Juízes de menos

Estrutura do Judiciário é incompatível com avalanche de processos

Autor

  • Fernando Mattos

    é juiz mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil na 2ª Região e juiz federal em Vitória (ES).

19 de março de 2008, 14h19

Uma sociedade em desenvolvimento, que almeja a harmonização dos conflitos, espera que o Poder Judiciário seja, fundamentalmente, eficaz e bem organizado.

O ideal de Judiciário eficiente está na pauta do dia, com a exigência de melhor desempenho por parte dos juízes e a redução na demora do desfecho de processos judiciais. A produtividade dos magistrados exibe, a cada ano, vigoroso esforço, de resultados sem precedentes na história do país. Só no ano de 2006, foram julgados, em média, por cada juiz federal de primeiro grau, 6,7 processos por dia. No mesmo período, em segundo grau, cada desembargador federal julgou, diariamente, 12,91 recursos. No Juizado Especial, por sua vez, há uma média de mais de 28 mil processos por juiz. É uma carga brutal de trabalho.

Essa tarefa árdua e dedicada, como se vê, esbarra e encontra freios na ausência de uma estrutura compatível com a avalanche de processos, que a economia crescente e a consciência do povo de seus direitos têm impulsionado. Desse fenômeno resulta o descumprimento do princípio constitucional da duração razoável do processo.

Deve-se reconhecer que a criação dos Juizados Especiais Federais amenizou o problema, ao resgatar conflitos que normalmente não seriam levados a juízo, e aglutinar outros, que demandam procedimento mais célere e simplificado. São as questões mais simples que sempre reclamaram por Justiça e que hoje fazem parte do trabalho diário dos juízes federais brasileiros. A criação dos Juizados Especiais Federais representou, nessa perspectiva, o primeiro passo de uma caminhada que passará, necessariamente, pela melhor organização da Justiça Federal. A essa iniciativa bem sucedida deverá se somar outra, igualmente necessária: a criação de estrutura para as Turmas Recursais, prevista no Projeto de Lei 4.694-04, que aguarda votação pelo Congresso Nacional.

Da mesma forma que o avanço da economia e da idéia de cidadania exige progressos técnicos e condições objetivas de desenvolvimento, o aumento das necessidades do jurisdicionado impõe um Poder Judiciário em contínua reestruturação, para que possa atender os dinâmicos reclamos da sociedade brasileira.

É patente que, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, há um déficit na prestação jurisdicional, provocado pela inadequação de sua estrutura à realidade atual do contexto dos litígios, que são confiados à sua competência especial. Para se ter uma idéia, enquanto o Poder Judiciário Estadual ostenta 27 tribunais, integrados por 1.431 desembargadores e a Justiça do Trabalho 24 tribunais e 463 desembargadores, a Justiça Federal tem apenas cinco tribunais e 138 desembargadores. É corolário desse fenômeno o fato de que a média de processos por desembargador federal é, no Brasil, superior a nove mil. Já na Justiça Estadual e do trabalho, ela não chega a dois mil processos por magistrado.

É preciso reconhecer o problema e as suas graves repercussões: há regiões de grande relevância, amesquinhadas pela anacrônica organização da Justiça Federal. O tema é de envergadura nacional e do conhecimento de todos.

A sociedade reclama uma solução rápida e efetiva para essa inadequação estrutural. Urge que o Superior Tribunal de Justiça aprove a proposta do Conselho da Justiça Federal de aumento do número de desembargadores federais e de criação das Câmaras Regionais, como forma de “… assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo” (art. 107, § 3º, Constituição da República). No âmbito da Justiça Federal, que é estruturada por meio de Tribunais Regionais, sediados em apenas cinco estados da Federação, a criação dessas câmaras se faz necessária para a melhor qualidade e acesso à Justiça.

De qualquer forma, o aumento do número de desembargadores não basta, pois há necessidade, ainda, da criação de novos Tribunais Regionais Federais. Essa medida, antes de ser iniciativa de organização judiciária, é medida de Justiça, porque não se instalar tribunal onde há densa população e grande demanda representa verdadeira negação de jurisdição e abandono do cidadão, que fica submetido a moroso procedimento em outro estado, geralmente distante e de acesso oneroso.

Passados quase vinte anos da regionalização da Justiça Federal, é hora de readequar a sua estrutura administrativa, para torná-la compatível com as dimensões continentais do Brasil. Essa reestruturação está prevista na Projeto de Emenda Constitucional 544-2002, já aprovada no Senado e que está pronta para ser votada no Plenário da Câmara dos Deputados.

A reestruturação da Justiça Federal, com a criação de mais varas, da estrutura das Turmas Recursais e de novos Tribunais Regionais Federais, merece a devida atenção dos parlamentares, com a inclusão desses assuntos, em regime de prioridade, na pauta daquela casa.

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    é juiz, mestre em Direito Público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil na 2ª Região e juiz federal em Vitória (ES).

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