Direito de defesa

Restrição de acesso ao inquérito deve cair no Supremo

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28 de maio de 2008, 11h58

A decisão do Superior Tribunal de Justiça de restringir o acesso do advogado apenas à parte do inquérito policial que diz respeito ao seu cliente reacendeu uma importante e polêmica discussão: na fase inquisitorial, o investigado tem direito ao contraditório e à ampla defesa?

Até há pouco tempo, a jurisprudência brasileira era firme no sentido de que não havia o direito ao contraditório na fase de inquérito policial. O Supremo Tribunal Federal começou a mudar o quadro e hoje está convencido de que não se pode negar o direito à ampla defesa em qualquer das etapas processuais.

Diante disso, surgiu a nova interpretação do STJ para essa garantia constitucional. A 5ª Turma do tribunal, no HC 65.303, concluiu que o advogado só pode ter acesso à parte do inquérito que diz respeito ao seu cliente. As acusações contra os demais réus e os dados que estão sob sigilo não podem ser acessadas. Como argumento, os ministros, puxados pelo voto do relator Arnaldo Esteves Lima, disseram que a intimidade dos demais acusados deve ser preservada.

Este entendimento restritivo vai de encontro a decisões reiteradas do Supremo. E, claro, não é bem vista pelos advogados.

Em 2004, o então ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, relatou o primeiro caso (HC 82.354) em que os autos do inquérito foram liberados para acesso dos advogados de defesa. Ele se baseou na garantia constitucional de assistência do advogado (artigo 5º, LXIII) para autorizar o acesso aos dados da investigação. Este é um caso histórico, em que o criminalista Alberto Zacharias Toron finalmente conseguiu informações sobre as acusações contra o seu cliente.

Depois do leading case, a conclusão vem sendo largamente utilizada pelos demais ministros. Mas ainda é pouco utilizada fora das fronteiras da Suprema Corte. É grande o número de pedidos de Habeas Corpus apresentados por advogados que não conseguem saber os motivos pelos quais seus clientes são investigados.

São muitos os exemplos de decisões no Supremo autorizando acesso ao inquérito. Em 2005, o atual decano da Corte, ministro Celso de Mello, também permitiu que a defesa tivesse acesso a informações da investigação por entender que não conceder esse direito seria afrontar as prerrogativas dos advogados e, principalmente, um desrespeito ao indiciado.

“O respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público”, concluiu Celso de Mello, no HC 86.059.

Ao analisar pedido de Habeas Corpus, em dezembro de 2006, do então deputado federal João Batista Ramos da Silva, Celso de Mello afirmou que a partir do momento em que uma prova é anexada ao inquérito policial, todos podem acessá-la: a parte que investiga e a parte investigada. O deputado foi flagrado pela Polícia Federal no aeroporto de Brasília, quando embarcava para Goiânia carregando sete malas cheias de dinheiro.

Para Celso de Mello, mesmo que o inquérito esteja sob sigilo, esse sigilo não atinge aos advogados do investigado. O defensor sempre poderá ter acesso a todas as informações que estiverem inseridas nos autos, inclusive às provas sigilosas. O advogado não pode acompanhar o policial no momento da produção das provas, mas pode ter acesso a elas depois de incluídas nos autos da investigação.

No STJ, existem recentes decisões em favor dos advogados, o que mostra a polêmica da questão. Em janeiro de 2008, o Ministério Público Federal tentou e não conseguiu impedir o acesso irrestrito da defesa do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB), aos autos do inquérito que tramita em sigilo na Polícia Federal do Maranhão. A permissão foi concedida pelo ministro Raphael de Barros Monteiro Filho (aposentado), então presidente do STJ.

Quinze dias depois, o STJ estendeu o acesso à defesa de Teresa Cristina Murad Sarney, mulher de Fernando Sarney. A autorização foi concedida pelo então vice-presidente, ministro aposentado Francisco Peçanha Martins.

Defesa irrestrita

Há uma corrente de teóricos que defende a necessidade de aplicação do contraditório e da ampla defesa em todo o período de persecução penal. O professor Rogério Lauria Tucci é um deles. “A contraditoriedade da investigação criminal consiste num direito fundamental do imputado, direito esse que, por ser um ‘elemento decisivo do processo penal’, não pode ser transformado, em nenhuma hipótese, em ‘mero requisito formal’”, afirmou em trecho do livro Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. A obra é lembrada no capítulo sobre direito de defesa e inquérito policial da obra Curso de Direito Constitucional, de autoria do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, com a colaboração do procurador Paulo Gustavo Gonet Branco e do professor Inocêncio Mártires Coelho.

Flávia Rahal, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), entende que a imposição de sigilo do inquérito não é uma característica do Estado Democrático de Direito. “A decisão do STJ de restringir o acesso ao inquérito é equivocada. O Estatuto dos Advogados e a Constituição Federal garantem o exercício do direito de defesa na fase de inquérito”, diz.

A advogada observa que esta fase pode gerar a privação de liberdade do acusado, seqüestro de bens, quebra de sigilo bancário e interceptação telefônica. “Essas medidas indicam a necessidade e a obviedade do direito de defesa”, ressalta Flávia Rahal. Para ela, o argumento de violação à intimidade utilizado pelo STJ para restringir o acesso à íntegra do inquérito policial não faz sentido. “Os advogados têm dever de sigilo”, lembra.

O criminalista Luís Guilherme Vieira também traz bons argumentos contra a restrição do acesso à investigação. Segundo ele, impedir o advogado de ver todo o inquérito é tirar do cidadão o direito constitucional de se defender e saber do que está sendo acusado. “O Estado não pode restringir as informações ao que ele acha que é importante”, critica.

E conta, por experiência própria, que muitas vezes a solução para o problema pode estar nesta parte da prova que não foi liberada para o advogado. “Não tenho dúvida que a decisão do STJ, de restringir o acesso aos autos, vai cair no Supremo Tribunal Federal”, aposta. Em relação à violação de intimidade, concorda com a presidente do IDDD, “tanto o funcionário público quanto o advogado tem a mesma obrigação: guardar a o sigilo das provas”.

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