Atos da ditadura

MPF de São Paulo move ação contra ex-chefes do DOI-CODI

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15 de maio de 2008, 19h00

Na tentativa de responsabilizar o Exército por manter em sigilo documentos do DOI-CODI de São Paulo e de punir ex-chefes do órgão por tortura, mortes e desaparecimentos no período de 1973 e 1976, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública contra a União e dois ex-comandantes. O DOI-CODI era o Departamento de Operações e Informações do Exército, em São Paulo, órgão de inteligência e repressão do governo militar.

Outras ações similares no passado esbarraram no entendimento de que as ações dos chefes militares estão cobertas pela Anistia de Anistia, de 1979.

Os militares, hoje reformados, são Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. A ação será julgada pela 8ª Vara Federal Cível de São Paulo. É a terceira vez que Ustra está sendo processado por atos cometidos durante a ditadura militar.

De acordo com o MPF, o DOI-CODI era o principal órgão centralizador de informações para a repressão à oposição política durante o regime militar e se transformou num dos principais locais de prática de tortura, perpetração de homicídios e desaparecimentos forçados em toda a história do país.

Os procuradores informam que, segundo a publicação Direito à Memória e à Verdade, da Presidência da República, lançada ano passado, houve 64 casos de mortes e desaparecimentos pelos agentes do DOI-CODI de São Paulo no período em que Ustra e Maciel o comandaram. Entre as vítimas estão o jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e o operário Manoel Fiel Filho, em 1976.

Na ação, o MPF busca aplicar no Brasil conceitos já pacíficos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação a autores de crimes contra a humanidade.

Por enquanto, as únicas pessoas físicas demandadas na ação são Ustra e Maciel em virtude de ambos terem figurado no topo da cadeia hierárquica do órgão repressor, permitindo sua identificação imediata. Os demais agentes envolvidos serão demandados em outras ações, esclarecem os autores, na medida em que forem identificadas suas condutas.

Para os procuradores da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, Marlon Alberto Weichert, Adriana da Silva Fernandes, Luciana da Costa Pinto, Sergio Gardenghi Suiama e Luiz Fernando Gaspar Costa, que assinam a ação, “a mera passagem institucional de um governo de exceção para um democrático não é suficiente para reconciliar a sociedade e sepultar as violações a direitos humanos ocorridos no bojo de conflitos armados ou de regimes autoritários”.

Esquecimento recíproco

Recentemente, o coronel Ustra ficou livre de ser responsabilizado pela morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino. O processo foi suspenso pelo desembargador Luiz Antônio de Godoy, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O advogado Paulo Esteves, que representa o coronel, afirmou que a ação foi suspensa até que se decida se Ustra tem de responder por atos do período da ditadura militar ou está coberto pela Lei da Anistia. Esteves defende que a Lei da Anistia pressupôs “esquecimento recíproco” dos atos daquele período. Entre as testemunhas de defesa arroladas pelo coronel estão o ex-presidente José Sarney e o ex-senador Jarbas Passarinho.

Na ocasião, o advogado Anibal Castro de Sousa, que representou a família do jornalista junto com Fábio Konder Comparato, afirmou que a ação não discutia a anistia. “A Lei de Anistia se refere aos crimes cometidos na época e o que se pretende obter com a ação é a declaração de responsabilidade civil, com renúncia expressa de qualquer reparação pecuniária”, afirmou. Castro de Sousa ainda afirmou que a principal discussão em torno da causa é sobre sua prescrição. Mas por se tratar de matéria de direitos humanos, o direito é imprescritível.

Veja que o MPF pede na ação

1) O reconhecimento do dever das Forças Armadas de revelar o nome de todas as vítimas do DOI-CODI de São Paulo (não apenas de homicídio e desaparecimento, uma vez que o órgão deteve mais de 7.000 cidadãos), circunstâncias de suas prisões e demais atos de violência que sofreram, bem como tornar públicos todos os documentos relacionados ao funcionamento do órgão;

2) A declaração de que Ustra e Maciel comandaram um centro de prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados no DOI-CODI de São Paulo;

3) Que Ustra e Maciel sejam obrigados a reembolsar à União os custos das indenizações pagas na forma da lei 9.140/95 (lei de mortos e desaparecidos políticos) às famílias das 64 vítimas daquele destacamento durante a gestão dos demandados;

4) Que ambos sejam condenados a não mais exercerem qualquer função pública.

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