ser considerada investigada em inquérito que tramita no STJ. Além disso, aponta a incoerência do MP Estadual e Federal: o primeiro entende que há provas e denuncia a ex-prefeita, enquanto o outro ainda solicita diligências. Rebate também as suspeitas levantadas por ONGs de que há um conluio para proteger o desembargador e sua mulher e deixar o caso prescrever: “nunca vi isso. Esse processo não pára nunca. Está sempre andando no STJ”.

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