Controle externo

O conflito entre o presidente Lula e a Lei de Licitações

Autor

  • Bruno Barata Magalhães

    é advogado consultor em Direito Administrativo e Eleitoral membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

28 de maio de 2008, 0h01

No dia 9 de maio de 2008, o presidente da República, em discurso no município de Salvador (BA), ressaltou a importância de se alterar a Lei de Licitações e Contratos, pois as regras nela insertas estariam atrasando o cronograma de obras do Programa de Aceleração do Crescimento.

Para o presidente, a Lei federal 8.666/93, concebida no Brasil recém saído do processo ditatorial militar, permite um controle externo excessivo nos procedimentos licitatórios. Lula afirmou que o Tribunal de Contas da União “quase governa o país”. O texto da Lei de Licitações e Contratos resulta em uma burocracia errônea na condução dos certames?

Não se pode olvidar que a atual Lei de Licitações e Contratos carece de reformas. Seu texto foi produzido há quinze anos atrás e, desde então, novas regras foram incluídas no instituto da licitação. Novas modalidades licitatórias foram criadas, como o festejado pregão eletrônico. Esta modalidade é um dos fortes argumentos do presidente Lula para que a Lei 8.666/93 seja alterada, obrigando a administração a realizar as compras públicas através do pregão eletrônico, tendo em vista a celeridade do certame e a sua praticidade.

É certo que essa modalidade licitatória reduz e muito o sistema burocrático que afeta todo o poder público. Há, em tramitação no Senado Federal, projeto de lei decorrente do governo federal que visa a edição de uma nova lei federal de licitações.

Há aquiescência de que o novo diploma federal regulador dos certames teria inspiração na Lei de Licitações da Bahia, 9.433/05, a qual já serviu de base para a Lei de Licitações do Estado do Paraná, de 15.608/07, diplomas esses muito mais avançados que a Lei federal 8.666/93.

As duas leis estaduais apresentam evoluções nos procedimentos licitatórios, no concernente, principalmente, à redução da burocracia, trazendo maior celeridade aos certames. A inversão das fases da licitação, por exemplo, é um dos tópicos revolucionários dos novos textos.

Entretanto, o que este artigo busca analisar é que, se o texto da nova lei federal de licitações vai ao encontro do texto das normais estaduais mais recentes e avançadas, o controle externo, criticado pelo presidente, será mais intenso do que o atual previsto na lei de 1993.

A Lei de Licitações da Bahia assegurou no seu texto regras já previstas na Lei federal 8.666/93, e inseriu outras novas. O convênio, por exemplo, é tratado como novidade na Lei estadual baiana 9.433/05. O artigo 8º do mencionado diploma legal, em seu inciso XVII, dispõe:

Art. 8º — Para os fins desta Lei, considera-se:

XVII — Convênio — ajuste celebrado sem objetivo de lucro, em regime de mútua cooperação, entre entidades públicas ou entre estas e entidades privadas de qualquer natureza, cuja verba repassada, se houver, permanece com a natureza de dinheiro público, com obrigatoriedade de prestação de contas, pela entidade recebedora, ao Tribunal de Contas correspondente;

O dispositivo legal supracitado obriga a prestação de contas do repasse de verba ao Tribunal de Contas correspondente. O artigo 175 ainda dispõe que:

Art. 175 — Os recursos financeiros repassados em razão do convênio não perdem a natureza de dinheiro público, ficando a sua utilização vinculada aos termos previstos no ajuste e devendo a entidade, obrigatoriamente, prestar contas ao ente repassador e ao Tribunal de Contas.

A Lei de Licitações e Contratos não prevê o controle externo dos convênios pelos Tribunais de Contas. Mister realizar uma comparação entre dois dispositivos, da lei estadual baiana e da lei federal, que, apesar de quase idênticos, apresentam diferenças fundamentais:

Art. 201 — Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar, perante a autoridade máxima do órgão ou entidade licitante, o edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 05 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes das propostas, cabendo à Administração julgar a impugnação em até 03 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade de representação ao Tribunal de Contas (Lei de Licitações da Bahia).

Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

§ 1o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113 (Lei Federal de Licitações e Contratos).

Pode-se argumentar que o termo “sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113”, inserto no § 1o do artigo 41 da lei federal nº 8.666/93, possua o mesmo significado do termo “sem prejuízo da faculdade de representação ao Tribunal de Contas”, inserto na lei de licitações baiana, haja o dispositivo federal dispor a regra “o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente”.

Contudo, há significativa diferença, vez que, a lei federal não determina a possibilidade de representação dos cidadãos junto ao Tribunal de Contas respectivo. Já na lei estadual da Bahia, a regra é expressa, podendo o cidadão representar junto ao órgão realizador do certame, bem como à Corte de Contas correspondente.

Não há mera questão interpretativa. O legislador baiano intensificou a participação do Tribunal de Contas estadual nos procedimentos licitatórios realizados naquele estado.

O presidente está correto em vislumbrar um novo diploma que regule as licitações no país. Entretanto, o futuro, visto pelos olhos das modernas legislações estaduais que dispõe acerca da matéria, prevê, cada vez mais, o controle externo pelos Tribunais de Contas.

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    é advogado, consultor em Direito Administrativo e Eleitoral, membro do Comitê de Jovens Advogados e do Fórum Latino Americano da International Bar Association e professor do Instituto de Pesquisas Aplicadas.

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