Discriminação racial

Discussão sobre racismo deve evitar o radicalismo

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13 de março de 2008, 21h10

Em nota recente intitulada “Questão de pele” (Clique aqui para ler) foi publicada a história da condenação da Esmena do Brasil S.A., empresa de origem espanhola, pela prática de discriminação racial contra um ex-funcionário.

De acordo com o relato da vítima, foram-lhe atribuídas alcunhas relacionadas ao tom de sua pele, de cor negra, tais como “escurinho”, “escuridão” e “negrinho”. Ainda segundo o funcionário, o antigo chefe o intimidou em alguns momentos, dizendo que “do portão para dentro, o território é espanhol”. Em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas), a empresa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 75 mil. Apesar da tímida divulgação do caso na imprensa nacional, o julgamento é ponto de referência para casos análogos no país.

Passado mais de um século pós-escravatura, o tema ainda é deveras delicado. Ao invés de uma discussão clara, tem-se preferido uma proteção exagerada em detrimento do diálogo aberto. Sepultar o problema é mais fácil que solucioná-lo — e, infelizmente, é o que tem ocorrido. Nem mesmo o Poder Público ousou enveredar pelo caminho do esclarecimento. Entre as autoridades, não são incomuns os discursos inflados sobre as chamadas “cotas raciais”, estimulando ainda mais a segregação da população e o conseqüente preconceito.

Na Constituição contemporânea, não houve parcimônia ao abordar o assunto, refletindo o anseio do povo brasileiro por um país mais justo, após tantos anos de tirania. No artigo 3º, IV, foi estabelecido como um dos objetivos fundamentais da República Federativa a promoção ao bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

No artigo 4º, VIII, dentre os princípios que regem a República em suas relações internacionais, há o “repúdio ao terrorismo e ao racismo”. Por fim, o artigo 5º, além do caput, traz em seu inciso XLII a inafiançabilidade e a imprescritibilidade à prática do crime. Para Stoco, “não há como deixar de criticar a exceção criada, tornando o crime imprescritível, o que, para nós, não encontra qualquer justificação, nem sustentação jurídica, pois a necessidade de pacificação e da segurança jurídica impõe que o tempo tudo apague e tudo releve” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil (2007). 7ª Edição. Ed. RT).

Em complemento à Carta Magna, o legislador pátrio classificou as diversas formas de preconceito de raça ou de cor. Na Lei 7.716, de 05.05.89, enumera:

I. “Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos (…)” (art. 3º);

II. “Negar ou obstar emprego em empresa privada (…)” (art. 4º);

III. “Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (…)” (art. 5º);

IV. “Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau (…)” (art. 6º);

V. “Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar(…)” (art. 7º);

VI. “Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público (…)” (art. 8º);

VII. “Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público (…)” (art. 9º);

VIII. “Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades (…)” (art. 10);

IX. “Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos (…)” (art. 11);

X. “Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido (…)” (art. 12);

XI. “Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas (…)” (art. 13);

XII. “Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social (…)” (art. 14);

XIII. “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (…)” (art. 20);

XIV. “Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo (…)” (art. 20, §1º)

Ainda que imperiosa, é importante que a proteção ao tema não alcance o radicalismo. Sem que exista o dano, não há o que reparar, devendo haver a comprovação da ofensa às prerrogativas constitucionais em razão da discriminação racial. Quanto ao ônus da prova, fica isento o proponente da ação em caso de comprovação da prática delituosa na esfera criminal.

O trabalhador prejudicado não deve temer o abandono legal. No caso da Esmena, foi dito ao trabalhador que a legislação nacional não valia no interior da empresa. Em resposta ao disparate, a juíza Ana Paula Pellegrina Lockmann disse: “Saibam que o Brasil é um país altivo e soberano e a Justiça Brasileira se faz presente onde for necessária, inclusive ‘do portão para dentro’ da empresa, devendo os mesmos pautar-se, daqui por diante, pelo respeito ao país e ao povo que os acolheu — através dos quais estão construindo a sua riqueza, frise-se —, observando estritamente as leis trabalhistas brasileiras”.

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