Roupa suja

Juízes e desembargadores do TJ-MT se acusam no STJ

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6 de maio de 2008, 18h00

Juízes e desembargadores de Mato Grosso resolveram lavar roupa suja no Superior Tribunal de Justiça. Depois que o corregedor-geral de Justiça, Orlando Perri, acusou quatro juízes e um desembargador de receber vantagens salariais irregulares e usar dinheiro público para socorrer financeiramente investidores ligados à loja maçônica Grande Oriente, o troco veio a galope. Na semana passada, o grupo pediu a abertura de sindicância no STJ para investigar o corregedor e o atual presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Paulo Lessa. O corregedor enxerga esse pedido como uma “retaliação” e diz não ter nenhuma “animosidade” contra os magistrados. De forma irreverente, chega até mesmo a assumir algumas das acusações apontadas.

O pedido de abertura de sindicância foi feito pelo ex-presidente do TJ-MT, José Ferreira Leite, e os juízes Marcelo Souza de Barros, Irênio Lima Fernandes, Antonio Horácio da Silva Neto, presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira. Este último é filho do desembargador Ferreira Leite. Eles acusam Perri e Lessa de “prática de ilícitos penais e de atos de improbidade administrativa, além de falta funcional”. Querem as investigações dos fatos narrados na petição.

Até mesmo mensagens em celular recheiam a petição para acusar Perri de pedido de favor a um dos juízes acusados. Um dos trechos dela mostra a fotografia de um celular com uma mensagem enviada por Perri ao juiz Antonio Horácio da Silva Neto, relator de uma ação de alimentos. De acordo com o texto, o alimentante é “antigo conhecido” do corregedor. Na mensagem, Perri disse: “Se for possível fazer qualquer coisa dentro do direito, agradeço”. O próprio corregedor admite que mandou a mensagem e ressalta que pediu apenas para o juiz fazer o que fosse permitido dentro da lei. “O magistrado que nunca recebeu esse tipo de pedido que atire a primeira pedra”, disse ele em entrevista ao site Consultor Jurídico, na tarde desta terça-feira (6/5), em seu gabinete. “E não foi a primeira vez que fiz um pedido assim. Mas sempre deixo claro que é dentro do direito como está na mensagem”, afirmou.

Os autores do pedido de sindicância narram, ainda, que “não satisfeito com as mensagens”, o corregedor ligou para o juiz “para falar sobre o referido agravo de instrumento, obtendo como resposta que o recurso não seria julgado naquela data, em face da sua viagem para Brasília”. No retorno da viagem, o juiz procurou o corregedor-geral da Justiça “e disse-lhe que havia chances do agravo não ser julgado em favor do seu “antigo conhecido”, porque o direito parecia não lhe socorrer”. O juiz Antonio Horário acatou o recurso “contrariando os pedidos” de Perri, de acordo com a petição. O corregedor fez questão de ressaltar que na conversa com o juiz foi claro. “Eu disse que se não estava no direito, pau nele então”, afirmou Perri sem usar meias palavras.

O grupo afirma, ainda, que o corregedor alterou a data de seu nascimento para participar do concurso para juiz em Mato Grosso. Segundo eles, “Perri nasceu em 8 de agosto de 1957 e na data de abertura de inscrição (23.03.82) e do encerramento do prazo para alistamento no certame (29.07.82) o mesmo contava com 24 anos de idade, o que levou o então candidato a procurar um meio de alterar a sua data de nascimento, com vistas a atender a exigência do edital e permitir sua inscrição no concurso”.

Perri, mais uma vez, não foge da raia. Ele admite que mentiu sua idade para poder ingressar na magistratura sim. O edital fazia uma “exigência ilegal”, segundo ele, de idade mínima de 25 anos. Orientado pelo pai, promotor de justiça, fez uma justificação judicial de que houve erro em sua certidão de nascimento. Assim, conseguiu a alteração da data de nascimento para poder participar do concurso. “Se cometi alguma irregularidade foi para me tornar um agente da lei e não um fora da lei”, afirma.

O desembargador e juízes alegam, também, que um projeto de lei ordinária para alterar a estrutura da Secretaria do TJ de Mato Grosso foi modificado, sem qualquer comunicação ou submissão da mensagem ao Órgão Especial. De acordo com a petição, dos 16 artigos da mensagem inicial 13 foram alterados. Lessa, por meio da assessoria de imprensa, afirma que o projeto dele foi ajustado e enviado diretamente no dia 6 de março, do ano passado, para a Assembléia Legislativa. Dois dias depois, na primeira sessão do Órgão Especial, foi submetido aos desembargadores. A proposta foi, então, aprovada sem se discutir ponto a ponto. O próprio Ferreira Leite estava na sessão, de acordo com a ata do TJ-MT, e nada contestou. Para Lessa, não há nenhum tipo de irregularidade no ato.

Há, ainda, a afirmação de que o presidente do TJ-MT foi para um evento “sem caráter oficial” na Espanha, acompanhado de sua mulher. O grupo diz que ele ficou alguns dias a mais após o evento. E ainda: que o Provimento 023/2007/CM fixou a diária para desembargadores, quando em viagem internacional, em U$S 500,00. “Esse valor, já extremamente alto e que supre a necessidade de qualquer autoridade estadual, com hospedagem e alimentação, em qualquer lugar do mundo, deve ser concedida quando o magistrado viaja em missão oficial”, alegam os juízes e o desembargador. Mas, segundo eles, apenas dois dias antes de sua viagem para a Europa, Lessa “retificou ad referendum do Conselho da Magistratura o Provimento 023/2007/CM, para acrescentar valores em euros, estabelecendo cada diária da moeda européia em € 500,00 (quinhentos euros), através do Provimento 81/2007/CM”.

A assessoria da presidência do TJ-MT rebate os dados com documentos em mãos. Primeiro: o evento foi jurídico e contou até mesmo com a presença de ministros. Segundo: as despesas da mulher foi paga por Lessa. Terceiro: os gastos dos dias que o casal ficou a mais foram pagos do próprio bolso. Quarto: o Conselho da Magistratura referendou a mudança de dólar para euro por conta da moeda que seria usada no local.

Troca de chumbo

O corregedor-geral de Justiça enviou, há cerca de um mês, um relatório para o STJ sobre o desembargador e os quatro juízes. O site Consultor Jurídico publicou, no dia 30 de abril, reportagem sobre o relatório. De acordo com o documento, investidores, incentivados pela maçonaria, aplicaram suas economias na Cooperativa de Crédito Poconé-Sicoob Pantanal, de Poconé (MT), que quebrou. Então, de acordo com o relatório, os magistrados que são maçons se esforçaram para honrar o investimento de mais de R$ 1 milhão por meio de créditos irregulares e empréstimos de colegas. As irregularidades apontadas ocorreram na gestão do desembargador Ferreira Leite. Para a defesa dos magistrados, o que foi apontado no relatório não tem fundamento e as verbas recebidas são regulares

A defesa afirma que Perri foi movido por vingança e ódio. Um dos motivos, de acordo com os advogados do magistrado, foi a derrota de Perri para o cargo de corregedor-geral da Justiça no biênio 2005/2007, entre outros fatos políticos. O corregedor diz que nunca foi inimigo de nenhum deles.

Em petição enviada ao ministro João Otávio de Noronha, relator de uma sindicância aberta no STJ, a defesa chamou Perri de “inquisidor-geral da Justiça” e “supercorregedor”. A intenção é anular o relatório do corregedor.

Clique aqui para ler o pedido de abertura de sindicância feito pelos juízes e desembargador ao STJ.

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