Demagogia política

Ataques à advocacia não se limitam à execração pública

Autor

  • Manoel Leonilson Bezerra Rocha

    é advogado criminalista em Goiânia (GO) presidente do Instituto Bezerra Rocha de Estudos Criminais (IbreCrim) professor de Direito Penal e doutorando em Direito Penal pela Universidade de Burgos Espanha.

6 de maio de 2008, 17h52

As recentes operações deflagradas principalmente pela Polícia Federal e fartamente difundidas nos meios de comunicação, em ações contra o crime organizado e, lamentavelmente, ocorrendo a prisão de alguns advogados, têm reacendido a discussão sobre a atuação do profissional da advocacia como sendo colaborador das ações dos criminosos. Esta avaliação, fruto de uma mal-intencionada e afoita pretensão, vem ensejando confusão, propositadamente, sobre como distinguir o advogado da figura do criminoso.

O grande risco que tudo isso acarreta é a crença generalizada de que, em breve futuro, este profissional venha a ser desnecessário ao exercício da defesa da cidadania e à prestação efetiva ao jurisdicionado. Desse modo, a fim de se criar mecanismos de força ampla, é necessário que se enfraqueçam os poucos elementos, ainda restantes, que poderiam oferecer resistência, como o advogado, contra a tirania do Estado.

Esse empenho dá-se segundo as diretrizes políticas traçadas pelos sectários da doutrina do “Direito Penal Máximo”, do “Direito Penal do Inimigo”, que envidam suas ações para criminalizar a pobreza, fechando os olhos às reais causas do recrudescimento da criminalidade. Apóiam-se em alguns setores da mídia que banalizam o crime, transforma-o em espetáculo sensacionalista para, ao final, propor a elaboração de leis mais severas de modo a coibir a escalada da criminalidade. Para tanto, defendem mudanças no Estatuto da Advocacia, redução das prerrogativas inerentes ao seu exercício, incutindo na opinião pública ser o advogado o grande culpado pelo crescimento da violência, inclusive aquela que se origina e se propaga de dentro dos presídios.

Há bem pouco tempo, buscaram a todo custo eleger um vilão como sendo o culpado pela eclosão da violência e, dentre tantos, surgiram os mais bizarros como o telefone celular, o aparelho de televisão nos presídios, as visitas íntimas, as visitas de familiares, etc. Houve até quem se arvorasse a dizer que a grande culpada seria a Lei de Execuções Penais que “protege” bandidos, quando, na verdade, ela vem disciplinar a execução da pena, estabelecendo direitos e deveres do reeducando.

Por fim, no ápice da insensatez, escolheram o advogado, notadamente aquele que milita na advocacia criminal, cogitando restringir sua visita e comunicação com o detento, omitindo que este profissional, para poder ter acesso ao seu cliente que se encontra recolhido à prisão, é submetido, necessariamente, a um rigoroso esquema de segurança, inclusive revista pessoal, nas diversas portarias e guaritas de segurança pelas quais tem que passar. Não revelam que, para que ocorra a introdução de armas e drogas nos presídios, é necessário haver o envolvimento de agentes penitenciários ou policiais responsáveis pela segurança.

A análise simplória e maniqueísta de encarar um problema por demais complexo, esconde, em sua essência, dois propósitos igualmente nefastos. Por um lado, ludibria a sociedade, afastando desta a informação, a discussão, o enfrentamento para as reais causas da criminalidade. Por outro, ao buscar a desmoralização e o desprestígio do advogado perante a opinião pública, estar-se-á preparando a implementação de políticas de repressão máxima, com a conseqüente violação dos direitos humanos. Para esse fim é preciso transpor os óbices que poderiam advir e, tradicionalmente, no Brasil, é a Ordem dos Advogados do Brasil quem mais tem se posicionado na luta em defesa da sociedade e dos direitos civis.

No Brasil, onde a classe política é deploravelmente desmoralizada e desacreditada, não faltam políticos demagogos e oportunistas que, desviando o foco da população para os reais problemas que afetam a segurança pública, vêm empenhando-se em apresentar projetos de leis no afã de enfraquecer o advogado no exercício da sua profissão, sob o pretexto de que é este profissional, no abuso de suas prerrogativas, tem colaborado para com as atividades de organizações criminosas. Ora, esse argumento é execravelmente embusteiro, pois parte de uma premissa de verdade relativa — tendo por base apenas ações isoladas de um ou outro criminoso camuflado de advogado, para se chegar a uma conclusão essencialmente falaciosa.

As investidas contra a atuação do advogado não se limitam ao ataque direto às suas prerrogativas previstas no Estatuto da Advocacia e sua execração perante a opinião pública. Elas também vêm dissimuladas de aparente legitimidade. É o dito açoite por vias oblíquas que se dá com o surgimento crescente e escandaloso dos cursos de Direito, frutos de mero mercantilismo, sem utilidades nem credibilidade. É a sanha maldosa de se defender a extinção do Exame de Ordem como condição para o exercício da advocacia de modo a possibilitar que milhares de pessoas sem preparo ou nenhum conteúdo técnico possam aventurar-se a portar uma carteira de advogado, transformando a nobre missão deste profissional em mera caricatura.

Pois bem, se é verdade que alguns criminosos travestem-se de advogados, é certo que essa modalidade de criminosos é também fartamente encontrada em outros segmentos profissionais, como na Medicina, na Engenharia, nas instituições financeiras, no Ministério Público, na Polícia, entre os agentes penitenciários, nas três esferas dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, até mesmo, nas igrejas. Se o pseudo-profissional é um criminoso, é como tal que deve ser tratado. O que não se justifica é o sacrifício generalizado de uma categoria profissional.

O advogado criminalista vem sendo usado como “bode expiatório” para ofuscar o fracasso administrativo e a falência moral de políticos corruptos e do sistema prisional que funciona como “escola do crime”. Enquanto prosseguir esse desvirtuamento das atenções quanto aos reais problemas da violência, permanecerão acobertados os seus responsáveis, aqueles que são os verdadeiros parceiros dos criminosos, alguns políticos, agentes penitenciários, diretores de presídios, policiais, juízes, promotores de Justiça, etc., insuspeitos e encastelados em seus postos ou gabinetes, escarnecendo dos cidadãos honestos.

A sociedade, atualmente, órfã de parâmetros éticos e morais confiáveis que possam servir de paradigmas, vive um terrível drama de consciência. Se, por um lado, resta a descrença nos gestores públicos, por outro necessita restabelecer a esperança de que algo ainda pode ser feito. Dessa utopia surge a necessidade de uma retomada de postura. É exatamente quando se encontra nessa linha limítrofe que é facilmente induzida ao engano, induzida por discursos demagogos de políticos oportunistas que, em pareceria com alguns segmentos da mídia sensacionalista, elegem a figura do advogado como sendo o entrave ao combate à criminalidade. É necessário alertar aos incautos que as prerrogativas do advogado não são um beneficio de interesse pessoal, um privilégio do advogado. Elas são, sim, o antídoto contra as mazelas perniciosas e desenfreadas do poder do Estado. Constituem-se em um instrumento de contra-força a serviço do jurisdicionado em sua luta em defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana, de toda a sociedade.

O advogado sem ter respeitadas as suas prerrogativas, sem liberdade e autonomia para bem exercer o seu ministério na defesa intransigente dos interesses e garantias do cidadão, é o mesmo que consentir uma sociedade desamparada, frágil e vítima dos talantes incomedidos e arbitrários dos agentes do poder público. O advogado representa e assegura o justo equilíbrio entre as forças de interesses diametralmente opostas. De um lado, o indivíduo, desarmado e impotente e, de outro, o Estado, esse ente gigante e poderoso, o Leviatã, na concepção hobbesiana.

O jusfilósofo Raúl Zaffaroni, ao referir-se à defesa social e à segurança jurídica, assim leciona: “O fim de prover a segurança tutelando bens jurídicos é o que marca um limite racional à aspiração ética do Direito Penal”. De ver-se, a sociedade precisa estar atenta aos reais propósitos dos algozes defensores da política do “tolerância zero”, do “Direito Penal Máximo”, de “lei e ordem”, do “Direito Penal do Inimigo” que, dentre outros males, no intuito de enfraquecer a defesa dos direitos civis, empenham-se em marginalizar a atuação profissional do advogado e a sua nobre missão, encobrindo aqueles que verdadeiramente são os que concorrem, direta ou indiretamente, para a eclosão do crime e da violência.

Para a consecução desses fins, o real banditismo organizado associado à demagogia de alguns políticos, busca transformar o advogado, perante a sociedade, em um mero ator desarmado, enfraquecido e desacreditado.

Autores

  • é advogado criminalista em Goiânia (GO), presidente do Instituto Bezerra Rocha de Estudos Criminais (IbreCrim), professor de Direito Penal e doutorando em Direito Penal pela Universidade de Burgos, Espanha.

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