Administração e Justiça

Agências reguladoras têm de evitar a judicialização de demandas

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

25 de maio de 2008, 11h21

Em 2007, o Congresso aprovou 198 leis. Em compensação, apenas três das principais agências reguladoras produziram 1.965 resoluções. A Agência Nacional de Energia Elétrica editou 635, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, 726, e a Agência Nacional de Águas, 604. Mesmo sem considerar resoluções das outras sete agências federais (Anvisa, ANS, Ancine, Anatel, ANP, Antaq e Anac), são quase nove vezes mais atos normativos.

Nos Estados, o cenário se repete. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a AGERGS produziu 580 resoluções, enquanto a Assembléia Legislativa gaúcha elaborou 188 leis. Existem agências em 19 Estados e também no Distrito Federal. Em alguns, mais de uma, como São Paulo e Rio.

É bem verdade que leis produzidas pelos Legislativos e resoluções editadas pelas agências reguladoras são normas diferentes. Estas nem sempre geram direitos e deveres para os regulados e consumidores e obrigam apenas certos setores: energia elétrica, transportes terrestres, telecomunicações, saúde suplementar etc. Mas, devido à progressiva universalização dos serviços regulados, essas agências tendem a influenciar o orçamento e o quotidiano de todos os brasileiros.

O pressuposto para a existência de qualquer agência e suas múltiplas normas é que viabilizem um melhor serviço público para a população. Porém, processos judiciais envolvendo esses serviços aumentam mais a cada dia. É crescente a judicialização de casos envolvendo setores regulados.

Permitam dois exemplos sintomáticos. Casos de telefonia já ocupam o terceiro lugar entre as maiores demandas que chegam ao STF com preliminar de repercussão geral. Atrás apenas de casos envolvendo servidores públicos e militares, execuções fiscais e outras questões tributárias. No Rio, nos juizados especiais, empresas reguladas – de telefonia, energia, planos de saúde e outras – são os maiores demandados. O que se repete em quase todos os Estados.

É razoável, pois, perguntar: têm as agências alguma responsabilidade ou contribuição a dar diante da crescente judicialização? Agências são indispensáveis. Vieram para ficar. Mas esses são os primeiros dez anos de sua atuação. Multiplicação de normas que não asseguram a qualidade do serviço multiplica conflitos. Aumenta, exponencialmente, a demanda pelo Judiciário. Se continuar assim, não haverá juízes, varas, serventuários, Judiciário suficientes. Com ou sem reforma. Conter essa demanda judicial é preciso.

Sempre que se pensa em reformar a administração pública – agências reguladoras, reformas fiscais, previdenciárias, política etc. , concentra-se apenas no Poder Executivo. Mas é preciso planejar, também, o impacto provável dessas reformas na gestão judicial, aspecto quase sempre menosprezado. É como se nada do que o Executivo e o Congresso criassem impactasse a administração da Justiça.

Impacta, sim. Estamos vendo, claramente visto. Vide planos econômicos. Será esse modelo de reforma da administração, que desconhece os impactos na gestão da Justiça, um destino?

Acredito que não. As agências poderiam propor que as concessionárias, além de tradicionais departamentos jurídicos, criassem departamentos de conciliação. Diques autônomos, contendores de demandas, que evitem a cultura, ainda dominante, de tudo judicializar. Reduziria o conflito entre concessionárias e consumidores.

Tão importante quanto controlar os preços e a qualidade tecnológica dos serviços seria criar um índice que medisse o grau de litigiosidade dos serviços regulados. Esse índice revelaria o grau de insatisfação com o serviço e a exasperação do público. Ultrapassado certo nível, haveria maior controle e, se necessário, multa.

Outra maneira de prevenir litigiosidade é aumentar a representatividade das resoluções das agências para que regulem o interesse de todos: agências, concessionárias e usuários. Normas de caráter “reflexivo”, diz Sérgio Guerra, que reflitam os interesses abrangentes da sociedade. Multi, e não uni ou bilaterais.

Consultas públicas e transparência são práticas positivas, mas ainda insuficientes. A tecnicalidade das questões e os recursos para contratar bons consultores e advogados fazem os legítimos lobbies econômicos mais presentes na produção da regulação.

O consumidor vai sentir essa desigualdade não quando da implementação do serviço, mas em casa, na conta e no voto. Daí a importância de as agências corrigirem falhas de mercado geradas pela interação desigual entre agentes econômicos, lembra Marcelo Lennertz. Aperfeiçoar é preciso para que as agências tenham credibilidade diante do público.

Artigo publicado neste domingo (25/5) na seção Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo

Autores

  • é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e membro do Conselho Nacional de Justiça.

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