Economia globalizada

Mercado aberto e sem intervenção do Estado é mais competitivo

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5 de março de 2008, 0h00

Partindo do conceito de Constituição Econômica como o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia, constituindo uma ordem econômica,1 parece evidente que as transformações ocorridas no mundo nas últimas décadas, dentre elas a exaustão do estado social intervencionista tradicional e os fenômenos que envolvem aquilo que se conceituou como globalização, passaram a influenciar as formas de organizações econômicas.

Durante o período da 2ª Grande Guerra Mundial, com a queda na atividade econômica mundial e as turbulências econômicas causadas por políticas nacionalistas, restritivas do comércio internacional, representantes dos países aliados se reuniram em Bretton Woods, em New Hampshire, Estados Unidos, com a intenção de reconstruir o capitalismo mundial, de maneira a impedir novas crises sistemáticas como as que aconteceram durante a Grande Depressão dos anos 30.

Pelo acordo de Bretton Woods, os países se comprometeram a adotar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas dentro de um determinado valor; em outras palavras, foi criado um sistema de gestão de taxas chamado de padrão dólar-ouro, o qual procurava flexibilizar o chamado padrão-ouro, que era a base do sistema monetário internacional antes da Primeira Guerra Mundial.1

Melhor explicam as palavras de Gremaud:2 “O sistema consagrado em Bretton Woods estabeleceu o dólar como moeda internacional e esta era a única moeda que manteria sua conversibilidade em relação ao ouro […] Quando uma moeda nacional apresentava tendência demasiadamente forte a se afastar de seu valor estabelecido em relação ao dólar, havia a possibilidade de se ajustar a taxa de câmbio. Esta possibilidade de ajustamento, quando se verificasse um desequilíbrio fundamental, era a principal distinção entre o sistema de Bretton Woods e o padrão-ouro.

O sistema de Bretton Woods concebia, assim, um regime de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, sendo que, idealmente, tais ajustes deveriam ser acordados entre os países.

Acordou-se também a criação de instituições, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), encarregado de dar estabilidade ao sistema, através de cooperação financeira que permitisse suporte a dificuldades temporárias, e o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e desenvolvimento), com a função de auxiliar na reconstrução dos países arrasados pela 2ª Guerra e, posteriormente, promover o desenvolvimento dos países ainda não desenvolvidos. Outra instituição criada a partir do encontro de Bretton Woods foi o Gatt — Acordo Geral de Tarifas e Comércio (que mais tarde originou a Organização Mundial de Comércio OMC), cujo objetivo era igualar os países e diminuir as barreiras entre estes, permitindo o fortalecimento do comércio mundial.

Com relação à política monetária sugerida, após a década de 1970, o Sistema Bretton Woods entrou em colapso pela impossibilidade de controle do compromisso de conversão do padrão dólar-ouro. Já as instituições criadas pelo acordo, depararam-se com o agigantamento do tamanho dos problemas financeiros que atingiram os países após a década de 70, e com a inesperada movimentação dos capitais exclusivamente financeiros da atualidade e alterações do panorama econômico causados pela Globalização.1 2 3

Se, quando fora realizado o Acordo de Bretton Woods, encontrava-se forte a convicção de que o Estado precisava intervir na economia para garantir o desenvolvimento, a atualidade proporcionada pelo mundo globalizado, somada ao pensamento de falência do estado ocial, apresentou um novo panorama, em que a circulação de capitais, sobretudo o financeiro, ocorre de forma ágil e poderosa, não apenas independente da atuação dos Estados, como influenciadora da configuração econômica dos mesmos. Benjamin expõe com clareza esse novo quadro: 1

“Para aumentar a fluidez, o capital sempre buscou lidar com povos e espaços os mais homogêneos possíveis, sem especificidades, sem diferenciações, sujeitos a serem enquadrados em uma contabilidade abstrata e em estratégias amplas de produção e consumo padronizáveis.

O mundo globalizado leva essa tendência adiante. Grandes empresas, capitais e mercadorias recebem liberdade de movimentação, com a correspondente redução dos poderes de reguladores, internos e externos, exercidos pelas sociedades. Assim, a parte moderna da economia capitalista deixa de referenciar-se em um conjunto de economias nacionais vinculadas entre si por fluxos de comércio e investimento, para converter-se em uma rede única, tanto no nível produtivo como no financeiro.

Nesse novo panorama globalizado, com a diminuição das distâncias pelo avanço dos recursos tecnológicos, seja na informática ou no transporte, os Estados não seriam mais os regentes maiores da economia mundial, uma vez que as possibilidades mercadológicas ampliaram o poder de outros atores, fomentando o desenvolvimento de novas formas de organização, como as empresas transnacionais, alterando a distribuição do poder mundial e pondo em cheque a compreensão clássica do estado e nação como unidade soberana, auto-governável e autônoma.


Matias 1explica que assim como o capitalismo, em sua origem, precisou do Estado para conseguir condições de se desenvolver, atualmente ele precisa da globalização, sendo as transnacionais agentes fundamentais da expansão do comércio internacional (transnacional) e “atores por excelência do regime capitalista, cuja lógica é a derrubada das barreiras e a unificação, em escala planetária, de um espaço econômico para a ação desimpedida do capitalismo”.

Com as inovações tecnológicas foram reduzidos os custos para a circulação de capital, informações e monitoramento do mercado, além de ter sido ampliada vertiginosamente à velocidade com que esses atos passaram a ser praticados. A internet, o desenvolvimento do transporte aéreo e as telecomunicações oferecem uma estrutura essencial para a competição em um mercado cosmopolita, 1 permitindo que contratações complexas, cujos pactuantes se encontrem separados não apenas por milhares de quilômetros, mas também pelas diferenças continentais, sejam efetuadas em períodos impensáveis nos anos 50.

Essa circulação de capitais estimula que países que consigam se adaptarem às exigências dos investidores, sejam objetos da entrada, em seu território, de uma gama considerável de recursos, capaz de gerar alguns sintomas de desenvolvimento, como geração de empregos, ampliação do PIB, aumento da arrecadação tributária, entre outros.

Conforme asseverou Friedman, 1 o mundo atual apresenta alguns exemplos de países que conseguiram moldar projetos que permitiram um maior aproveitamento desse novo cenário, como a China e a Índia, bem como aponta também outros exemplos de países que, embora beneficiados por aspectos geográficos ou naturais, não conseguiram o êxito esperado na participação desse mundo globalizado, cada vez menor.

A busca de cada país por seu espaço nesse mundo econômico globalizado e a intenção de percorrer um curso sustentável de desenvolvimento tem exigido a realização de reformas em sua ordem econômica, alterações que alcançam a constituição econômica, inclusive no concernente à intervenção/atuação do Estado na economia. Essa é a idéia defendida pro Friedman: 1

“… mercados mais abertos e competitivos são o único caminho sustentável para que uma nação se liberte da pobreza, porque constituem a única garantia de que novas idéias, tecnológicas e melhores práticas cheguem com facilidade ao país, e de que as empresas privadas, e até mesmo o governo, tenham o incentivo da competição e a flexibilidade para adotar essa idéias e transformá-las em mais empregos e produtos.”

Em relação ao sistema Bretton Woods, observa-se que a crença da necessidade do estado interventor foi relativa pela constatação de insuficiência de recursos para que apenas o ente estatal, per si, consiga proporcionar o Estado de Bem Estar Social que objetiva para seus membros. Outrossim, atualmente as diferenças cambiais estão evidenciadas, provocando, pela condição de interdependência comum ao processo de globalização, o chamado efeito contágio, onde uma crise de desvalorização que assole um país pode alcançar todos os outros.

Os investidores transnacionais passam a agir em manada, muitas vezes sem uma lógica coerente ou até de forma histérica, movidos por boatos e especulações do mercado financeiro, o que causa instabilidade a esse ambiente econômico. Recentemente acompanhamos todos os transtornos causados por conta de uma crise de confiança no mercado imobiliário norte-americano, que afligiu as economias de países em todos os continentes 1

Essa instabilidade, que permeia a circulação do capital financeiro no mundo globalizado, é um problema que assusta e exige reflexão e esforço dos

estados, no intuito de encontrarmos uma solução mundial. “O desafio crucial a ser enfrentado é a manutenção de um ambiente econômico e político no qual a tendência a uma crescente integração econômica possa continuar, e de instituições que representem o desenvolvimento de uma infra-estrutura mais forte para o capitalismo” 1

A globalização causa um impacto de relativização das fronteiras e diminuição das distâncias, permitindo ao mercado uma atuação sequer imaginada pelos que projetaram o sistema Bretton Woods, fazendo com que os países, ávidos em participar desse novo panorama, alterem e adaptem suas Constituições Econômicas às necessidades dessa nova realidade.

Cada vez mais esse mercado globalizado, em que preponderam as empresas transnacionais, busca novos caminhos de investimentos, o que faz com que muitos países, como candidatos a um concurso de beleza patrocinado pelo capital externo, passem a tomar medidas que alterem suas constituições econômicas, muitas não apenas necessárias para apresentá-los como destinos atraentes aos investimentos (no intuito de alcançar desenvolvimento econômico, pelo aumento dos postos de empregos, dinheiro em circulação interna e arrecadação tributária), como também úteis pela inserção de regras de saneamento fiscal que ajudam a melhorar a eficiência e a saúde econômica de Estados obesos, que contrastam com a miséria de seus cidadãos e com a péssima qualidade dos serviços públicos prestados.


Para concluir, vale transcrever a lições proféticas de Ohmae 1

Numa economia sem fronteiras, a ação da “mão invisível” do mercado tem um alcance e uma força além de qualquer coisa que Adam Smith pudesse ter imaginado. Na época de Smith, a atividade econômica tinha lugar numa paisagem amplamente definida —e circunscrita — pelas fronteiras políticas dos estados-nações: a Inglaterra com sua lã, Portugal com seus vinhos. Agora, em contraposição, é a atividade econômica que define a paisagem em que todas as outras instituições, inclusive a máquina do governo, devem funcionar.

Desde a falência do estado liberal, os estados passaram a assumir a regulação da economia. Ainda têm essa prerrogativa, mas com o impacto da globalização econômica e seus fenômenos, cada vez mais identificamos o mercado mundial condicionando e influenciando diretamente as ordens econômicas nacionais, portanto, influenciando as definições de suas Constituições Econômicas.

Em outras palavras, numa ironia perversa, cada vez mais a ampliação da força econômica transnacional projeta uma forma própria de “regulação” pelo mercado, em detrimento do Estado, como fator condicionante para a realização de investimentos.

Notas de rodapé

1 – MOREIRA, Vital. apud SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. 1996. Rio de Janeiro. Forense. Pág. 21.

2 – GREMAUD, Amaury Patrick. VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de. Toneto Jr., Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. 3ª edição. São Paulo. Atlas. 1999.

3 – Idem.

4 – ALMEIDA, Paulo Roberto de. Modelo de Bretton Woods. Endereço eletrônico para consulta do artigo: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/778BrettonWoods.html

5 – NUNES, Antonio José Avelãs Nunes. Neoliberalismo & Direitos humanos. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003. Págs. 73.

6 – Vale destacar a ambivalência e imprecisão constitutiva que encerra as conceituações apresentadas para o fenômeno globalização, conforme explica Maria Luiz P. de Alencar Mayer Feitosa, sem seu artigo “Globalização: alguns aspectos conceituais e analíticos (Revista Verba Júris. V.3. n.3 janeiro/dezembro 2004. João Pessoa. Editora Universitária UFPB).

7 – BENJAMIN, César. … (et. al.). A opção brasileira. Rio de Janeiro. Contraponto. 1998. Pág. 29.

8 – MATIAS, Eduardo Felipe P. A Humanidade e suas Fronteiras: Do Estado Soberano à Sociedade Global. São Paulo. Paz e Terra, 2005. Pág. 103.

9 – Idem. Pág. 128.

10 – NAISBITT, John. Paradoxo global. Tradução de Ivo Korytowski. São Paulo. 1999. Campus. Pág. 53.

11 – FRIEDMAN, Thomas L.. O mundo é plano: Uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro. Objetiva. 2005.

12 – Idem. Págs. 281/282.

13 – http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u320606.shtml

14 – MATIAS, Eduardo Felipe P. A Humanidade e suas Fronteiras: Do Estado Soberano à Sociedade Global. São Paulo. Paz e Terra, 2005. Pág. 141.

15 – OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-nação. Tradução de Ivo Korytowski. São Paulo. 1999. Campus. Pág. 35.

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