Morosidade mórbida

Entrevista: Marcio Kayatt, presidente da Aasp

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9 de março de 2008, 0h01

Marcio Kayatt - por SpaccaSpacca" data-GUID="marcio_kayatt.jpeg">Em vez de se perderem em discussões sobre listas e atritos pontuais, advogados, juízes e promotores deveriam se unir para combater os maus tratos que o Judiciário sofre dos poderes Executivo e Legislativo e para fazê-lo andar. Principalmente em São Paulo, onde a Justiça tem um passivo de 17 milhões de processos em primeira instância e mais de 600 mil em segunda.

“A morosidade é o maior entrave para o exercício da advocacia. O advogado não consegue justificar ao cliente porque um processo demora sete, oito anos para ser julgado”, afirma Márcio Kayatt, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, concedida na sede da entidade que dirigirá até o fim do ano, Kayatt lembrou que o TJ paulista já foi o precursor nas grandes causas, mas “infelizmente, perdeu esse espaço e tem dificuldade de dar conta do acervo monumental de processos”.

Na entrevista, Kayatt também explicou que a Aasp é mais do que uma importante prestadora de serviços aos advogados paulistas. É uma defensora intransigente da classe. O pedido de Mandado de Segurança que a associação impetrou no Superior Tribunal de Justiça no ano passado contra ato da ministra Nancy Andrighi é uma mostra de sua atuação institucional.

“O Mandado de Segurança apresentado trouxe a público uma faceta da entidade que não é nova e nem é pequena. A Aasp sempre fez uma defesa intransigente das prerrogativas dos advogados”, garante Kayatt, enquanto mostra em sua mesa o ofício recebido de um advogado que se disse desrespeitado, acompanhado da resposta do juiz à associação.

Como todo bom advogado que atua na área contenciosa, o presidente da Aasp não foge de uma boa briga e, ao defender o quinto constitucional, parte para o ataque: “sempre que há uma nomeação surgem os arautos da verdade pregando o fim do quinto. Reclamam, reclamam e quando o ministro é nomeado ninguém fala mais nada”.

O presidente da Aasp discorreu ainda sobre a situação da Carteira dos Advogados do Ipesp e rechaçou a alegação de que ela está quebrada. Para ele, prova de que há saída é o montante que a carteira tem em conta: R$ 1 bilhão. Mas não há segredo para a solução. “Será preciso diminuir o valor dos benefícios ou aumentar o valor da contribuição”, diz. Para isso, foi contratada uma auditoria que está apurando a real situação da carteira.

Kayatt tem 40 anos, se formou pela PUC-SP em 1990 e faz parte da diretoria da Aasp há oito. Assumiu a Presidência em janeiro e, quando deixá-la, no fim do ano, terá de se desligar da diretoria porque o estatuto não permite que um associado permaneça por mais de nove anos em cargos diretivos. Mas não se ressente: “a regra é salutar, pois permite a oxigenação da diretoria”.

Leia a entrevista

ConJur — Vê-se um número crescente de atritos entre advogados, promotores e juízes. Como a Aasp atuará para aproximar o Judiciário e o Ministério Público da advocacia?

Marcio Kayatt — Precisamos trabalhar insistentemente para restabelecer o bom contato entre as três partes. Muitas vezes, nos preocupamos com questões pontuais e deixamos de lado a questão maior, que é o fato de o Judiciário estar sendo maltratado pelo Executivo e pelo Legislativo. É hora de nos unirmos para defender um Judiciário forte e efetivo, com autonomia financeira, sem indevidas intervenções dos demais poderes. É a semente que pretendo plantar durante a minha gestão, para retomar a idéia da chamada família forense.

ConJur — Qual é o diagnóstico que o senhor faz dos problemas do Judiciário paulista?

Marcio Kayatt — O maior entrave do Judiciário é a falta de competência para administrar, muito mais do que problemas de falta de recursos ou de autonomia. Quem quer autonomia precisa saber gerir. O juiz não presta concurso para administrar. Há uma diferença muito grande entre as duas atividades. É necessário que o Tribunal de Justiça terceirize a sua gestão para que ela seja absolutamente profissional. A Aasp é um bom exemplo disso. Temos 680 funcionários. Se nós, advogados eleitos para administrar a entidade, não terceirizássemos a gestão, a associação não teria suas finanças em dia. Imagine o Judiciário paulista, que tem 60 mil funcionários com mais de mil unidades para serem administradas. É preciso profissionalizar a gestão e deixar ao magistrado a função para a qual ele foi concursado e aprovado.

ConJur — O senhor concorda que, por causa da morosidade, os entendimentos firmados em São Paulo já chegam ultrapassados nos recursos aos tribunais superiores?

Marcio Kayatt — Concordo em gênero, número e grau. O TJ paulista, que sempre foi o precursor nas grandes causas e teses jurídicas, infelizmente, perdeu esse espaço. A dificuldade é dar conta do acervo monumental de processos. A situação de todo o Poder Judiciário é complicada, mas é preciso enfrentar o problema. Atualmente, a morosidade é o maior entrave para o exercício da advocacia. O advogado não consegue justificar ao cliente porque um processo demora sete, oito anos para ser julgado no tribunal. Um diálogo aberto e franco entre magistratura, Ministério Público e a advocacia pode ajudar.


ConJur — A Aasp, conhecida por ser uma entidade prestadora de serviços, tem avançado em questões institucionais, como na defesa das prerrogativas dos advogados. Houve recente episódio envolvendo a ministra Nancy Andrighi, do STJ, que não atendia os advogados se não houvesse agendamento prévio da audiência.

Marcio Kayatt — O pedido de Mandado de Segurança apresentado contra o ato da ministra trouxe a público uma faceta da entidade que não é nova e nem é pequena. A Aasp sempre fez uma defesa intransigente das prerrogativas dos advogados. A preocupação maior não é divulgar a nossa atuação, mas obter resultado. No caso da ministra, a associação enviou um ofício explicando que a regra de seu gabinete violava prerrogativa dos advogados. Depois telefonou. Ela se sensibilizou e disse que poderia rever a sua posição. Com a demora por uma resposta, faltando apenas um dia para o prazo decadencial, não nos restou outra alternativa a não ser entrar com o pedido de Mandado de Segurança. Mas o episódio está superado. A ministra revogou a ordem.

ConJur — Mas esse trabalho da Aasp aparece menos.

Marcio Kayatt — Sim. Mas, no exercício da Presidência, mando dezenas ou centenas de ofícios ao longo de um mês. Eles são expedidos às diversas autoridades apontando individualmente ou coletivamente situações em que o advogado não teve prerrogativas respeitadas. Nós procuramos apurar a veracidade da queixa. Não basta sair por aí reclamando que o juiz não faz isso ou o promotor fez aquilo. É preciso apurar para que as reclamações sejam enviadas.

ConJur — A Aasp faz lista como a OAB?

Marcio Kayatt — Não. Ao apontar supostas violações de uma autoridade, a Aasp age com respeito absoluto porque entende que, ao fazê-lo, está trabalhando para melhorar a prestação jurisdicional. Respeitamos todas as instituições e todos os tribunais do país. Só que respeito não implica em subserviência àquilo que ela entenda por violação das prerrogativas dos advogados.

ConJur — Qual é a sua opinião sobre o quinto constitucional?

Marcio Kayatt — Eu defendo a instituição do quinto constitucional. Ele faz parte do ordenamento constitucional brasileiro desde 1934. Nestes mais de 70 anos de existência, não há um caso de advogado no exercício da magistratura que tenha desonrado a nobre missão de julgar. O quinto constitucional oxigena os tribunais e tira a magistratura da clausura. Não há crítica aos juízes, mas, por conta do excesso de trabalho, eles ficam trancafiados em seus gabinetes e muitas vezes não olham o que acontece ao redor. O advogado e o promotor vêm com a missão de mostrar à magistratura a visão daqueles que estão atrás do balcão.

ConJur — Mas há dificuldade na escolha dos nomes para preencher essas vagas. O fato de o STJ não ter escolhido ninguém da última lista enviada pela OAB revela isso, não?

Marcio Kayatt — As escolhas são políticas, seja pela OAB, seja pelos tribunais. Os tribunais fazem política não só quando reduzem uma lista sêxtupla ou tríplice, mas também quando promovem juízes por merecimento. Mas não podemos colocar em xeque um instituto de mais de 70 anos e que até agora deu certo porque houve um desentendimento entre a OAB federal e o STJ. Devemos tentar aprimorar o instituto do quinto constitucional em vez de pedir o seu fim. Se alguns acham que os critérios de escolha estão equivocados ou superados, é preciso discutir como aprimorá-los. Sempre que há uma nomeação, surgem os arautos da verdade pregando o fim do quinto ou o fim da indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal pelo presidente da República. Reclamam, reclamam e, quando o ministro é nomeado, ninguém fala mais nada. Precisamos de propostas sérias.

ConJur — Em suas decisões, os ministros do Supremo se mostram independentes. Não há política partidária.

Marcio Kayatt — Claro que não. A pressão da sociedade sobre os ministros do STF e também sobre o Superior Tribunal de Justiça é tamanha que, se houvesse vinculação política, eles não conseguiriam exercer.

ConJur — Se a sabatina no Brasil fosse um processo sério, essa discussão estaria superada, não? Nos Estados Unidos, os parlamentares fazem várias sessões e já houve caso em que o indicado retirou a sua candidatura.

Marcio Kayatt — Infelizmente, o nosso Parlamento não tem nem preparo para isso.

ConJur — A advocacia está em xeque?

Marcio Kayatt — Não está em xeque, mas deve estar atenta. A advocacia passa por uma da fase difícil. Há uma tentativa de encurralamento. Temos de nos unir. Nesse contexto, o papel das entidades é extremamente importante e deve contar com a colaboração dos advogados. Eles devem se levantar sempre que virem suas prerrogativas violadas. Muitas vezes, as entidades só agem por provocação.


ConJur — Qual é a maior ameaça?

Marcio Kayatt — São as tentativas de violar prerrogativas, que não são dos advogados, mas de seus clientes. Quando vou visitar um juiz para discutir uma causa, estou lá em nome do cliente. Se a autoridade nega acesso ao inquérito policial, está cerceando o direito de defesa do meu cliente. O advogado nada mais é do que um instrumento, a voz, a representação daquele contra o qual o Estado está agindo.

ConJur — O que divide e o que aproxima a Aasp e Ordem dos Advogados do Brasil?

Marcio Kayatt — As duas entidades têm espaço de atuação bem claro. A Aasp é uma entidade que ajuda o advogado no dia-a-dia e na defesa de suas prerrogativas. A OAB é uma corporação que ultrapassa os limites da defesa corporativa. Ela tem o papel de sustentação do Estado Democrático de Direito, defesa da cidadania e não tem como alvo a prestação se serviços. Aasp e OAB são parceiras que caminham de mãos dadas. O objetivo comum é assegurar à advocacia condições para o pleno exercício da profissão.

ConJur — A Aasp sempre foi tida como uma entidade de serviços. Hoje, quais são os principais campos de atuação?

Marcio Kayatt — A associação nasceu com o serviço de recortes [serviço de envio aos advogados das intimações e atos diários publicados no Diário Oficial], que cresce a cada ano. No ano passado, o serviço de pesquisa de jurisprudência ganhou uma ferramenta de busca na internet. Por meio do nosso site, os associados podem fazer pesquisa de jurisprudência em 15 tribunais ao mesmo tempo. Até o final do ano, pretendemos agregar a base de dados de todos os tribunais do país. Os advogados podem consultar acórdãos dos Tribunais de Justiças. Já temos mais de dez anos de jurisprudência do TJ-SP, mais que o site do próprio tribunal. A Aasp digitalizou as decisões que o tribunal só tinha em papel.

ConJur — Juízes também podem ter acesso ao sistema?

Marcio Kayatt — A contrapartida para podermos digitalizar os processos foi disponibilizar aos juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo uma senha de acesso ao sistema. Outra idéia que tivemos é disponibilizar sentenças de primeiro grau no site. Mas ainda estamos trabalhando para tentar concretizá-la. Será uma ferramenta para o advogado conhecer o pensamento daqueles que oferecem a primeira solução para o problema e também uma forma de incentivar a magistratura a proferir decisões melhor elaboradas e estudadas, porque vão repercutir em toda a comunidade jurídica. Vamos selecionar decisões em matérias novas e polêmicas, o que será de extrema utilidade para guiar a atuação do advogado.

ConJur — Os recortes sempre foram o carro-chefe da Aasp. Mudou algo com a intimação on-line da OAB-SP e com o Diário Oficial Eletrônico?

Marcio Kayatt — Não, porque o advogado confia na qualidade do nosso serviço. Ele não precisa se preocupar se a publicação vai chegar ou não, porque ela vai chegar. A média de envio é de quatro a cinco milhões de recortes por mês. O índice de erros oscila entre dois ou três casos. Este número fala por si só. As intimações judiciais eram feitas através do Diário Oficial e, pelo fato de serem informações bastante volumosas, foram uma das premissas para a fundação da entidade. Elas deixaram de existir com a publicação eletrônica e os nossos 83 mil associados não perceberam a mudança. Durante dois anos, a entidade se preparou para continuar prestando o serviço com a mesma qualidade que prestava, agora por e-mail.

ConJur — Quais outros serviços a associação oferece?

Marcio Kayatt — O departamento de cursos tem sido uma das válvulas propulsoras da associação. Em 2007, tivemos mais de 20 mil participantes. Temos curso à distância por transmissão via satélite para todo o país. O Superior Tribunal de Justiça fez um convênio para disponibilizar os cursos aos seus ministros e servidores. Pretendo ainda fazer investimentos para ampliarmos o acervo de obras nacionais e internacionais da biblioteca. Há um projeto de livro eletrônico, o e-book, que permitirá acesso à distância da biblioteca. Outro serviço oferecido é o envio do clipping, com algumas notícias do dia extraídas dos principais meios de comunicação.

ConJur — Os advogados paulistas estão receosos com o futuro de sua carteira de Previdência, associada ao Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. O Ipesp está quebrado?

Marcio Kayatt — Não. Há, na verdade, um desequilíbrio atuarial causado pelo estado com a aprovação da lei de custas de 2003. O governo deixou de repassar a parte das custas judiciais estaduais para a carteira dos advogados — criada por lei estadual — e não se preocupou em substituir esta fonte. A fonte representava 80% do custeio da carteira. A primeira providência tomada foi o pedido de um parecer ao professor Adilson Dallari para que pudéssemos compreender o âmbito jurídico da questão. Com clareza, o parecer aponta uma atitude omissiva e comissiva do estado ao desequilibrar a carteira dos advogados.


ConJur — O que é preciso fazer para reencontrar o equilíbrio?

Marcio Kayatt — Este é o segundo passo. Foi contratada por meio de licitação, com recursos da própria carteira, uma empresa especializada na área atuarial para fazer um levantamento preciso da situação da carteira, apontar o déficit e dar sugestões para readequação e reequilíbrio econômico da carteira. Precisamos saber qual é o tamanho do problema para remediá-lo. Mas não podemos dizer que a carteira está quebrada. Afinal, há uma reserva financeira de R$ 1 bilhão.

ConJur — Quantos advogados estão inscritos na carteira?

Marcio Kayatt — São 33,5 mil contribuintes ativos e 3,5 mil aposentados e pensionistas. Sempre que surgem essas questões, aparecem oportunistas que se apresentam como verdadeiros salvadores da situação. No entanto, nunca se incomodaram com o destino da carteira. Isso é preocupante porque milhares de advogados e famílias estão confiantes nesta aposentadoria. A Aasp está atenta ao problema da carteira e vai empenhar todos os esforços para encontrar uma solução equilibrada.

ConJur — Qual sua recomendação para o advogado que está contribuindo?

Marcio Kayatt — Existem duas situações. No parecer do Adilson Dallari, isso está claro. O advogado que já está aposentado tem direito adquirido e pode ficar tranqüilo. Já o advogado que está contribuindo tem de observar a lei de regência da carteira. A norma diz que quem deixar de contribuir por seis meses é excluído da carteira e, se tiver mais de 50 anos, não pode nela reingressar. Outro dispositivo da lei prevê que, em hipótese alguma, o contribuinte terá direito à devolução daquilo que pagou. Como a lei não foi revogada, o advogado tem que ficar alerta.

ConJur — Quem garante a aposentadoria aos aposentados?

Marcio Kayatt — Os recursos da carteira. Na eventual falta de recursos, o estado tem que arcar com o pagamento.

ConJur — A lei que criou a SPPrev (São Paulo Previdência), nova autarquia, prevê que, em dois anos, o Ipesp será extinto e que a SPPrev não vai administrar carteiras autônomas.

Marcio Kayatt — No parecer, Adilson Dallari diz que a SPPrev fica como sucessora do Ipesp e deve continuar administrando a carteira. O problema é que a carteira tem 37 mil advogados e o estado não vai assumir fácil essa conta. Teremos que trabalhar e colocar o estado na parede. Há um diálogo franco com o governo e ainda é cedo para pensarmos em medida judicial. Temos de trabalhar por uma solução diplomática. A disputa jurídica não interessa a ninguém.

ConJur — Quando o Ipesp foi criado?

Marcio Kayatt — A lei é de 1959, na gestão do governador Jânio Quadros, depois de muita luta do professor Theotonio Negrão. A realidade da advocacia era completamente diferente. Não havia esse mar de advogados e a norma não vingou. Por pressão da advocacia, em 1970, a lei foi readequada e aí, sim, os advogados começaram a aderir à carteira. É uma pena que ela esteja nesta situação.

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