Caso Isabella

População pede vingança, não Justiça, diz José Carlos Dias

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22 de maio de 2008, 0h01

O Brasil vive atualmente o ápice do Direito Penal inimigo. A população quer vingança, não Justiça. A afirmação é do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias no debate Imprensa e comoção pública em casos criminais, promovido nesta terça-feira (20/5) pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito da Defesa) em parceria com a Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo).

O foco do debate foi a cobertura da imprensa em casos de grande comoção social e sua repercussão no julgamento dos envolvidos, como no episódio da morte da menina Isabella Nardoni. Para José Carlos Dias, o clamor social que envolve o caso só fez aumentar a responsabilidade do Ministério Público que, segundo ele, não pode deixar de pensar no Direito Penal garantista e aplicá-lo. “O promotor tem de ter equilíbrio para não se deixar levar pela emoção. Ele não pode aplicar o Direito Penal inimigo.”

As declarações do ex-ministro foram dadas ao falar sobre o comportamento do promotor Francisco Cembranelli, responsável por denunciar Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella. O promotor foi criticado por quebrar o sigilo do caso. Um dia depois de o juiz decretar segredo de Justiça no inquérito, o promotor convocou uma entrevista coletiva para falar sobre o caso. A ação do promotor fez o juiz Maurício Fossen, do 2º Tribunal do Júri de São Paulo, dar-lhe um “puxão de orelhas” e suspender o segredo de Justiça do caso.

O ex-ministro também criticou a Polícia, que tachou de “incontrolada e incontrolável”. “Agora, os tribunais superiores vão decidir se vale ou não a presunção de inocência. É o Judiciário quem será julgado pela sociedade”, afirmou. Segundo ele, não importa se o Supremo Tribunal Federal será apedrejado ao conceder liberdade ao casal durante a tramitação do processo, o importante é garantir os direitos constitucionais dos indivíduos.

O promotor de Justiça Roberto Livianu, que fez parte do debate, ressaltou que o promotor precisa ser cuidadoso para que a exposição midiática não deturpe o processo. “O grau de exposição e a comoção pública causam interferências no julgamento”, disse. Acrescentou que o bom promotor tem de resistir ao clamor público para trabalhar com responsabilidade: “Ele não pode ser visto como um vingador da sociedade”.

Para ilustrar casos de grande comoção, Livianu citou o assassinato da atriz Daniela Perez, morta em 1993. Segundo ele, graças à grande repercussão nacional, o homicídio qualificado foi acrescentado à Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). O promotor relembrou o caso para apontar como a exposição de um fato produz conseqüências importantes na sociedade.

Questionado se haveria instrumentos institucionais no MP para controlar a atuação de promotores, Roberto Livianu afirmou que já pensaram em criar um Código de Ética para a classe. Segundo ele, isso poderia coibir os abusos e as exposições na mídia. Em contrapartida, afirmou que existe certo receio em aplicar algum tipo de punição que produza efeito de mordaça. “É necessário ter responsabilidade na atividade. O princípio da publicidade é constitucional, mas é preciso buscar o equilíbrio”, afirmou.

Para o jornalista Mário César de Carvalho, da Folha de S.Paulo, também convidado para o debate, apesar de os jornais não tomarem medidas de precaução ao noticiar o caso e disputarem de maneira tola a informação com a TV, a comoção foi criada pela Polícia. O jornalista brincou dizendo que usa a estratégia dos criminalistas: apontar outro réu para o caso. Para ele, a Polícia é a figura central na comoção do caso Isabella. “Parte da Polícia é corrupta e mal preparada e usou a mídia, em vão, para tentar fazer o casal confessar o crime.”

César de Carvalho explicou que as TVs abriram espaço e a Polícia também se aproveitou para restaurar sua imagem. “Ela [Polícia] enxergou nesse caso a possibilidade de melhorar uma imagem que, na minha opinião, não melhora”. Ele disse ainda que, dada a comoção que envolve o caso, o julgamento do casal acusado vai ser mero detalhe, porque tudo já foi decidido.

Para o psicanalista Jacob Pinheiro Goldeberg, o caso é de sadomasoquismo social. De acordo com ele, a sociedade agiu como se estivesse assistindo a uma novela. Explicou que, em razão do pré-julgamento do casal, um segmento da sociedade chegou a torcer para que os culpados fossem outros. “Esse casal foi condenado desde o primeiro momento. Isso é execração pública, que é o ovo da serpente totalitária”, afirmou.

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