Vara da discórdia

Ações de improbidade geram discórdia nos três poderes de MT

Autor

17 de maio de 2008, 0h01

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso entrou em rota de choque com a Assembléia Legislativa e o Executivo. O presidente do TJ-MT, Paulo Lessa, foi ignorado pelos dois poderes. O Legislativo aprovou o projeto de lei de Lessa que cria varas especializadas em Ação Civil Pública e Ação Popular, passando por cima do pedido que ele fez para tirar a proposta de pauta. E ainda suprimiu a parte que considera mais importante: a competência das varas para analisar ações de improbidade administrativa. Para piorar, o governador sancionou e publicou a lei.

Em ofício enviado ao governador Blairo Maggi (PR-MT), Paulo Lessa afirma que o projeto de lei complementar foi enviado à Assembléia Legislativa em outubro de 2007. Em fevereiro deste ano, em ofício ao presidente da Assembléia, deputado Sérgio Ricardo (PR-MT), ele pediu a devolução do projeto de lei para passar por análises complementares.

O projeto não foi retirado de pauta, mas o autor da proposta passou a ser “Lideranças Partidárias” e não mais o Tribunal de Justiça. E o principal objetivo — que era o de julgar ações de improbidades — foi suprimido. A proposta foi aprovada desta forma.

O Ministério Público entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade conta a lei. O presidente da Assembléia Legislativa, Sérgio Ricardo, enviou ofício ao governador Blairo Maggi, pedindo a republicação para retificar o autor do projeto. Queria que em vez de “Lideranças Partidárias” constasse Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

O governador pediu informações ao TJ para esclarecer a confusão. A informação passada por Lessa foi a de que os termos do texto aprovado não eram de sua autoria.

As explicações não foram suficientes. Na sexta-feira (16/5), o Diário Oficial republicou a lei, retificando a autoria. O autor passou agora a ser o Tribunal de Justiça. Lessa continua afirmando que o texto não é de autoria do Judiciário.

Na prática, a Lei Complementar 313/2008 sancionada retira da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá a competência para analisar as ações referentes a atos de improbidade administrativa praticados por agentes públicos de todo o estado. E determina que as mesmas sejam distribuídas pelas varas da Fazenda Pública de cada comarca, que têm tramitação mais lenta.

A Lei Complementar 313 é alvo da Ação Direita de Inconstitucionalidade 41.659/2008, de autoria do procurador-geral de Justiça, Paulo Roberto Jorge do Prado. Ela está em trâmite no Órgão Especial do TJ-MT, sob relatoria do desembargador Juracy Persiani. Para o Ministério Público, toda a lei está contaminada de inconstitucionalidade.

Condenações em jogo

Ao longo da confusão, a Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular já acatou denúncia do Ministério Público e autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do deputado estadual José Riva, do ex-deputado Humberto de Melo Bosaipo, dos servidores Nivaldo Araújo e Geraldo Lauro, do contador José Quirino Pereira e do técnico em contabilidade Joel Quirino Pereira, na Ação Civil Pública 206/2008.

Ao autorizar a quebra de sigilo bancário e fiscal dos réus, o juiz da vara especializada considerou a supremacia do interesse público sobre os direitos fundamentais dos réus.

De acordo com o Ministério Público, a mesa diretora Assembléia, com o apoio dos servidores citados, emitiu 48 cheques em pagamento à Sereia Publicidade e Eventos que seria uma empresa fantasma. O Legislativo terá de apresentar em juízo o processo licitatório ou quaisquer outros processos de compra que envolvam a empresa.

Ainda conforme a denúncia, a movimentação financeira envolve a Assembléia Legislativa e a Confiança Factoring Fomento Mercantil, de propriedade do grupo de João Arcanjo Ribeiro.

O juiz afastou a incidência da recém sancionada Lei Complementar 313/2008, que retira da vara especializada a competência para processar e julgar casos de improbidade administrativa. Em sede de controle difuso de constitucionalidade, o juízo firmou entendimento que falta eficácia à lei, “haja vista sua promulgação haver desrespeitado os dispositivos insertos no artigo 96, III, a, d e g, 4, da Constituição do Estado, com supedâneo no artigo 96, I, a e d da CF/88”.

Ele destacou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que julgou caso análogo ocorrido em Minas Gerais, onde o Legislativo promulgou lei de iniciativa privativa do Ministério Público, após promover mudanças no seu texto. Naquele caso, o ministro Marco Aurélio, relator do processo, suspendeu a eficácia da lei aprovada, até o julgamento de mérito (ADI 3.946).

A decisão de afastar a incidência da Lei Complementar 313/2008 no julgamento de um caso concreto, como o realizado pela Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular, não afeta a ação direta de inconstitucionalidade que tramita junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!