Direito de ir e vir

Portador de deficiência deve ter isenção de ICMS para veículo

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14 de maio de 2008, 0h00

Recentemente, por iniciativa do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), foi criada a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, com o objetivo de executar políticas públicas e efetivar ações voltadas à plena integração dessas pessoas. Para comandá-la, foi nomeada Linamara Rizzo Battistella, médica fisiatra da USP, cuja experiência e vasto currículo a habilitam notavelmente para a missão.

Tal iniciativa, similar à criação da Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida em 2005, quando o governador era prefeito de São Paulo, merece a celebração e o aplauso dos portadores de necessidades especiais, seus familiares, amigos e dos profissionais que lidam com a questão. Sim, porque, se de um lado os desafios dos portadores de necessidades especiais para a prática de atividades corriqueiras, exercício dos direitos mais elementares e plena inserção na vida social são numerosos e extraordinários, do outro o princípio da igualdade requer, segundo a milenar lição de Aristóteles, que se tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, nas proporções de suas desigualdades.

Nesta ordem de idéias, a criação de uma secretaria dedicada exclusivamente à integração da pessoa com deficiência e proteção de seus direitos compõe lapidar silogismo com o referido princípio da igualdade, conforma-se perfeitamente com o que prescreve a nossa Constituição Federal, em diversos dispositivos, e ainda com tantas outras leis de aplicação nacional, estadual e municipal. Também se coaduna com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1948), Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975) e com o Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência (1982), todos da ONU e todos acolhidos pelo Brasil.

Entretanto, a par da comemoração, ainda há muito por fazer, sendo necessário que medidas concretas e efetivas sejam tomadas, de sorte a materializar tais preceitos legais, pois a distância entre o que determina a legislação e a realidade ainda é imensa. De fato, pouco vale a Constituição Federal garantir educação a uma criança deficiente na rede regular de ensino (artigo 208, inciso III), se ela não consegue ter acesso com segurança e autonomia, total ou assistida, aos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, serviços de transporte público e dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação (artigo 8º, inc. I, do Decreto 5.296/04) para que possa freqüentar as aulas diariamente. O direito, apesar de previsto, jamais será usufruído.

Neste sentido, de extraordinária importância são as leis e regulamentos que concedem isenção do IPI, ICMS e IPVA na aquisição de veículos novos por portadores de necessidades especiais, e os liberam do rodízio municipal de veículos, pois, ainda que não resolvam todos os problemas de acesso, uso e locomoção, em certa medida amenizam a falta de transporte, vias e espaços adequados.

Contudo, para que a isenção do ICMS seja concedida, a legislação de São Paulo (Regulamento do ICMS, Anexo 1, artigo 19), bem como a de outros estados, exige que o veículo seja conduzido por portador de deficiência física, afastando da abrangência do benefício todos os deficientes físicos menores de 18 anos, os portadores de outros tipos de deficiências, entre os quais aqueles com algum déficit cognitivo, e mesmo os deficientes físicos que, em decorrência do grau de suas dificuldades, não podem dirigir.

Ora, não é necessária muita reflexão para percebemos que no universo dos excluídos da isenção do ICMS, pelo simples fato de não serem os condutores de seus veículos, encontram-se exatamente aqueles que tem maiores dificuldades e, portanto, requerem maior apoio do Estado para a completa integração social. Na prática, além da isenção para adquirir um veículo e suprir a falta de acessibilidade, precisam que seus pais, irmãos ou cônjuge os conduzam de casa para a escola, trabalho, médico, faculdade, etc.

Por tudo isto, temos que tal critério de distinção — ser ou não o condutor do veículo — além de não se explicar sob nenhum prisma, senão na pura sovinice dos governantes, não guarda qualquer congruência com os valores constitucionalmente protegidos, e, portanto, constitui diferenciação discriminatória e ilegal contra os portadores de necessidades especiais não condutores, contribuindo, de maneira odiosa e perversa, para o seu afastamento do convívio social, em franca violação às normas constitucionais, demais leis e diplomas da ONU antes referidos neste artigo.

Assim, é que se impõe uma revisão da legislação do ICMS, tal qual já ocorreu em relação ao IPI, de modo que a isenção (i) passe a incluir diversas deficiências (mental, visual, autista), sem qualquer discriminação que não se justifique em critérios técnicos, médicos ou científicos, (ii) permita a compra por menores de 18 anos, através de seus representantes legais, e (iii) admita que outra pessoa possa ser o condutor do veículo. Este é um clamor antigo e urgente dos portadores de necessidades especiais, pois as dificuldades estão nas ruas e no dia-a-dia, mas tem sido negligenciado pelos governos estaduais e pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), sem justificativa plausível e ao arrepio de nossa Lei Maior.

Aos senhores governadores, portanto, entre os quais ao governador de São Paulo, mostra-se uma oportunidade única — tomar uma medida concreta, rápida e efetiva para a inserção social dos portadores de necessidades especiais, cessando a sórdida discriminação e fazendo valer o que determinam os mais basilares princípios de direito insculpidos em nossa Constituição Federal e noutros diplomas legais. Não resolverão com isto todos os problemas dos portadores de necessidades especiais, mas trarão mudança importante no lamentável quadro atual.

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